- O Globo
Constituição prevê o direito ao trabalho e uma série de garantias para a proteção do emprego, o objetivo da MP
Duas das instituições mais atacadas pelo presidente Bolsonaro nos últimos dias, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso, deram ontem demonstrações de que atuam nesse momento dramático do país sem viés ideológico, ajudando o governo a enfrentar a Covid-19.
O Supremo aprovou por maioria ampla (7 a 3) a permissão de acordos individuais entre empregados e empregadores sem a participação dos sindicatos. O Senado, por sua vez, aprovou a proposta de emenda constitucional (PEC), que já havia sido aprovada pela Câmara, que institui o chamado “orçamento de guerra”, que dá licença ao governo de gastar verbas não previstas no orçamento-geral da União no combate à Covid-19. Acertos terão que ser feitos, pois o Senado alterou o texto que veio da Câmara, mas nada que a inviabilize,
Bolsonaro, que acusara quinta-feira o presidente da Câmara de conspirar para derrubá-lo, recebeu poderes nunca antes dados a um presidente da República, e por iniciativa do próprio Rodrigo Maia.
Pelo “orçamento de guerra”, o governo não terá as limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal, e o Banco Central fica autorizado a comprar e vender títulos públicos nos mercados financeiros de empresas que necessitem ajuda, sem passar pelo mercado bancário. Uma maneira de injetar dinheiro com rapidez nas empresas privadas, sem entraves que a legislação atualmente impõe.
Já o Supremo terminou ontem o julgamento da legalidade da medida provisória que criou o "Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda", que permite a empregados e empregadores negociarem a suspensão temporária do contrato de trabalho, ou a redução equivalente de remuneração e horas trabalhadas, durante a pandemia da Covid-19, sem a participação dos sindicatos.
O relator, ministro Ricardo Lewandowski, havia votado na véspera reafirmando o teor da liminar que concedera, dando aos sindicatos o poder de rever acordos individuais.
O governo temia tanto a derrota que o Advogado-Geral da União, André Mendonça, na hora de defender a legalidade da medida provisória editada pelo governo, acabou admitindo que o ministro Lewandowski tinha razão, acatando a tese do relator.
Fez isso porque temia que prevalecesse no plenário uma posição mais radical ainda, defendida pelos ministros Edson Fachin e Rosa Weber, que consideraram integralmente inconstitucional a medida provisória, anulando inclusive todos os cerca de 2 milhões de acordos que já haviam sido firmados.
O ministro Alexandre de Moraes, que tem tido uma ação assertiva nesse período e, junto com o ministro Marco Aurelio Mello, deu autonomia a estados e municípios para definirem os programas de distanciamento social horizontal, - o que irritou o presidente Bolsonaro - votou pela revogação da liminar e abriu caminho para uma vitória ampla do governo. Foi acompanhado também por Marco Aurelio.
Os sete votos favoráveis seguiram o raciocínio de Moraes de que a medida objetivava a manutenção dos empregos nesse momento de crise: “Esse acordo é excepcional, é temporário, só pode ser aplicado nesse período de 90 dias de calamidade pública. A ‘ratio’ da norma é a manutenção do trabalho, é uma opção ao desemprego, é a valorização da manutenção desse direito social, trabalho”.
O ministro Luis Roberto Barroso ressaltou em seu voto, já prenunciando uma posição a favor das decisões técnicas e não políticas, que a medida provisória é fruto de uma cão conjunta de profissionais de diversas áreas: economistas, médicos, gestores públicos e profissionais do Direito. Para o ministro, há necessidade no momento de "autocontenção" do Judiciário e deferência para com as decisões que foram tomadas por pessoas que têm expertise nos assuntos.
Barroso lembrou ainda que a Constituição prevê o direito ao trabalho e uma série de garantias para a proteção do emprego, o objetivo da medida provisória. O ministro Luiz Fux ressaltou a importância dos acordos entre trabalhadores e empregadores, lembrando que a conciliação "otimiza os relacionamentos".
A ministra Carmem Lucia ressaltou, como já havia feito anteriormente Fux, a insegurança jurídica que provocaria a exigência de submeter os milhões de acordos já realizados à avaliação de sindicatos. Já Gilmar Mendes reforçou que a medida é um esforço para que os empregos sejam preservados, em meio a uma situação excepcional. "É uma crise que nossa geração jamais viu", disse.
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