• Falta um plano para o fim do isolamento – Editorial | O Globo
A volta do país à normalidade, desejo de todos, não pode ser feita sem fundamentação técnica
Uma dedução lógica indica que, se Bolsonaro demitiu Luiz Henrique Mandetta por discordar do isolamento social, Nelson Teich, o substituto, foi nomeado para executar o desejo presidencial. A realidade, no entanto, pode abalar este raciocínio no que ele tem de inflexível. À margem deste conflito, em que política se mistura com saúde pública, a vida real segue sua marcha junto com o avanço da epidemia do coronavírus, responsável até ontem pela morte de mais de 2 mil pessoas no país, marca alcançada no dia da posse de Teich. O Exército, sugestivamente, pede informações a prefeituras fluminenses sobre a capacidade de seus cemitérios.
Menos tenso que na véspera ao anunciar a saída de Mandetta e sua troca pelo oncologista Nelson Teich, o presidente, na posse do novo ministro, explicitou sua preocupação prioritária com os estragos provocados pelo isolamento na economia. Sem circulação de pessoas, o comércio é estrangulado. E abrir o comércio é um risco que o presidente disse que correrá. Voltou a falar da sua preocupação com o desemprego, afirmando que deseja evitar que o custo da terapia, o isolamento, seja maior que o prejuízo da doença.
Bolsonaro sugeriu a Teich fazer uma média aritmética simples: somá-lo com Mandetta e dividir por dois. Numa epidemia em que a rapidez da disseminação do vírus supera a capacidade de os sistemas de saúde no mundo, inclusive o desenvolvido, salvarem a vida de todos os infectados, uma simples média não será capaz de estabelecer uma estratégia para o combate à Covid-19. Neste sentido, a proposta do novo ministro de criar e alimentar bancos de dados para ajudar nas tomadas de decisão é correta. Testar, também, ninguém discute. Mas é preciso saber como, com a escassez de kits de testagem.
Fortalecer as bases técnicas para a definição do que fazer é sempre o melhor caminho. A suspensão do isolamento não pode depender apenas do desejo de autoridades políticas. Nos Estados Unidos, onde o presidente Donald Trump também se choca com governadores pelo mesmo motivo — queria apressar a suspensão de quarentenas e distanciamento social —, seu governo acaba de apresentar proposta de um plano com três fases para o retorno do país à vida normal. Cada uma delas com metas objetivas que precisam ser alcançadas para que haja a liberalização. Não é mesmo assunto a ser resolvido numa penada.
Trump deseja que o relaxamento de todo este estado de emergência comece em 1º de maio, mas isso dependerá dos governadores. Cada um deles conhece melhor que a Casa Branca a situação do seu estado. Como no Brasil, também para desgosto de Bolsonaro. Ele lamenta não poder intervir em São Paulo e Rio, por exemplo, para suspender medidas de isolamento. Recente julgamento do Supremo consolidou o poder de estados e municípios sobre a gestão de medidas antiepidemia. Evita que decisões importantes fiquem nas mãos de uma única pessoa e ajuda o novo ministro nas suas preocupações em tomar decisões bem fundamentadas.
• O bom exemplo de ação que vem da comunidade de Paraisópolis – Editorial | O Globo
Sem esperar pelo poder público, moradores criaram estratégia para conter propagação da Covid-19
Desde que começaram a surgir os primeiros casos de Covid-19 no Brasil, em fins de fevereiro, uma das maiores preocupações das autoridades de saúde tem sido o avanço do novo coronavírus sobre as favelas, realidade indissociável dos grandes centros urbanos e suas periferias.
Segundo o Censo 2010 do IBGE, o país tem 11,4 milhões de pessoas morando em comunidades, número comparável à população da cidade de São Paulo. Belém, Salvador, São Luís, Recife e Rio concentram a maior proporção desses moradores.
