Mercado de créditos de carbono é um avanço para o Brasil
O Globo
Projeto aprovado no Senado representa passo
essencial, mas texto deveria incluir agropecuária
O Projeto de Lei que regula o mercado de
carbono, aprovado por unanimidade pela Comissão do Meio Ambiente do
Senado, não é o ideal, mas sem dúvida representa um avanço. Estabelece um
mecanismo fundamental para reduzir as emissões de gases de efeito estufa no
Brasil.
Votado de forma terminativa, sem necessidade de ir ao plenário, o projeto cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). Estipula, para as empresas que lançarem mais de 10 mil toneladas de carbono na atmosfera (ou o equivalente em outros gases), a obrigação de apresentar um relatório de emissões e reduções, pelas quais terão direito a créditos. As que emitirem mais de 25 mil toneladas terão de comprar esses créditos de carbono das que tiverem reduzido suas emissões — ou então terão de pagar multas, perderão benefícios fiscais e estarão proibidas de firmar contratos com o setor público.
A negociação de créditos de carbono, hoje
apenas voluntária, passará ao mercado formal. Com a compra e a venda reguladas
por lei, empresas com dificuldades de reduzir emissões serão obrigadas a
adquirir a permissão de outras que reduzirem. Tal mecanismo induzirá a
transição a um sistema produtivo mais limpo e contribuirá para o Brasil cumprir
as metas de corte assumidas no Acordo de Paris. O projeto também traz mais
segurança jurídica às iniciativas de descarbonização em curso, ao criar uma
autoridade nacional de natureza técnica, responsável por avaliar projetos e
certificar as metodologias adotadas. Calcula-se que alcance 85% do mercado
corporativo.
A principal deficiência foi uma concessão à
bancada ruralista adotada de última hora. Os senadores retiraram agricultura e
pecuária dos setores obrigados a apresentar relatórios. Tal mudança exclui do
mercado de carbono a segunda maior fonte brasileira de emissões. A principal é
o manejo da terra, que inclui desmatamentos, com 49% do total. A agropecuária
responde por 25%. Como o desmatamento também está relacionado ao avanço
agrícola, de forma direta ou indireta a agropecuária acaba respondendo por mais
da metade dos gases que o Brasil lança na atmosfera.
O argumento usado para justificar a exclusão
da agropecuária — aceito pela relatora do projeto, senadora Leila Barros
(PDT-DF), cujo trabalho foi de resto louvável— é a dificuldade de medir as
emissões da atividade rural. É um argumento falho. Há centenas de estudos
científicos sobre as emissões das atividades agrícolas. Basta consultar
universidades, técnicos do Ministério da Ciência e Tecnologia ou as
organizações especializadas que já fornecem essas medidas às empresas mais
modernas e inovadoras do agronegócio.
Atrair investimentos externos é crucial para
economia brasileira
O Globo
País continua atraente para o investidor
estrangeiro, mas seria ainda mais se aprofundasse reformas
Diante da carência crônica de capital e do
baixo nível de poupança, o investimento estrangeiro é fundamental para
alavancar a economia brasileira e desenvolver o país. Por isso é auspiciosa a
notícia de que, apesar das turbulências políticas, os investidores estrangeiros
continuam atentos ao Brasil, têm colocado aqui quantidade considerável de
dinheiro e poderão aumentar ainda mais esses recursos se o país tiver a
sabedoria de promover uma agenda de reformas que traga mais dinamismo
econômico.
Em cinco dos últimos seis anos, o Brasil
atraiu mais investimento em construção, compra ou ampliação de empresas que a
Índia, um dos países que mais crescem, segundo dados da Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). Em 2022, foi o quinto no
ranking mundial de Investimentos Estrangeiros Diretos, atrás somente de Estados Unidos,
China, Cingapura e Hong Kong. Um ano
antes, era o sexto. Entre 2015 e 2022, foi o país emergente que mais atraiu
investimento internacional em projetos de energia renovável.
