Elaboração do Enem exige filtro mais rigoroso
O Globo
Questões enviesadas sobre agronegócio e erro
de ortografia revelam no mínimo desleixo
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA),
que reúne 374 parlamentares, emitiu nota denunciando duas questões do primeiro
dia do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizado no último
domingo. Na opinião da
bancada ruralista, as perguntas têm “cunho ideológico, sem critério científico
ou acadêmico”, por isso deveriam ser anuladas. Embora a denúncia
possa parecer exagerada, ela deveria provocar uma reflexão sobre como são
elaboradas as provas do Enem. Não há dúvida de que no mínimo houve desleixo,
pois outra questão citava um texto reproduzido com um erro grosseiro de
ortografia.
Desde que foi criado, em 1998, o Enem se tornou foco de todo tipo de controvérsia: vazamento de questões (houve novamente neste ano), gabarito errado, falhas na impressão dos cadernos, citações incorretas e avaliações negligentes de redações. Em 2015, um trecho da pensadora francesa Simone de Beauvoir sobre o feminismo já fora alvo de críticas de conservadores.
O Enem se tornou naquela época obsessão da
direita e virou um dos palcos das guerras culturais. Depois de assumir, em
2019, Jair Bolsonaro anunciou que promoveria uma “análise ideológica” da prova.
Os técnicos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep), que elabora o exame, foram alvo de todo tipo de pressão.
Enquanto Bolsonaro esteve no poder, sumiram as questões sobre o golpe militar
de 1964. Na época, o governo foi — com razão — duramente criticado, sobretudo
pelo PT.
Desta vez, a prova alimenta as teses da
direita sobre manipulação ideológica. A principal queixa da FPA se refere a uma
questão a respeito do agronegócio no Cerrado. O cunho ideológico do enunciado é
evidente. “De um lado, o capital impõe os conhecimentos biotecnológicos, como
mecanismo de universalização de práticas agrícolas e de novas tecnologias, e,
de outro, o modelo capitalista subordina homens e mulheres à lógica do mercado.
Assim, as águas, as sementes, os minerais, as terras (bens comuns) tornam-se
propriedade privada”, diz o autor citado.
A primeira parte do raciocínio ataca novas
tecnologias que elevam a produtividade no campo, aumentam a produção, diminuem
o preço de alimentos e ajudam a combater a fome. A segunda é um devaneio contra
qualquer sociedade capitalista. Para piorar, o enunciado termina mencionando
“chuvas de veneno” e “violência contra a pessoa”. Nenhum dado é apresentado
para sustentar as afirmações.
Defensores da prova se apressam em lembrar
que as questões são feitas para testar a competência dos alunos na
interpretação de textos, mesmo que eles não concordem com a opinião dos
autores. Ora, se é assim, por que então não há questões citando textos do outro
lado do espectro ideológico? Simplesmente destacar a expressão “na visão do
autor” não basta. Opiniões descoladas da realidade, enviesadas ou absurdas
deveriam ser vetadas. Dá para imaginar a gritaria se a prova trouxesse uma
questão contrária às pautas progressistas.
Toda área do conhecimento opõe grupos com
ideias divergentes. Por isso pesquisadores sérios trabalham com base em
evidências, não em visões de mundo preestabelecidas. Os formuladores do Enem
deveriam se concentrar neles. Certamente encontrarão vasto material para testar
habilidades de interpretação dos candidatos, sem ofender a inteligência de
ninguém.
Preservação do Ceitec é exemplo da visão econômica equivocada do PT
O Globo
Em vez de manter fábrica de chips
ultrapassados, Brasil avançaria mais se investisse em pessoas
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva decidiu ressuscitar o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada
(Ceitec), estatal que estava em liquidação desde o governo Jair Bolsonaro.
Depois de desistir de liquidá-la, um decreto de
Lula publicado em edição extra do Diário Oficial da União na segunda-feira a
exclui do Programa Nacional de Desestatização. Um erro, uma vez
que o Ceitec, criado para produzir semicondutores, se revelou caro e inútil.