A preocupação tem motivo. Em meio à pandemia, comunidades encaram todas as dificuldades que o país enfrenta, além de outras tantas, fruto das insalubres condições locais.
As favelas são resultado de décadas de descaso do poder público, mas, com a pandemia, suas mazelas ficaram mais expostas. Falta de saneamento, ausência de urbanização, casas empilhadas desordenadamente em áreas de risco, altas taxas de doenças, tudo veio à tona.
Pergunta-se como cumprir os protocolos recomendados pelo Ministério da Saúde — por exemplo, lavar as mãos frequentemente — se muitos desses moradores não têm água em casa. Ou como evitar a disseminação da doença em ambientes com casas amontoadas.
Por óbvio, as soluções para esses problemas são demoradas, e não há tempo a perder. Nesse sentido, há bons exemplos sendo postos em prática pelas próprias comunidades, sem esperar pela ajuda de governos, sempre necessária.
Um deles vem de Paraisópolis, uma das maiores favelas de São Paulo, com cerca de cem mil pessoas. Lá, 420 moradores foram transformados em “presidentes de rua”. Eles monitoram grupos de 50 casas para detectar possíveis casos da doença. Observam, orientam e tentam convencer pessoas a manter o isolamento. São importantes também para identificar as famílias mais vulneráveis, que recebem quentinhas preparadas na própria comunidade.
Evidentemente, não é o único exemplo. Em favelas do Rio, moradores integram redes de solidariedade para distribuir alimentos às famílias mais pobres e a pessoas que perderam suas ocupações devido à quarentena. Há inúmeras campanhas também para levar álcool em gel, artigos de higiene e máscaras para esses moradores.
Mas essas bem-vindas ações não excluem o socorro por parte dos governos federal, estadual e municipal. As precárias condições em que vive um contingente expressivo da população brasileira terão necessariamente de entrar na agenda pós-pandemia. Mas, por enquanto, a situação é de emergência. E governos e moradores precisam fazer a sua parte para evitar o caos nas favelas.
• Mergulho chinês – Editorial | Folha de S. Paulo
PIB do gigante asiático desaba no 1º tri; retomada ainda não é aposta segura
Local de origem da pandemia do novo coronavírus, a China foi o primeiro país a impor medidas drásticas de isolamento social. Em 23 de janeiro, a ditadura surpreendeu o mundo ao iniciar quarentenas que afetariam 60 milhões de pessoas na província de Hubei.
Enquanto no restante do planeta o impacto econômico da crise sanitária se fez sentir com mais intensidade a partir do final de março, no gigante asiático os danos foram dramáticos ao longo de todo o primeiro trimestre deste ano.
Com efeito, o Produto Interno Bruto encolheu 6,8% na comparação com o mesmo período de 2019, a primeira queda desde 1972. Em relação ao final do ano passado, a retração chega a quase 10%.
Trata-se de um solavanco considerável para a segunda maior economia do mundo —e motor do crescimento global nas últimas décadas, o que suscita temor a respeito das novas perspectivas.
Desde que tomaram conhecimento da epidemia de Covid-19, as autoridades chinesas reagiram com estímulos em todas as áreas. Relaxamentos da política monetária e expansão de empréstimos bancários se tornaram frequentes nos últimos dois meses.
O resultado do primeiro trimestre esconde uma recuperação parcial já observada em março, com o abandono gradual de restrições à movimentação de cidadãos. Há sinais de que o tradicional incentivo a investimentos em infraestrutura está em andamento.
É cedo para otimismo, contudo. As medidas econômicas adotadas até o momento parecem dosada para conter o primeiro impacto da crise —justamente a paralisia da atividade doméstica no período mais agudo da epidemia.
Mas agora se aproxima uma segunda onda, ocasionada pela retração da demanda global pelas mercadorias chinesas, conforme os impactos da crise nos demais países se façam sentir a partir deste segundo trimestre.