Dados recentes divulgados pelo jornal Valor
Econômico mostram que, no mercado de fusões e aquisições, o interesse dos
estrangeiros também é crescente. Apesar da tendência mundial de queda neste ano
nesse segmento (em torno de 70%), a confiança dos estrangeiros no Brasil só fez
crescer no primeiro ano do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Eles investiram em fusões e aquisições quase US$ 16 bilhões do início de
janeiro ao final de setembro, ou 61% do total. No mesmo período do ano passado,
o montante tinha somado US$ 14 bilhões.
O setor de commodities, em que o país tem
clara vantagem comparativa, desempenhou papel relevante. A Vale vendeu 13% de
sua unidade de metais básicos à Manara Minerals, da Arábia Saudita, e ao fundo
americano Engine No.1, em transação de US$ 3,4 bilhões. Os estrangeiros também
se interessaram por outros setores da economia e participaram de nove das dez
maiores operações. A Visa pagou US$
1 bilhão para ficar com a Pismo, plataforma de serviços bancários com operações
na América Latina, Ásia e Europa. Em sua primeira aquisição no país em 20 anos,
a suíça Nestlé comprou
a Kopenhagen pelo equivalente a US$ 900 milhões. A Biotrop, empresa de
tecnologias biológicas e naturais para o agronegócio, foi adquirida pelo grupo
belga Biobest.
O motivo para investir em empresas brasileiras
pode variar. Há quem deseje participar de uma operação de exportação. Mas a
maioria põe dinheiro aqui de olho no mercado interno. Pelos dados do Fundo
Monetário Internacional (FMI), O Brasil cresceu 5% em 2021 e 2,9% em 2022,
abaixo da média latino-americana. As projeções para este ano (2,1%) e o próximo
(1,2%) são inferiores às estimativas para as economias emergentes e à média
global.
Dá para imaginar o salto que os investimentos
externos dariam se o Congresso adotasse uma agenda voltada ao crescimento. Por
isso não deve haver demora na aprovação das reformas, em especial a tributária,
que colocaria o país noutro patamar de competitividade.
Emprego surpreende, mas ritmo de expansão
deve cair
Valor Econômico
Parece pouco provável que o ano repita o
feito de 2022, quando 2 milhões de vagas formais foram abertas
A resiliência do mercado de trabalho tem
surpreendido desde o início do ano. Inicialmente, os analistas davam como certo
de que a melhoria seria passageira e não resistiria ao avançar dos meses.
Depois se constatou que o reforço dos programas de benefícios, notadamente do
Bolsa Família, poderia estar levando mais pessoas a deixar de procurar emprego,
reduzindo o desemprego por conta da menor taxa de participação. A economia mais
forte do que se esperava também pode ter animado o mercado de trabalho. À
medida que o tempo passa, porém, parece estar havendo uma combinação de todos
esses fatores, com efeito incerto ao longo do tempo.
Os dados mais recentes divulgados confirmam a
manutenção da tendência de melhora do emprego. A Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, referente ao trimestre móvel
terminado em agosto, mostrou uma taxa de desemprego de 7,8%, inferior ao
trimestre móvel anterior, de 7,9%, e ao de igual período em 2022, de 8,9%. A
taxa de 7,8% é a menor para um trimestre encerrado em agosto desde 2014 (7%) e
também a menor para qualquer trimestre da pesquisa desde fevereiro de 2015
(7,5%).
Ao fim de agosto, o país tinha 8,4 milhões de
desempregados, 1,3 milhão a menos do que um ano antes, ou 13,2%. É o menor
contingente de desempregados desde o trimestre encerrado em junho de 2015 (8,5
milhões). A população ocupada, incluindo empregados, empregadores e
funcionários públicos, somava 99,7 milhões de pessoas, mais 641 mil pessoas em
um ano.
