Correio Braziliense
Ao mesmo tempo que prestam solidariedade a
Israel, as chancelarias do Ocidente tentam decifrar as intenções do Hamas com o
ataque brutal que pegou de surpresa os israelenses
Existia um padrão no relacionamento entre o
grupo islâmico Hamas, que controla a Faixa de Gaza, e o Estado de Israel, até o
ataque terrorista de sábado passado, quando milhares de foguetes foram lançados
contra o território israelense, ao mesmo tempo em que os milicianos do Hamas
invadiram por terra, mar e ar, tomando unidades militares, além de sequestrar
mais de uma centena de civis e soldados. Cerca de 300 israelenses morreram e
mais de 1.200 ficaram feridos no ataque surpresa da operação Tempestade
Al-Aqsa, anunciada pelo comandante militar do Hamas, Muhammad Al-Deif.
O padrão consistia em o Hamas atacar Israel sempre que as negociações de paz com a Autoridade Palestina apresentavam alguma possibilidade de progresso, como que a dizer que a Organização pela Libertação da Palestina (OLP), liderada por Mahmoud Zeidan Abbas, se tornou irrelevante. A resposta de Israel era revidar os ataques e endurecer o tratamento dado aos palestinos da Faixa de Gaza, além de suspender as negociações de paz. Isso significava fortalecer a extrema direita israelense, liderada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e enfraquecer Abbas, o presidente da Autoridade Palestina. Era jogo jogado.
Desde sábado, ao mesmo tempo em que prestam
solidariedade a Israel, as chancelarias do Ocidente tentam decifrar as
intenções do Hamas com o ataque inopinado e brutal de sábado. Numa escala sem
precedentes, pegou os israelenses de surpresa, mas, obviamente, teria como
resposta uma arrasadora retaliação, como a que já está acontecendo. Há enorme
disparidade estratégico-militar entre a milícia sunita, curiosamente apoiada
pelos xiitas do Irã, e o Exército regular de Israel, capaz de mobilizar 300 mil
reservistas em 48 horas, equipados com os armamentos mais modernos, inclusive
nuclear.
Resguardadas as proporções, politicamente, o
ataque do Hamas lembra um pouco a ofensiva do Ted (ano novo) Lunar dos
vietcongs, os guerrilheiros comunistas do Vietnã do Norte que lutavam pela
tomada do Vietnã do Sul para unificar o país, o que acabou ocorrendo em 1975.
Naquele 30 de janeiro de 1968, 84 mil soldados do Exército norte-vietnamita
(ENV) e guerrilheiros vietcongues atacaram 45 cidades, entre as quais quatro
capitais de distrito e Saigon.
Até então, o governo dos Estados Unidos dizia
que os vietcongs não tinham a capacidade de atacar as cidades importantes,
operavam apenas nas zonas rurais. Naquela noite, Saigon, a capital do Sul, foi
tomada, e um grupo de 15 guerrilheiros tentou invadir a embaixada americana
local. Só foram expulsos da capital do Vietnã do Sul sete dias depois. O Ted
Lunar, porém, foi um desastre militar para os vietcongs.
Além de perder muito armamento pesado,
inclusive tanques, cerca de 30 mil guerrilheiros e soldados do Vietnã do Norte
foram mortos, enquanto as baixas sul-vietnamitas e americanas somavam 11 mil.
Também morreram 550 mil civis. Dos três objetivos da ofensiva, dois
fracassaram: promover o levante popular e a liquidação do Exército
sul-vietnamita. O terceiro foi alcançado: a desmoralização do Exército
americano perante o movimento pacifista nos EUA e no mundo.
Cenários possíveis
Hoje, os desdobramentos possíveis para a
crise na Faixa de Gaza passam pela liquidação do Hamas por Israel. Há duas
soluções para o conflito: a criação do Estado palestino ou uma diáspora da
população de Gaza comparável à dos próprios judeus. Ao contrário de Israel,
antes de se constituir como Estado-nação no Oriente Médio, uma luta iniciada na
derrocada Império Turco-Otomano, a Palestina já existia durante 800 anos de
dominação turca. Entretanto, os palestinos nunca tiveram um Estado constituído,
embora tenham seus territórios reconhecidos por Israel no Acordo de Oslo, de
1993.
No xadrez da geopolítica do Oriente Médio,
isso nunca interessou ao Ocidente. Assim como não interessa que os curdos, a
maior população apátrida do mundo, tenham um Estado próprio, encravado entre a
Turquia, a Síria, o Iraque e o Irã, que não pretendem conceder independência ao
Curdistão.
Pode ser que a explicação do ataque
terrorista do Hamas esteja em Teerã, que não tem nenhum interesse num acordo
entre Arábia Saudita e Israel, como vem sendo negociado. O envolvimento do
Hezbollah, que o Irã também financia, pode escalar o conflito na fronteira com
o Líbano. Nesse caso, haveria também um projeto do Hamas de tomar a Cisjordânia
da Autoridade Palestina, como fez em Gaza.
A situação atual em Gaza é muito complexa.
Caso tenha êxito em liquidar o Hamas, como anunciou o primeiro-ministro
Benjamin Netanyahu, Israel terá de escolher entre promover o exílio em massa de
palestinos da Faixa de Gaza, privando-os de água, luz, alimentos e assistência
médica, para colonizar definitivamente esse território; ou retomar as
negociações com a OLP de Abbas, para a criação do Estado Palestino, na
Cisjordânia e em Gaza, o que seria uma decisão disruptiva da atual política de
Israel e das potências do Ocidente.
3 comentários:
Enquanto for preciso um muro a separar a Faixa de Gaza e Israel, enquanto o Estado Palestino não tiver fronteiras contínuas não haverá pacificação definitiva.
Israel foi criado e se expandiu abrigando milhões de judeus no seu território instalado onde há décadas só viviam palestinos e árabes. Os palestinos permanecem oprimidos e sem um país e um território. E os EUA e a Europa pouco se interessam pela criação de um Estado Palestino, preferindo apoiar a expansão ilegal de Israel. Como esperar PAZ num contexto assim??
O ser humano não evolui mesmo!
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