A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação,
Luciana Santos, disse que “a retomada do Ceitec representa uma oportunidade
importante para impulsionar o setor de semicondutores, aumentando
competitividade e relevância do Brasil no mercado global”. No discurso do
governo, o Ceitec permitirá ao país adquirir conhecimento científico,
tecnológico e produtivo “detido por poucos países do mundo” num setor
impulsionado pelo uso de chips em componentes eletrônicos.
Tal otimismo não encontra respaldo nenhum na
realidade. Criado em 2008, no segundo governo Lula, o Ceitec já sugou R$ 800
milhões dos cofres públicos, apesar dos resultados pífios. Usando tecnologia
ultrapassada, não conseguiu mostrar relevância nem no mercado interno, quanto
mais no externo.
É verdade que a pandemia e a guerra na
Ucrânia impuseram dificuldades às cadeias globais de suprimentos de componentes
eletrônicos, estimulando vários países a investir na produção de semicondutores
para reduzir a dependência externa — o mercado é dominado por Taiwan, Coreia do
Sul e Japão. Mas hoje há até excesso de oferta.
Num setor extremamente competitivo, em que
Estados Unidos e países da Europa têm dificuldade para se firmar, boa vontade
só não basta. A almejada relevância na fabricação de semicondutores — como em
qualquer tecnologia de ponta — demanda investimento em conhecimento, mão de
obra qualificada e integração às várias cadeias globais de suprimento. Em tudo
isso o Brasil patina. Já passou da hora de entender que teríamos muito mais
relevância no universo digital apostando no desenvolvimento de software e num ambiente
de negócios que valorize inovações. Na visão distorcida do governo, porém, o
importante são as fábricas, não as pessoas.
Não há qualquer perspectiva de que a aposta
no Ceitec seja bem-sucedida. O Brasil coleciona histórias de fracassos com
incentivos e reservas de mercado para proteger indústrias tidas como
estratégicas. Conseguiu-se apenas criar empresas ineficientes.
A sobrevida do Ceitec é um exemplo da
obsessão nacional-desenvolvimentista do PT. Está em conformidade com a agenda
obsoleta a que o partido se agarra, insistindo em políticas públicas que deram
errado no passado. Não difere da retomada da indústria naval — projeto que
naufragou em meio a denúncias de corrupção em governos petistas anteriores — e
do incentivo a refinarias de petróleo deficitárias. Insistindo no Ceitec, o
governo abre um novo capítulo nessa história de equívocos.
Cenários para novas quedas de juros são menos
favoráveis
Valor Econômico
Segundo a ata, a incerteza migrou da
possibilidade acerca da consecução da meta de déficit zero em 2024 para a
incerteza sobre o próprio alvo fiscal a ser buscado
A ata da mais recente reunião do Comitê de
Política Monetária (Copom), que reduziu os juros em 0,5 ponto percentual,
aponta que o cenário doméstico para a inflação melhorou, mas não muito,
enquanto que o externo piorou e pode piorar mais. O Banco Central aproveitará o
espaço existente para reduzir em mais um ponto percentual a taxa de juros nas
próximas duas reuniões. O horizonte econômico não permite enxergar além disso,
e, pelas condições de hoje, o ciclo de queda das taxas se encerrará com juros
contracionistas.
Entre uma reunião e outra, o BC mudou a
chave, trocando a análise dos motivos que levaram à surpresa do crescimento no
segundo trimestre por outra, a da reiteração da desaceleração em curso, ainda
que matizada pela evolução do mercado de trabalho, que exibe moderação na
margem, mas exige uma “avaliação cuidadosa”. Ausente do comunicado do Copom, a
ata enfatiza que há uma “composição benigna” na desaceleração da inflação, com
a queda tanto dos preços dos serviços quanto dos núcleos de inflação.