Na semana passada, o Ministério do Trabalho e
Emprego divulgou que o Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(Caged) registrou a abertura líquida de 220.844 mil vagas com carteira assinada
em agosto, o melhor saldo desde janeiro. No ano, o número de vagas criadas foi
de 1,3 milhão.
O aumento do emprego vem acompanhado de
aumento da remuneração. A massa salarial real, soma de todos os rendimentos dos
brasileiros ocupados, alcançou o recorde de R$ 288,9 bilhões no trimestre findo
em agosto, maior valor da série histórica da pesquisa, iniciada em 2012. É
resultado da elevação do número de trabalhadores empregados e da expansão do
rendimento médio real, favorecida pelo aumento real do salário mínimo. Já o
rendimento real ficou estável no período, totalizando R$ 2.947, com crescimento
de 4,6% no ano.
Para o IBGE, o contexto econômico favorável
contribui para a redução do desemprego, sem especificar algum fator. De fato, a
economia também vem surpreendendo positivamente desde o salto de 1,9% do
Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre, puxado pelas atividades da
agropecuária, até o crescimento de 0,9% no segundo trimestre.
Por toda parte houve revisão para cima das
projeções para o PIB deste ano. O Ipea é o mais otimista e elevou de 2,3% para
3,3% a previsão de crescimento, número à frente até mesmo dos 3,2% estimados
pelo governo e replicados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). No mercado financeiro, a expectativa ronda os 2,9%, de acordo
com o Boletim Focus. Mais comedido, o Boletim Macro FGV Ibre revisou o percentual
projetado de 1,8% para 2,5%.
Segundo o IBGE, um grupo de atividades
relacionadas aos serviços responde por quase 70% do aumento da ocupação até
agosto, compreendendo informação, comunicação e atividades financeiras,
imobiliárias, profissionais e administrativas; administração pública, defesa,
seguridade social, educação, saúde humana; serviços sociais e domésticos.
Embora a metodologia seja completamente
diferente da do IBGE, que capta a ocupação formal e a informal, os dados do
Novo Caged, que se referem ao trabalho com carteira assinada, também confirmam
o setor de serviços como principal gerador de emprego, com 777.130 postos
criados de janeiro a agosto. O segmento se beneficia do crescimento de outros
setores, como o agropecuário, que estimula indiretamente a abertura de vagas em
segmentos como transportes e seguros. A agropecuária propriamente dita é a que
menos vagas com carteira assinada gerou neste ano até agosto, 105,4 mil,
segundo o Caged.
O aumento das contratações pela administração
pública, especialmente nas áreas de saúde e educação, também ampliou os
números. Essas contratações não são necessariamente formais, muitas têm caráter
temporário, dependem de fatores como arrecadação e iniciativas políticas, e
carecem de sustentação a médio prazo.
A melhoria do mercado de trabalho, inegável nos últimos meses, parece ter um progresso duvidoso à frente. Espera-se que tenha ficado para trás o sombrio primeiro trimestre de 2021, quando o desemprego beirou os 15%. Os próximos meses podem ser favorecidos pelas contratações sazonais de fim de ano. Mas parece pouco provável que o ano repita o feito de 2022, quando 2 milhões de vagas formais foram abertas. Para chegar lá seria necessário abrir 700 mil vagas em três meses, ritmo muito superior ao atual.
Hamas terrorista
Folha de S. Paulo
Massacrar civis foi o objetivo da invasão à
Israel; geopolítica fica mais instável
O Hamas,
agremiação islâmica que dá as cartas na Faixa de Gaza,
cruzou de vez a fronteira rumo ao terrorismo sanguinário.
Não havia objetivo militar nenhum na invasão de
território sob controle de Israel neste
sábado (6). Os bandos armados sabiam que não teriam condições de sustentar
posições do outro lado da cerca.
A única intenção foi a de, beneficiando-se da
surpresa propiciada pelo completo fracasso da inteligência
israelense, massacrar e sequestrar civis indefesos.
Jovens que se divertiam num festival foram
impiedosamente alvejados, o que deixou ao menos 260 mortos. Outros acabaram
arrastados à força para cativeiros mantidos pelos terroristas.