Desafios menos conjunturais também podem surgir. Um deles é o risco de retrocesso da globalização a médio e longo prazos, se empresas europeias e americanas considerarem renacionalizar parte de suas cadeias produtivas.
Nesse cenário, o governo chinês terá mais trabalho para viabilizar o retorno ao ritmo desejado de crescimento do PIB, de ao menos 5% ao ano. Tudo isso sugere que novas medidas de estímulo são prováveis nos próximos meses.
Uma retomada chinesa traria ajuda importante para a economia global. A sustentação dos preços das matérias-primas, notadamente de produtos agrícolas e minério de ferro (principais itens da pauta brasileira), também seria bem-vinda. Ainda não se sabe, porém, se essa é uma aposta segura.
• Menos mortes – Editorial | Folha de S. Paulo
Queda aguda de homicídios reforça aposta em inteligência, apuração e prevenção
Em meio às sucessivas e lúgubres notícias sobre a pandemia de Covid-19, emerge enfim uma boa nova: o número de homicídios cometidos no Brasil continua a recuar. Mantém-se, assim, a tendência observada a partir de 2018.
Há, sim, o que comemorar. Como assinalou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, houve 10.107 menos brasileiros mortos no ano passado, segundo a classificação de crimes violentos letais intencionais (homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte).
No total, foram 42.201 pessoas assassinadas em 2019. Embora seja a menor cifra da série histórica iniciada em 2015, impõe-se temperar o otimismo com um grão de sal, pois ainda se trata de índice relativamente alto --na casa de 20 mortes intencionais por grupo de 100 mil habitantes.
Existe motivo para regozijo com a estatística saída do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública; por outro lado, será difícil obter consenso sobre a raiz desse desenvolvimento favorável.
Moro dá a entender que resulta da repressão policial, mas há muito se sabe que o recuo na criminalidade é fenômeno multifatorial. Com seu simplismo costumeiro, o presidente Jair Bolsonaro desde a campanha eleitoral reduz a política pública nesse setor à truculência da polícia e ao relaxamento do controle de armas.
Tal discurso mostrou grande apelo nas eleições de 2018. A ele aderiram, em graus variados, governadores eleitos como João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ), ambos atualmente na oposição à administração federal.
A queda paulatina dos assassinatos já se iniciara, porém, nos primeiros meses do ano retrasado. Naquela altura, a influência do ideário bolsonarista não alcançava ainda feição concreta nas instituições. Muitas são as explicações aventadas por especialistas na área para a mudança de panorama.
Entre as hipóteses, não excludentes entre si, estão melhora na capacitação e no equipamento das corporações policiais, nova dinâmica das disputas entre facções criminosas, mobilização frequente da Força Nacional de Segurança e até fatores demográficos (progressiva diminuição de cortes de jovens recrutáveis pelo crime organizado).
Estudos serão necessários para deslindar as causas. A melhor aposta, porque mais civilizada que a brutalidade policial, privilegia inteligência, investigação e prevenção.
• Responsabilidade intransferível – Editorial | O Estado de S. Paulo
O presidente da República, Jair Bolsonaro, terá de arcar com o peso de suas decisões sobre a vida de todos os cidadãos
O governo de São Paulo anunciou ontem a prorrogação da quarentena no Estado. O fechamento do comércio e de serviços não essenciais, que poderia ser suspenso no próximo dia 22 de abril, agora se estenderá até o dia 10 de maio. Segundo o governador João Doria, a medida é necessária em razão do iminente colapso do sistema hospitalar público ante a pandemia de covid-19. Em outros Estados, esse colapso já ocorreu.
Ou seja, o País começa a entrar na fase aguda da crise, com perspectivas funestas, o que demanda a ação rápida, decisiva e inteligente das autoridades no sentido de preservar vidas, mesmo que isso prejudique a economia – afinal, empresas podem superar prejuízos e trabalhadores podem recuperar empregos, mas, como é terrivelmente óbvio, mortos não ressuscitam.
