quinta-feira, 12 de março de 2020

Míriam Leitão - O dia da queda de todas as fichas

- O Globo

Crise do coronavírus se espalha e afeta a bolsa e a economia. Desarticulação política do governo levou a aumento de R$ 20 bi em gastos

A Ásia terá vários países em recessão, na Europa, a Itália certamente afundará e talvez a Alemanha. Nos Estados Unidos, o cenário mais suave é de desaceleração forte, o pior cenário inclui uma crise de crédito porque as empresas americanas estão muito endividadas. Esse é o quadro econômico que está se formando com a dispersão do covid-19, segundo a visão do economista José Roberto Mendonça de Barros. No Brasil, o Congresso criou uma despesa obrigatória de R$ 20 bilhões por ano. O dinheiro é destinado aos mais pobres, mas na visão da equipe econômica isso derruba na prática o teto de gastos.

Tudo está acontecendo ao mesmo tempo no mundo. O vírus se espalhando, as bolsas despencando, as economias reduzindo o ritmo de crescimento. Sobre a China, Mendonça de Barros usa o dado do BNP Paribas, de queda do ritmo do PIB para 4,5%. O primeiro banco a rever fortemente o crescimento da China foi o BNP Paribas. O economista-chefe do banco no Brasil, Gustavo Arruda, disse que quando sua equipe conversou com o time da Ásia e viu a gravidade da situação, em 18 de fevereiro, ele reduziu a previsão de crescimento do Brasil para 1,5%.

— Dada a gravidade da situação era impossível que ficasse localizado na China. O Brasil é afetado de diversas formas. Pelo canal externo, pelos preços das commodities, mas também pelas importações de vários setores, como eletrônicos — disse Gustavo.

O Brasil seria afetado economicamente, mesmo que não houvesse complicações locais. E há. Na opinião de José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, a economia que poderia segurar o mundo seria a americana. Mas ela também tem problemas.

— As empresas americanas estão muito alavancadas. A dívida corporativa está em 47% do PIB. Nesse quadro o risco de haver um problema de crédito é muito grande. Com a guerra de preços de petróleo, entre Arábia Saudita e Rússia, as empresas mais vulneráveis são as da indústria do shale oil. Essas estão correndo risco de vida. Os bancos regionais do Texas, por exemplo, podem ter problemas. É por isso que o Fed elevou a oferta de assistência de liquidez — disse Mendonça de Barros.

Os cancelamentos de eventos públicos já estavam afetando em cadeia as empresas aéreas, os hotéis, o setor de serviços, e agora serão mais frequentes depois que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou que o Covid-19 é uma pandemia global. E isso é parte da desaceleração do PIB mundial que está em curso. A economista Silva Matos, do Ibre/FGV, alerta que o setor de serviços é o que tem o maior peso no PIB. Por isso, essa crise deve levar a novas revisões do crescimento brasileiro. Ontem o governo recalculou para 2,1%. Ninguém acredita no mercado que fique nesse patamar.

Além de tudo isso, a conta das trapalhadas políticas de Bolsonaro chegou ontem. Um governo sem base parlamentar, de um presidente sem partido, que hostiliza e ameaça o Congresso, o que pode receber de volta? O Congresso derrubou ontem o veto do presidente a um projeto que quadruplica o valor da renda de quem pode receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Pelas contas da equipe econômica, o gasto será de R$ 20 bilhões por ano. Hoje, só quem tem um quarto de salário mínimo de renda familiar é que pode requerer BPC. O projeto eleva para um salário mínimo.

— Isso representa um tiro de canhão no teto de gastos, porque é despesa obrigatória que nem pode ser contingenciada. É uma encrenca das grandes. Porque não sabemos de onde pode ser tirado um valor deste tamanho — comentou um integrante da equipe econômica.

Aliás, ontem, no Ministério da Economia, eles estavam trabalhando exatamente no cálculo do valor a ser contingenciado. É obrigatório congelar despesas quando se faz uma revisão para baixo do crescimento do PIB.

Do ponto de vista da saúde pública no mundo, a situação é de incerteza. Mendonça de Barros lembra que nos Estados Unidos não há uma rede pública de saúde e 30 milhões não têm plano. A economista Monica de Bolle, que mora lá, conta que a atitude do presidente Trump de negar a dimensão da crise e não aceitar o teste desenvolvido pela OMS com outros países atrasou a resposta do país em seis semanas. Aqui também o presidente Bolsonaro voltou a subestimar o risco do coronavírus. Contudo, a crise global, na economia e na saúde, continua se agravando.

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