Assassinar quem encontrassem pelo caminho e
abduzir não combatentes, sem poupar mulheres nem crianças, também norteou as
incursões dos jihadistas em outras localidades do sul de Israel. Mais de cem
corpos foram encontrados numa comunidade invadida pelos celerados homicidas.
Agora uma brigada do Hamas ameaça matar
reféns, seguindo a cartilha da bestialidade terrorista.
Condenar a carnificina patrocinada pelo grupo
islâmico é o mínimo que as nações responsáveis deveriam fazer. Alertar Israel
para que utilize com proporcionalidade e foco o seu enorme poderio bélico no
revide também.
Outra recomendação de bom senso seria os dois
lados reencontrarem rapidamente o caminho da
diplomacia. Isso exigiria que as lideranças moderadas palestinas
retomassem o controle político no campo dos árabes e que fosse revertida a
deriva do governo de Israel para a direita religiosa.
Esse encaminhamento ideal, é forçoso convir
numa abordagem realista, tornou-se bem menos provável após os atrozes
acontecimentos do fim de semana.
A estocada terrorista do Hamas, que deixará
traumas duradouros na sociedade e na política de Israel, deve desencadear uma
nova espiral de violência no Oriente Médio.
Nesse ambiente o terreno se torna propício ao avanço de correntes radicais de
lado a lado.
Desenhava-se, sob a coordenação dos Estados
Unidos, uma aproximação
entre o Estado judaico e a ditadura saudita que poderia
redundar num histórico reconhecimento de Israel pelo reino árabe.
Esse movimento fica agora em suspenso, como
de resto congelam-se todas as demais expectativas sobre iniciativas que
pudessem levar mais estabilidade àquela região conflagrada do planeta.
Pelo contrário, os ventos ora sopram na
direção da incerteza. À desafiadora agressão russa na Ucrânia soma-se um
redivivo, sangrento e, pelo visto, prolongado conflito entre israelenses e
palestinos.
Pisos e tetos
Folha de S. Paulo
Governo improvisa após trapalhada na saúde;
perdeu-se chance de rediscutir gasto
Inexiste boa saída para o imbróglio em que o
governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se meteu com as despesas públicas em
saúde.
O problema foi criado pela própria
administração petista, com ajuda impensada do Congresso, quando se decidiu,
além de acabar com o teto para os gastos federais, restabelecer as regras
constitucionais que impõem pisos para os aportes em educação e saúde fixados
como percentuais da receita.
Tudo isso já virou lei, mas o governo se
esqueceu de colocar no papel que só pretendia seguir as normas a partir do
próximo ano. Agora, a menos de três meses para o final deste 2023, tenta
escapar da obrigação de destinar ao SUS perto de R$ 20 bilhões acima do que
está previsto no Orçamento.
Até aqui, Lula e sua equipe econômica já
arcam com o desgaste de terem cometido uma trapalhada e de estarem tentando
cortar verbas para uma área social prioritária. Esses seriam os menores males.
Na tentativa de remediar a situação,
conseguiu-se que o Congresso aprovasse proposta que
pode reduzir para R$ 4,8 bilhões o valor extra a ser pago neste ano —o
texto estabelece que será usada uma expectativa menor de receita para o cálculo
do montante.
O arranjo é precário, pois se trata de um
projeto de lei que busca remendar a aplicação de um ditame inscrito na
Constituição e, portanto, hierarquicamente superior. Mesmo assim, o Executivo
seria obrigado a promover às pressas um remanejamento difícil de recursos para
cumprir a norma.
Por isso, o governo trabalha com
alternativa não menos tortuosa: uma consulta ao Tribunal de Contas
da União (TCU) a respeito da possibilidade de gastar não mais que os cerca de R$
170 bilhões autorizados na lei orçamentária.