No entanto, as expectativas de inflação
parecem ter piorado entre as duas reuniões do Copom. Havia “reancoragem
parcial” antes e não há mais, embora ambas tenham sido graduadas como fatores
de “preocupação”. A projeção de inflação no horizonte relevante da política
monetária, que inclui 2025, subiu um pouco e está acima da meta. O principal
suspeito, figura constante das últimas atas, é um possível hiato do produto
mais apertado, ou seja, a economia operando perto ou um pouco acima de seu
potencial, que pressiona os preços livres. A estimativa sobre o comportamento
dos preços administrados para o ano que vem aumentou.
A ata coloca especial atenção no mercado de
trabalho, cujo desempenho continua acima das expectativas. Os ganhos salariais
apresentam alguma aceleração, mas não há “evidência de pressões salariais
elevadas nas negociações trabalhistas”. O BC está preocupado com a variação
real dos salários, um indicador do grau de ociosidade da economia e de pressões
diretas sobre a inflação de serviços.
Com piora ainda marginal das estimativas de
inflação, seria necessária, para o BC, “uma atuação firme da autoridade
monetária, bem como o contínuo fortalecimento da credibilidade e da reputação
tanto das instituições como dos arcabouços fiscal e monetário”. A possibilidade
de mudança da meta de ajuste fiscal, porém, vocalizada claramente pelo
presidente Lula, poderá ter dois efeitos negativos vislumbrados pelo Copom - a
elevação dos prêmios de risco, isto é, o adicional de juros cobrado pelos
investidores para adquirirem títulos brasileiros, e o aumento da taxa de juros
de equilíbrio. Segundo a ata, a incerteza migrou da possibilidade acerca da
consecução da meta de déficit zero em 2024 para a incerteza sobre o próprio
alvo fiscal a ser buscado no ano que vem.
O BC considera que a segunda fase da
desinflação será mais lenta e cheia de riscos que a primeira. Há menor
influência da queda de preços no atacado dos bens industriais, encerrados os
efeitos dos gargalos nas cadeias produtivas. Igualmente, com a moderação dos
preços das commodities, sua influência será menor, assim como a da baixa dos
preços domésticos dos alimentos. Já os riscos de alta cresceram. Como o cenário
externo se tornou adverso, não só “incerto”, como na ata anterior, cresce a
chance de apreciação cambial e de aumento de commodities como o petróleo. “A
volatilidade inerente aos componentes ligados a alimentos e bens industriais
sugere a possibilidade de reversões abruptas, recomendando cautela”, registra a
ata.
As indicações do Copom sobre a conjuntura
externa ganharam expressão mais explícita no discurso do presidente do BC,
Roberto Campos Neto, ontem, em evento do Bradesco. Ele previu um
“estrangulamento da liquidez global” que poderá afetar com força os países
emergentes, ao atingir dívidas maiores, a custos mais elevado, dos países
desenvolvidos. Os gatilhos para isso seriam a manutenção de taxas de juros
altas por tempo prolongado e o aperto do crédito dela decorrente. Os efeitos:
queda da renda e do consumo.
A esses fatores deflacionários se
contraporiam outros em sentido oposto. Segundo Campos Neto, a transição
energética aumentará os custos de produção, da mesma forma que o deslocamento
das cadeias produtivas para países politicamente confiáveis (nearshoring) e
riscos crescentes de alta do petróleo com a possibilidade de expansão do
conflito entre Israel e Hamas a outros países do Oriente Médio. O mercado de
trabalho aquecido nos países desenvolvidos não possibilitará por um bom tempo
pressão inflacionária menor. Os desastres climáticos, que se avolumam, ampliam
a volatilidade dos preços dos alimentos, nefasta para a estabilidade dos
preços.
O BC não indicou que a materialização dos
riscos negativos poderá interromper o ciclo de queda dos juros, alterar seu
ritmo ou encerrá-lo com taxa maior do que a prevista. As chances de qualquer
uma delas acontecer, porém, parecem ter crescido.
Um mês depois
Folha de S. Paulo
Retaliação de Israel ao terror do Hamas
avança com incerteza sobre futuro de Gaza
A longa história de conflitos em torno de
Israel, nascido em 1948 já entre as chamas da guerra, ganhou um capítulo novo
em 7 de outubro, quando o grupo terrorista palestino Hamas executou um
audacioso ataque contra o Estado judeu.