Nenhum esforço regional, por mais competente que seja, é capaz de substituir a liderança federal no combate à pandemia. Por isso, a responsabilidade primária, irrenunciável e intransferível pela condução do País na crise é do presidente da República, Jair Bolsonaro, e ele terá de arcar com o peso de suas decisões sobre a vida de todos os cidadãos. O novo ministro da Saúde, Nelson Teich, assumiu essa mesma responsabilidade quando aceitou o cargo, e por isso mesmo o País acompanhou, atento, suas primeiras palavras, na esperança de encontrar ali um compromisso cristalino com a ciência e o bom senso.
O que se viu até aqui, porém, foi um ministro ciente de que ocupa um cargo político, a ele designado por questões exclusivamente políticas. Tratou de equilibrar-se entre a demanda de seu chefe para determinar o fim do isolamento social e o fato incontornável de que esse isolamento é a única forma, hoje, de enfrentar a pandemia.
O ministro Teich se diz em “completo alinhamento” com o presidente Bolsonaro, que considera exageradas as medidas de isolamento social, mas dias antes de ser nomeado publicou um artigo em que defendeu o isolamento como “a melhor estratégia no momento”. Ou seja: enquanto era apenas um profissional de saúde, o doutor Teich reafirmava aquilo que todos os gestores de saúde sabem; quando se tornou ministro, assumiu o típico discurso político – que muito fala para nada dizer.
Para começar, o novo ministro declarou que é preciso “conhecer melhor” a doença a fim de criar estratégias para a volta à normalidade. Ora, é exatamente isso o que o mundo inteiro está tentando fazer há meses, ainda sem resultados. Segundo o ministro Teich, será necessário elaborar um amplo “programa de testes”, embora o Brasil esteja muito atrasado na aplicação desses exames, por variados motivos, e nada indica que essa situação mudará num futuro previsível.
Para piorar, Bolsonaro mandou suspender uma iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia, em parceria com operadoras de celular, para monitorar o fluxo de pessoas pelo País e assim identificar o nível de adesão à quarentena. Alegando um risco à privacidade inexistente nesse caso, o presidente dificulta a produção de informações necessárias para preparar o sistema de saúde. Desse jeito fica difícil “conhecer melhor” a doença, como quer o ministro da Saúde.
Assim, justamente no momento em que o País mais precisa de determinação e rumo, ante a expansão exponencial da pandemia, o novo ministro da Saúde tem a oferecer apenas palavras ditas sob medida para satisfazer Bolsonaro, que só confia naqueles que o adulam e cultiva antagonistas como método de governança.
A missão do ministro Teich já não seria fácil de qualquer maneira, pois se está diante de um dos maiores desafios globais de saúde pública em um século. Mas essa missão será ainda mais árdua porque é preciso lidar também com um presidente que não acredita em resultados eleitorais chancelados pela Justiça Eleitoral, tampouco nos números da devastação na Amazônia, mas diz acreditar piamente na eficácia de um remédio contra a covid-19 que ainda está em testes; e esse presidente, ademais, encara o novo coronavírus não como uma emergência de saúde pública, mas como arma invisível usada por seus supostos inimigos – dos governadores de Estado ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia – para derrubá-lo.
Temos, no entanto, grandes esperanças de que o ministro Nelson Teich saberá ultrapassar todos os obstáculos que contra ele já se erguem no caminho da superação desta crise global.
• Insensibilidade estarrecedora – Editorial | O Estado de S. Paulo
Legislativos estaduais concederam reajustes salariais a funcionários públicos
É espantoso que até mesmo a pandemia do novo coronavírus não seja capaz de frear a ânsia de corporações do funcionalismo por reajuste salarial. Milhões de brasileiros veem sua renda cair por força da situação atual. Aprova-se uma legislação de emergência permitindo redução de carga horária e de salário, como forma de preservar empregos. Enquanto isso, Legislativos estaduais concederam reajustes salariais a funcionários públicos. É um contraste absolutamente imoral.