Entre um improviso e outro, o fato é que se
perdeu oportunidade preciosa de rediscutir as
regras constitucionais de gastos em saúde e educação, também
aplicadas a estados e municípios.
Os percentuais fixos da receita vão perdendo
sentido à medida que mudam as necessidades e as prioridades da gestão pública.
Nos próximos anos, o envelhecimento da população deve exigir mais recursos para
o SUS, enquanto o oposto se dá no ensino.
O governo não deveria trabalhar com tetos nem pisos imutáveis para despesas. Os segundos engessam o Orçamento e desincentivam avanços gerenciais que permitam serviços melhores a custos menores.
Terrorismo não tem outro nome
O Estado de S. Paulo
Manda a decência que o Brasil se alinhe aos
países civilizados no repúdio ao ataque do Hamas a civis, e foi o que Lula fez,
reafirmando diretriz de uma política externa avessa ao terror
O presidente Lula da Silva felizmente poupou
a inteligência alheia ao chamar de terrorismo o que terrorismo é. Diante do
assassinato indiscriminado de centenas de civis inocentes em Israel no
intervalo de poucas horas, numa covardia que encontra poucos paralelos na
história, não restou alternativa a Lula senão se dizer “chocado com os ataques
terroristas realizados contra civis em Israel, que causaram numerosas vítimas”
e ao repudiar “o terrorismo em todas as suas formas”.
Lula deve ter feito um esforço considerável
para publicar essa mensagem nas redes sociais. Não poucos petistas certamente
esperavam que seu grande líder divulgasse um comunicado mais ambíguo, cuja
leitura resultasse na conclusão de que as vítimas, no caso os israelenses, são
responsáveis por seu infortúnio em razão do comportamento pregresso de Israel
em relação aos palestinos. Para o chanceler informal de Lula, Celso Amorim, por
exemplo, o ataque “vem depois de anos e anos de tratamento discriminatório” por
parte de Israel. “O que acabou de acontecer é apenas uma demonstração, grave,
com consequências, do que acontece pela perda da esperança na paz”, acrescentou
Amorim.
Essa linha de raciocínio é propositalmente
enganadora, pois considera que havia alguma “esperança de paz” com o Hamas, o
grupo terrorista responsável pelo ataque a Israel. O Hamas não quer nem nunca
quis a paz, em primeiro lugar porque a destruição de Israel está em seu
estatuto fundador, e em segundo lugar, mas não menos importante, é uma
organização satélite do Irã, que igualmente deseja a destruição de Israel. Sem
levar em conta essa circunstância nada desprezível, atribuir exclusivamente a
Israel a extrema violência de quem pretende aniquilá-lo é, no mínimo, cínico.
Felizmente, o único favor que Lula fez aos
cínicos foi omitir o nome do Hamas em seu comunicado. Podia ser pior,
considerando-se que o PT, partido do presidente, em nota oficial, conseguiu a
proeza não só de omitir o nome do Hamas, mas de ignorar que havia claramente um
agressor e um agredido. “O Partido dos Trabalhadores expressa sua preocupação
com a recente escalada de violência envolvendo palestinos e israelenses, com
diversas vítimas civis, incluindo crianças e idosos”, diz a mensagem, que não
faz nenhuma mísera concessão à verdade dos fatos.
Manda a decência que o Brasil se alinhe aos
países civilizados no repúdio veemente e sem meias palavras ao ataque
deliberado do Hamas contra civis inocentes, e foi o que Lula fez, reafirmando a
diretriz de uma política externa avessa ao terror e historicamente defensora da
solução pacífica para o conflito entre Israel e Palestina.
O Brasil preside, neste mês, o Conselho de
Segurança da ONU, lembrou Lula, ao comprometer-se a não poupar “esforços para
evitar a escalada do conflito”. Embora seu poder de influência no conflito
entre Israel e Palestina seja limitado, o Brasil mantém-se rigorosamente como
defensor da adoção dos termos dos Acordos de Oslo, selados há 30 anos por
israelenses e palestinos. Apesar da negligência de ambos os lados e da omissão
da comunidade internacional, a construção de um Estado soberano palestino com
fronteiras definidas, previsto pelo pacto, tem sido a tônica da política
externa brasileira sobre segurança no Oriente Médio.
