terça-feira, 10 de outubro de 2023

Maria Cristina Fernandes - Brasil modera posição para tentar unir Conselho

Valor Econômico

Lula recua de postura histórica pró-Palestina para tentar mover CSNU sob liderança brasileira

O ataque do Hamas contra Israel, sete dias depois de o Brasil assumir a Presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, desafiou a histórica posição pró-Palestina do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A nota divulgada nesta segunda-feira (9) pelo Itamaraty mostrou que o país, que teme a escalada do conflito, optou pela moderação. Condenou o ataque contra civis, fez um apelo pelo desbloqueio do processo de paz e, no limite, reiterou seu compromisso com a coexistência dos Estados de Israel e da Palestina.

Lula conversou duas vezes por videoconferência com seu assessor internacional, o ex-chanceler Celso Amorim. Uma no sábado, depois do ataque do Hamas, quando se discutiram os cenários do conflito, e outra na manhã desta segunda, na presença do ministro da Defesa, José Múcio, e do chanceler, Mauro Vieira, mais centrada na retirada dos brasileiros da região.

Se o Brasil afastou o risco de deslegitimação de sua presidência do CSNU, ainda não foi capaz de conduzir o colegiado a um consenso. Os representantes dos países no conselho estavam reunidos em Adis Abeba quando o conflito eclodiu. Chegaram a Nova York no final da manhã de domingo. A reunião aconteceu às 15h, sem a representante dos Estados Unidos, um dos cinco membros permanentes (China, Rússia, França e Reino Unido são os demais). O encontro terminou sem uma declaração, mas cultivam-se expectativas em relação à reunião mensal sobre Oriente Médio, no dia 24 deste mês, com os chanceleres.

Mais do que o reconhecimento do direito dos dois povos, israelenses e palestinos, terem seu Estado, o que trava o consenso são os meios para viabilizar a coexistência dos dois Estados. O presidente americano, Joe Biden, prometeu “toda ajuda” a Israel. Em favor de um endurecimento pró-Israel, está a campanha presidencial, período em que a comunidade judaica costuma mobilizar contingentes importantes de eleitores.

Já o chanceler russo, Sergei Lavrov, condenou a violência do ataque contra Israel mas disse que os EUA mantinham uma política “destrutiva” em relação à região. Ainda não chegou a fazer eco ao ex-ministro da informação da Autoridade Palestina Mustafa Barghouti, que, em entrevista à CNN, perguntou por que os EUA apoiam a Ucrânia contra a invasão russa e não fazem o mesmo em relação aos territórios palestinos ocupados.

Até a manhã de ontem a expectativa no Itamaraty era em relação à retaliação israelense em Gaza. A intensidade desta retaliação determinaria o comportamento não apenas do Ocidente, que hoje está fechado em bloco em defesa de Israel, como dos países do Oriente Médio. Até o fim do dia, o número de vítimas israelenses ainda era maior que o de palestinos, mas este balanço tende a virar.

Há muita expectativa, ainda, em relação a outras agremiações extremistas, notadamente o Hezbollah, grupo pró-Palestina do Líbano, considerado um paradigma na região por ter liderado a expulsão dos israelenses do país na década passada.

O chanceler libanês, Abdallah Bouhabib, chegou a dizer que havia recebido garantias do Hezbollah de que o grupo não atacaria Israel. Os conflitos na divisa entre Líbano e Israel, porém, se precipitaram no fim da manhã, horário de Brasília. O exército israelense informou ter matado “suspeitos armados” que cruzaram a fronteira entre os dois países e que helicópteros do exército israelense bombardearam a área.

É a quarta vez este ano que há conflitos armados na fronteira entre Israel e Líbano, mas é a primeira vez que resultam em mortes. A iniciativa do primeiro ataque foi de um outro grupo, o Jihad Islâmico, aliado do Hamas. Israel revidou. A escalada desperta o receio de que o Hezbollah, que é financiado pelo Irã e tem tropa superior a do exército libanês, entre no conflito.

O Hezbollah integra a coalizão governista no Líbano. Vale-se de um discurso de legitimação baseado não apenas na expulsão dos israelenses do país, em 2006, mas na capacidade de manter o Líbano livre do radicalismo sunita de grupos como o Al-Qaeda. Mesmo que o Hezbollah mergulhe no conflito com Israel, ainda se dá por improvável que o governo libanês adira.

Há uma força militar das Nações Unidas na fronteira entre os dois países, a Unifil, que reúne 10 mil soldados, de 49 países, e é comandada por um general espanhol, Aroldo Lázaro. Trata-se de uma força dissuasória. Os países que a patrocinam não demonstram interesse de ter seus soldados imiscuídos no conflito. Além disso, Beirute é uma das cidades com mais presença das Nações Unidas. Além das representações diplomáticas, há 24 agências da ONU na capital libanesa.

Ao contrário da Arábia Saudita ou do Qatar, que se aproximaram de Israel nos últimos anos sob patrocínio dos EUA, o Líbano manteve o distanciamento histórico. Ainda que divirjam em relação ao Hamas, todos, mantêm-se solidários à causa palestina. Da mesma maneira que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, por mais criticado que seja por ter propiciado as condições em que o conflito eclodiu, mantém o país unido.