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou e o governador Wilson Witzel sancionou a Lei 8.793/20, autorizando a administração estadual a revisar as remunerações dos servidores estaduais. Resultado de um acordo feito após uma série de vetos do Executivo à Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020, o texto tem como autores deputados do PSL, PSDB, PT, PSOL, PDT, PRB, PSD, PCdoB, DEM, MDB e DC. O corporativismo, como se vê, ultrapassa as fronteiras ideológicas.
No dia 14 de abril, a Alerj comemorou a aprovação no Twitter. “#AgoraéLei. A Lei 8.793/20, que autoriza o governo do Estado a promover alterações no Orçamento de 2020 para permitir a revisão das remunerações dos servidores estaduais, foi sancionada pelo governador Wilson Witzel e publicada hoje no Diário Oficial.” E ainda justificou o disparate, alegando que “há cinco anos os servidores não têm reajuste”. É estarrecedora a capacidade de não enxergar a realidade.
Questionado se pretende aplicar a reposição salarial em meio à pandemia do novo coronavírus, o governo de Wilson Witzel afirma que o momento não é propício a isso. “O Estado do Rio de Janeiro sofre um declínio considerável da sua arrecadação por conta da crise causada pelo novo coronavírus e também pela queda do preço do barril do petróleo”, diz a nota do governo estadual.
Antes já não era momento propício, e muito menos o é agora. O Estado do Rio encontra-se em situação falimentar há três anos, sem condições de custear parte de seus serviços essenciais. Em 2017, a administração estadual negociou um plano de recuperação fiscal, de forma a permitir um paulatino reequilíbrio de suas contas. Antes da pandemia do novo coronavírus, a estimativa era de que o Executivo fluminense voltaria a arrecadar mais do que gasta apenas em 2029. Trata-se de um cenário que impede pensar em qualquer reajuste.
Mas o irrealismo de setores do funcionalismo não está restrito ao Rio de Janeiro. Recentemente, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou projeto de lei complementar concedendo reajuste de 3,89% aos servidores do Tribunal de Contas do Estado (TCE) de São Paulo. Há salários que ultrapassam os R$ 25 mil mensais.
A benesse foi concedida um dia antes de a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter declarado a pandemia de covid-19. Enquanto o mundo se preparava para reduzir atividades e conter a expansão do novo coronavírus, havia quem trabalhasse intensamente pela expansão de salários pagos com recursos públicos.
O governador João Doria não sancionou a nova lei e, decorrido o prazo legal, a Assembleia Legislativa a promulgou. Em nota, o presidente da Casa, deputado Cauê Macris (PSDB), explicou que a promulgação do projeto de lei foi feita em razão de “determinação legal”.
Ante o completo descompasso do reajuste salarial com a situação do País e do mundo, o presidente do TCE de São Paulo, conselheiro Edgar Rodrigues, suspendeu a liberação do aumento enquanto a crise econômica causada pela pandemia da covid-19 perdurar, afirmando que ele será pago mais adiante. Ou seja, quando a imensa parte dos brasileiros estiver batalhando para pagar a imensa conta da crise, fazendo todo tipo de sacrifícios, haverá alguns poucos com ajuste de salário assegurado.
Em vez de obter reajustes salariais – verdadeiro descalabro –, é hora de reduzir salários de todo o funcionalismo, nas três esferas da Federação e nos Três Poderes. Se o trabalhador da iniciativa privada pode ter o contrato de trabalho suspenso ou ver seu salário reduzido em até 75%, não há razão para que o funcionário público seja poupado desse mesmo esforço. A superação da crise causada pela pandemia exige a colaboração de todos.