O pêndulo das duas gestões anteriores de Lula
na Presidência pendeu para a causa palestina em razão dos desvios de Israel ao
acerto de Oslo e das suas consequências inevitáveis – o domínio tirânico do
Hamas sobre a população da Faixa de Gaza, com apoio e financiamento do Irã, e o
recrudescimento de sua violência contra os israelenses. Vergou igualmente sob a
pressão da militância petista e de uma ala ideológica da diplomacia, ainda
presas aos dogmas da guerra fria. No entanto, verdade seja dita, o Brasil dos
anos 2000 jamais deixou de preservar sua relação de amizade e de cooperação com
Israel.
A condenação de Lula ao terrorismo palestino
contra Israel indica a prevalência da maturidade e do bom senso. Não pode haver
tergiversação nem cálculo político diante do terror.
O labirinto da América Latina
O Estado de S. Paulo
Conjuntura oferece oportunidades, mas sem a
qualificação da governança pública e da produtividade privada, instabilidade
política e estagnação econômica seguirão reforçando uma à outra
A teoria econômica sugere que países pobres
tendem a convergir aos níveis de renda dos ricos. Há décadas isso acontece no
leste da Ásia, mas não na América Latina. Por que não? E como romper essa
estagnação? Foram questões enfrentadas numa análise do G30, um instituto
global, com sede em Washington, formado por lideranças econômicas de setores
públicos, privados e da academia.
Desde os anos 70, países com renda per capita
similar à dos latino-americanos cresceram o dobro. A escolaridade cresceu em
ambos os grupos, mas a América Latina teve taxas bem menores de investimento e
produtividade. A principal explicação é a má alocação de recursos. Primeiro,
entre empresas de um mesmo setor. Políticas mal desenhadas – que restringem
excessivamente contratações e demissões; incentivam empresas a se manterem
pequenas e informais; ou que sobretaxam setores produtivos e subsidiam
improdutivos – canalizam recursos de empresas de alta produtividade às de baixa
produtividade. Depois, há a má alocação entre setores, especialmente entre bens
exportáveis e o resto. Países com exportações diversificadas tendem a crescer
de modo mais rápido e sustentável, entre outras razões pelas habilidades
necessárias para produzir um conjunto complexo de bens. Mas desde os anos 2000
a complexidade na América Latina oscila entre estagnada e declinante – como no
Brasil.
Nesse panorama, há especificidades. O G30
diagnostica quatro “síndromes” de baixo crescimento. Primeiro, há os países com
macroinstabilidade endêmica, como Argentina ou Venezuela, marcados por
hiperinflação, crescimento volátil e dívida insustentável. Segundo, há os com
macroestabilidade, como Chile, Colômbia ou Uruguai, mas cujas falhas de
governos e mercados, bem como os investimentos de baixo retorno, têm levado à
desaceleração. Há o caso peculiar do México, que goza de uma indústria
sofisticada, mas que está estagnado por má alocação na produtividade,
disparidades regionais, narcoviolência e deterioração institucional.
Há, por fim, a síndrome brasileira. O “custo
Brasil” – resultante de protecionismo, subinvestimento em infraestrutura,
educação precária, alta informalidade do trabalho, subsídios a privilegiados,
burocracia paquidérmica e corrupção – é pesado. Mas o problema de fundo é
caracterizado por déficits orçamentários endêmicos, juros altos e pouca
poupança. “O Brasil não crescerá em bases sustentáveis a menos que conserte seu
problema fiscal secular.” Mas, como as reformas tributária ou administrativa
evidenciam, “todas as áreas de ajustes potenciais são ‘possuídas’ por algum
grupo influente”.