A barbaridade perpetrada ensejou uma
necessária retaliação, mas, um mês depois, a ação militar israelense levanta
mais dúvidas do que certezas acerca do futuro da Faixa de Gaza e, de forma
ampla, das chances de estabilidade na mais volátil região do mundo.
Com mais de
10 mil civis mortos, em contas do Hamas aceitas em geral pela ONU, a
ação militar contínua em Gaza evidentemente tem maior espaço no noticiário do
que o ataque que ensejou seu estopim —o que impõe aos israelenses o desafio de
manter apoios na opinião pública internacional.
Trata-se de um jogo intrincado. Israel
precisa derrotar o Hamas, mas admite que mortes de civis são parte da equação.
Os terroristas, por sua vez, trabalham imiscuídos na infraestrutura urbana de
Gaza, como hospitais.
Até aqui, o Hamas agiu de forma previsível,
transferindo a responsabilidade pelo próximo lance a Israel. O premiê Binyamin
Netanyahu faz o que sabe, e o torniquete militar a se fechar sobre Gaza é algo
inaudito na história local.
Os EUA correm para que o aliado não seja
totalmente alienado pela violência de sua reação, sem muito sucesso até aqui.
Washington, contudo, está sendo essencial para evitar o alastramento do
conflito.
O fez sacando suas armas, no caso
porta-aviões e até um poderoso submarino de propulsão nuclear,
visando dissuadir o Irã de escalar a situação. Deu certo por ora: os prepostos
de Teerã, Hezbollah libanês à frente, incrementaram sua troca de fogo com
Israel, mas nada que sugira uma ação total.
O problema, porém, se chama Gaza. Tel Aviv
não parece ter um plano sobre o que fazer se lograr o desmantelamento ao menos
da força militar principal do Hamas.
Netanyahu falou em controle por tempo indefinido da segurança na área, isso
depois de seu ministro da
Defesa ter negado intenção de gerir a vida
local. É uma conta que não fecha, ainda que os israelenses insistam em que não
querem voltar à ocupação total que exerceram de 1967 a 2005 em Gaza.
Soluções com a corrupta e impopular, ainda
que legítima, Autoridade Nacional Palestina parecem fora do esquadro, e a
ineficácia usual da ONU desencoraja a ideia de forças internacionais na região.
Com tanta incerteza, mesmo que Israel pareça
próximo de uma vitória inicial em sua operação na região norte da Faixa de
Gaza, segue elevado o risco de as centelhas oriundas de ruínas incendiarem o
restante do Oriente Médio.
Alternância aviltada
Folha de S. Paulo
Mandato ilimitado na chefia da Câmara de SP
põe casuísmo sobre interesse público
Assim como eleições livres e o Estado de
Direto, a alternância de poder na esfera pública é princípio basilar da
democracia. O propósito é evitar a concentração prolongada da autoridade de
determinado indivíduo ou grupo e assegurar a possibilidade de diferentes
perspectivas de governança.
Em que pesem discordâncias, a reeleição é um
instrumento legítimo para permitir que líderes bem-sucedidos deem continuidade
a suas realizações —desde que, por óbvio, esse período seja previamente
determinado, como acertadamente ocorre na presidência das duas Casas do
Congresso e, em todos os níveis, no Executivo.
Soa esdrúxula, portanto, a recente aprovação
pela Câmara Municipal de São Paulo de lei que permite
reeleições ilimitadas ao presidente da Casa e da Mesa Diretora.
O texto original da Lei Orgânica previa que
essas lideranças poderiam ser escolhidas pelos seus pares por um ano e
reeleitas para a mesma função apenas mais uma vez.
O novo arranjo foi proposto pelo atual chefe
do Legislativo, vereador Milton Leite (União Brasil), que agora poderá disputar
a presidência pela quarta vez no pleito marcado para 15 de dezembro.
No ano passado, a regra já havia sido
convenientemente modificada por iniciativa do próprio Leite, quando
permitiram-se duas reeleições. "Reitero: é a última mesmo", disse à
época. Logo, além do período 2021-23, o edil da zona sul já soma cinco anos na
função (também a exerceu no biênio 2017-18).