• Financiar e evitar o pior – Editorial | O Estado de S. Paulo
É preciso continuar olhando também as empresas menores e as famílias pobres
Bancos devem lançar nos próximos dias um novo pacote de financiamento, estimado inicialmente em cerca de R$ 50 bilhões. Depois de recusar apoio a micro, pequenas e médias empresas no começo da crise, o setor financeiro poderá entrar para valer no esforço para impedir uma devastação dos negócios. “Nenhum banco tem interesse em que uma empresa quebre. É o pior cenário”, disse o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari, numa entrevista da série Economia na Quarentena, promovida pelo Estado. De fato, é o pior cenário, mas os dirigentes do setor bancário nem sempre têm agido segundo esse ponto de vista. Neste momento as palavras do entrevistado são especialmente oportunas. Hoje é preciso enfrentar ao mesmo tempo uma epidemia de alta letalidade e desafios econômicos muito diferentes daqueles da crise financeira de 2008-2009. Nenhuma família pode julgar-se perfeitamente segura em relação ao novo coronavírus. Da mesma forma, nenhuma empresa – ou setor de negócios – pode considerar-se imune aos efeitos da retração no mercado interno e nos mercados globais.
Qualquer ação para atenuar os danos da recessão tem duplo valor. Serve como socorro aos atingidos e, ao mesmo tempo, tem um sentido preventivo. Sem ser exatamente igual, assemelha-se ao esforço para achatar a curva de progressão da covid-19. Trata-se de evitar o risco de uma quebradeira descontrolada. Materializado esse risco, todos serão afetados. Mesmo os maiores grupos, incluídos os financeiros, pagarão pelo desastre. Na melhor hipótese, serão forçados a operar por longo tempo em ambiente de retração muito severa, e, portanto, com oportunidades bem menores de lucro.
Pelo menos inicialmente, segundo o Estadão/Broadcast, o novo programa será executado por um grupo de grandes instituições – Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander – lideradas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Também se considerava, nos últimos dias, a participação de algumas instituições menores. O pacote foi concebido para aliviar prioritariamente alguns dos setores mais afetados pela crise. O dinheiro deve ser dirigido em primeiro lugar a empresas de energia, de transporte aéreo e do setor automotivo. Também se considera a oferta de recursos a firmas do varejo, excetuadas aquelas, como farmácias e supermercados, autorizadas a funcionar com portas abertas durante o período de isolamento social.
Parte das empresas, com faturamento anual de até R$ 10 milhões, foi contemplada com um pacote de R$ 40 bilhões elaborado pelo governo. Não está claro, ainda, se esse crédito especial proporcionou alívio suficiente ao enorme número de empresas com menor fôlego financeiro. A maioria das firmas, segundo levantamento divulgado nos primeiros dias da crise, mal teria caixa para aguentar um mês sem receita.
Bem visíveis no dia a dia da maior parte das pessoas, essas empresas modestas – oficinas, lojas, quitandas, consultórios, açougues, mercadinhos, escritórios e pequenas indústrias – são as maiores geradoras de emprego e de sustento para as famílias brasileiras. Têm visibilidade muito menor, no entanto, quando a economia é contemplada através das lentes do mercado de capitais e do sistema financeiro.
No primeiro ano do atual governo esse mundo ficou fora do foco da política econômica. Foi notado quando se reconheceu a gravidade da crise e o pessoal do Ministério da Economia se dispôs a olhar os detalhes do Brasil real. Também foi preciso, nesse momento, incluir nas preocupações o drama dos trabalhadores de baixa renda, formais e informais.
Com o novo pacote, inicialmente estimado em cerca de R$ 50 bilhões, grandes empresas, muito importantes para a vida nacional, poderão sair do sufoco. Mas será preciso continuar olhando, até com maior atenção, as condições das empresas menores e das famílias mais vulneráveis. Não basta proporcionar socorro por um trimestre ou pouco mais, mesmo na hipótese de alguma retomada a partir de julho. A reação poderá ser lenta e difícil e com risco de recaída.
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