Países da América Latina também têm desafios
relativos à sua governança política. “Suas democracias estão mais bem
ranqueadas que as da África, Oriente Médio e Ásia, mas vemos um consistente
retrocesso da democracia e da qualidade das instituições de governo”, nota
Andrés Velasco, um dos pesquisadores. “A confiança entre os cidadãos caiu, bem
como nas instituições”, minando a capacidade do Estado e nutrindo o populismo.
Um caminho alternativo, diz o G30, é
possível, “mas exigirá bons políticos, boa política e sorte”. A conjuntura
global oferece o que se poderia chamar de “sorte”. A descarbonização, combinada
a uma região farta em sol, ventos, minérios e água, e a necessidade das
democracias ricas de realocar fornecedores a países amistosos e próximos,
combinada às oportunidades comerciais oferecidas pelas novas tecnologias, podem
ser o combustível necessário para a revitalização latinoamericana.
Mas mesmo o mais potente combustível é inútil
numa máquina disfuncional. Sem vontade política e cívica capaz de definir e
organizar prioridades, como a reforma dos serviços públicos, a alocação
produtiva ou a diversificação das exportações, o natural é que “a economia e os
resultados distribucionais medíocres continuem a envenenar o poço da
desconfiança mútua, tornando a política mais fragmentada, as eleições mais
polarizadas e a capacidade de fazer escolhas difíceis – do tipo que impõem
custos agora e benefícios à frente – ainda mais reduzida”. •
Falta indústria na balança comercial
O Estado de S. Paulo
Superávit comercial contribuirá para aumento do PIB, mas dados embutem sinal de alerta
Sucessivos desempenhos positivos da balança comercial projetam para 2023 superávit recorde de US$ 93 bilhões, estimativa tanto do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) quanto da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). De janeiro a setembro, o saldo de US$ 71,31 bilhões já é 16% superior ao registrado em todo o ano de 2022.
A expressiva exportação de commodities
agrícolas e minerais fará do resultado do comércio exterior a melhor notícia da
economia neste ano, apesar de os preços de alguns importantes produtos, como
soja e milho, estarem mais baixos do que no ano passado, como mostrou
reportagem do Estadão. O saldo ajudará a empurrar para cima o Produto Interno
Bruto (PIB).
No boletim Visão Geral da Conjuntura de
setembro, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revisou para cima
sua expectativa de alta do PIB, de 2,3% para 3,3%. Além do forte desempenho
agropecuário, que estima crescer em 15,5%, o prognóstico tem grande influência
da alta das exportações, que se situa em 8,5%, e da queda de 0,5% das
importações.
E aí está o ponto de divergência entre
governo e exportadores. Enquanto o vice-presidente Geraldo Alckmin, titular do
MDIC, usou as redes sociais para classificar o superávit comercial como uma
“notícia triplamente positiva” por contribuir para o crescimento econômico, a
inovação e a geração de empregos, José Augusto de Castro, presidente da
associação de comércio exterior, destacou o caráter negativo do resultado por
ser fortemente influenciado pela redução das importações, e não exatamente pelo
aumento da atividade.
Há, de fato, no monitoramento dos dados, um
importante sinal de alerta a ser observado pelo governo. Ainda que o desempenho
extraordinário do agro esteja sendo ditado pela competitividade alcançada pelo
setor, o escoamento da produção no mercado internacional tem sido muito
beneficiado pelos baques sofridos por concorrentes que tiveram colheitas
atingidas por problemas climáticos, como Estados Unidos e Argentina.
O Brasil, que passa, na cultura agrícola,
razoavelmente ileso aos prejuízos da crise climática, deve produzir neste ano
mais de 300 milhões de toneladas de grãos, outro recorde. É essa supersafra que
vem sustentando o bom resultado das vendas, que poderia ser melhor, se os
preços continuassem no mesmo ritmo de 2022. Mas, pelo menos, mantêm-se em nível
superior ao de antes da pandemia.