A presidência do Parlamento paulistano —cujo
orçamento neste ano é de quase R$ 1 bilhão— garante a seu ocupante conduzir a
pauta de projetos e convocar sessões.
Influente nas últimas gestões e já no sétimo
mandato consecutivo, Leite quer manter o protagonismo também nas eleições de
2024. É cotado à vaga de vice do prefeito Ricardo Nunes (MDB), aliado de
primeira hora que tenta se reeleger. Outra frente é o processo de privatização
da Sabesp, para o qual o aval da cidade é determinante.
Apesar de no mínimo controversa, a emenda foi
aprovada com folga de 45 votos a 6 —apenas o PSOL foi contra. A bancada do PT,
em tese de oposição a Nunes, mas que conta com uma das secretarias da
Mesa, foi unânime
em referendá-la.
A menos de um ano do fim dos mandatos, os vereadores deveriam observar os interesses da cidade acima de conveniências político-partidárias; até porque boa parte deles buscará a própria reeleição.
Para bom entendedor
O Estado de S. Paulo
Ceticismo mencionado pela ata do Comitê de
Política Monetária do BC em relação à meta fiscal não surgiu por geração
espontânea. Foi plantado e regado pelo presidente da República
A ata da última reunião do Comitê de Política
Monetária (Copom) do Banco Central (BC) mostrou que o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, não é o único a pregar a importância de perseguir a meta
fiscal. No documento, o BC subiu o tom ao ressaltar que o esmorecimento do
esforço por reformas e da disciplina fiscal, o aumento do crédito direcionado e
as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar
a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da
política monetária e o custo da desinflação.
Indicadores econômicos mais recentes
mostraram uma desaceleração da atividade compatível com o esperado pelo Copom.
A inflação, eterna fonte de preocupação do BC, tem apresentado um comportamento
mais benigno que já alcança os serviços e os núcleos. O desemprego está em um
nível historicamente baixo, mas, segundo a autoridade monetária, não tem havido
pressão salarial elevada nas negociações trabalhistas.
O problema, como sempre, é a política fiscal,
e desta vez a ata não aliviou. Em documentos anteriores, o Copom avaliava que
as dúvidas diziam respeito ao desenho final do arcabouço; uma vez que o
dispositivo foi aprovado, elas passaram a incidir sobre a execução das medidas
de receitas e despesas compatíveis com o atingimento das metas. “No período
mais recente”, no entanto, “cresceu a incerteza em torno da própria meta
estabelecida para o resultado fiscal, o que levou a um aumento do prêmio de
risco.”
O ceticismo mencionado pela ata obviamente
não surgiu por geração espontânea. Foi plantado e regado pelo presidente da
República, Lula da Silva, que resolveu ser sincero e dizer que a meta de
déficit zero, prometida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não estava
valendo mais. Desde então, o presidente tem trabalhado com afinco para
desmoralizar toda a articulação política que a aprovação do arcabouço pelo
Congresso demandou do governo.
A construção de uma maioria para a aprovação
do arcabouço não se deu apenas pelo convencimento de parlamentares sobre a
relevância de uma âncora fiscal. Custou cargos na Esplanada dos Ministérios
para acomodar integrantes do Centrão e recursos bilionários para o pagamento de
emendas. Tais acordos foram essenciais para a melhoria das expectativas dos
agentes sobre a economia e deram segurança para o BC iniciar uma trajetória de
corte da taxa básica de juros – como, aliás, desejava o próprio Lula.
Ainda que o BC tenha sinalizado a intenção de
promover mais dois cortes de 0,5 ponto porcentual nas reuniões marcadas para
dezembro e janeiro, o documento consolidou a percepção dos analistas sobre uma
taxa terminal mais alta do que o esperado ao fim do ciclo. Apostas de que os
juros poderiam chegar a um patamar inferior a 9% ao ano foram descartadas, e
alguns analistas já ajustaram suas projeções para uma Selic acima dos 10%.