A questão, também destacada no boletim do
Ipea, é a queda dos investimentos do setor produtivo, destacados pela rubrica
Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). A projeção é que, neste ano, o resultado
seja 2,1% menor do que o pífio avanço de 0,9% de 2022. O pior é que a queda tem
sido constatada especialmente no setor de máquinas e equipamentos, o principal
indicador da atividade industrial. Aí está a essência do problema.
A indústria, que respondia por quase 50% das exportações nos anos 2000, não chega a bater 30% atualmente. A agropecuária tem dado suporte fundamental à economia, mas sem a indústria o PIB brasileiro não conseguirá se firmar.
Transporte público, uma área de risco
Correio Braziliense
Os passageiros queixam-se também dos furtos nos ônibus. Essa outra expressão de violência por falta de segurança nos terminais e dentro dos veículos. Algo corriqueiro em todo país, a exigir das empresas e dos governos providências urgentes
Transporte público quase sempre é um grande
problema para os usuários e para o Estado. Há poucos dias, um cobrador de
ônibus foi morto, com tiro à queima roupa, por latrocidas, simplesmente porque
não ouviu a ordem do marginal para que passasse o dinheiro que estava no caixa.
O crime ocorreu na capital da República, diante de dezenas de passageiros, que
ficaram em pânico e atônitos com a inominável violência. Os criminosos foram
presos, mas a insegurança não cessa aí. Cabe às autoridades responderem à indagação
feita por todos: quais providências serão tomadas para que os usuários tenham
sua integridade preservada?
Os passageiros queixam-se também dos furtos
nos ônibus. Essa outra expressão de violência por falta de segurança nos
terminais e dentro dos veículos. Algo corriqueiro em todo país, a exigir das
empresas e dos governos providências urgentes. Trabalhadores, estudantes,
idosos compõem a maioria dos usuários do transporte coletivo, um segmento da
sociedade com pouca renda.
As mulheres também são vítimas,
cotidianamente, do assédio sexual no transporte público, seja ônibus, seja
metrô ou no transporte por aplicativo. A separação de vagões exclusivos para
mulheres é uma alternativa desrespeitada. E isso ocorre não só pelo elevado
número de usuários, mas, sobretudo, pela falta de educação, respeito e machismo
dos homens, pródigos em desrespeitar as mais básicas regras de civilidade. Por
parte das empresas, falta fiscalização, a fim de conter os abusos no interior
dos ônibus e trens.
As administradoras de aplicativos,
provavelmente, não fazem uma seleção rigorosa do comportamento pregresso dos
motoristas. Ainda que tomem providências contra os agressores de passageiros,
são medidas que chegam com atraso. Os danos aos usuários poderiam ser evitados
se critérios rigorosos de seleção fossem práticas regulares.
O público LGBTQIAP , além de ser suscetível a
diferentes formas de violência, é alvo também da homofobia. As agressões não
são físicas ou patrimoniais. Esse segmento sofre com as agressões verbais e
intimidações. Recentemente, uma série de reportagens do Correio Braziliense
revelou as dificuldades que esse grupo enfrenta dentro do transporte coletivo.
Desrespeitados, eles são vistos como parcela de não humanos por uma sociedade
eivada de preconceitos.
Os deficientes físicos formam outro grupo da
população que enfrenta dificuldades de mobilidade se depender, unicamente, do
transporte público. Em grande parte dos ônibus, faltam sistemas que facilitem o
acesso de cadeirantes, usuários de muletas, entre outros obstáculos.
Na capital da República e na maioria das cidades brasileiras, o transporte coletivo ainda deixa muito a desejar. Longe de padrões de segurança e de respeito aos usuários. Tratam-se de questões antigas e não resolvidas, apesar das críticas e das demandas dos usuários. Empresas e poder público postergam soluções que assegurem qualidade ao serviço prestado à sociedade. Ambos têm obrigação de atender bem e de modo satisfatório os passageiros, garantindo-lhes conforto e segurança. Isso é mínimo o que devem aos usuários.
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