É uma reação natural e previsível, sobretudo
quando as expectativas de inflação seguem desancoradas, como ressaltou o BC.
Trazer a inflação à meta não será possível enquanto a política monetária e a
política fiscal não remarem na mesma direção.
De nada adianta que Haddad reafirme a
disposição em perseguir o déficit zero ou que o líder do governo no Congresso,
Randolfe Rodrigues (Rede-AP), assegure que o Executivo não enviará ao
Legislativo uma mensagem para modificar a meta. Foi o próprio presidente da
República quem desqualificou o compromisso fiscal de maneira pública, notória e
reiterada.
Ao menosprezar a importância de o País buscar
o déficit zero no ano que vem, Lula criou tal ambiente de descrédito quanto à
meta que já não é mais necessário mudá-la oficialmente para desconsiderá-la. E
é incompreensível que um presidente em seu terceiro mandato ainda não tenha
entendido o seu papel.
Até que isso ocorra, se é que algum dia
ocorrerá, resta ao BC repetir sua mensagem ad aeternum: “Tendo em conta a
importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das
expectativas de inflação e, consequentemente, para a condução da política
monetária, o Comitê reafirma a importância da firme persecução dessas metas”.
A educação como cabresto
O Estado de S. Paulo
Prova do Enem é sintoma de aparelhamento da
educação, à mercê da ideologia do governante de plantão. Em vez de testar
aprendizado, mede obediência do aluno à doutrinação
No governo Bolsonaro, as provas do Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem) ignoravam a existência da ditadura militar no
Brasil. A ausência de liberdade e de democracia naquele regime, louvado pelos
bolsonaristas, era tema proibido, assim como a tortura e a perseguição
política. Agora, no governo Lula, a prova do Enem voltou a falar da ditadura,
mas, por sua vez, aproveitou para difamar o agronegócio, com questões que
violentam os fatos e o bom senso.
É simplesmente revoltante. Não deveria ser
tão difícil fazer uma prova séria, que não submeta o estudante a questões
claramente enviesadas. Não deveria ser tão difícil entender que o aluno não
deve ser adestrado, e sim educado, o que exige respeito com o pluralismo de
ideias e de perspectivas.
Nos confusos tempos atuais, em que abundam a
desinformação, a ignorância e a superficialidade, sempre haverá questões que
suscitam indignação em alguns grupos sociais. Isso faz parte do jogo. Educação
não é mera apreensão de regras aritméticas ou gramaticais. Mas o que se tem
visto no Brasil está em outro patamar. Observa-se um perigoso aparelhamento do
sistema educativo para fins político-ideológicos, em descarado desprezo pelo
aprendizado do estudante e pelo futuro do País.
Mais do que avaliarem o efetivo conhecimento
dos alunos, as provas do Enem têm servido de preocupante diagnóstico sobre quem
faz a educação nacional. As questões não suscitam, nem muito menos premiam, a
capacidade reflexiva. Impõem ao aluno uma interpretação dirigida. Não se avalia
a capacidade de compreensão de texto, tampouco o conhecimento sobre determinada
matéria. Mede-se a habilidade do estudante em intuir a opção ideológica de quem
elaborou a prova.
O profundo equívoco da prova do Enem ilustra
alguns aspectos importantes da educação nacional.
Em primeiro lugar, esse equívoco não é
causado por uma suposta escassez de recursos econômicos. Não é mais barato para
os cofres públicos fazer uma prova ruim, enviesada ideologicamente e pouco apta
a medir o real conhecimento de cada aluno. Custa o mesmo valor. O problema,
portanto, não é dinheiro. Há uma opção deliberada pela ideologização. Há quem
ache que educar inclui incutir nos alunos determinada orientação política.
Ainda que evidente, essa ideologização da
prova do Enem não é admitida oficialmente. Ela vem escondida por uma pretensa
sofisticação do conteúdo e da forma do exame, reflexo de um suposto olhar
crítico sobre a realidade. A linguagem da prova não é simples nem direta. O
estudante não é tratado com honestidade. Tudo tem um tom – um tanto ridículo –
de rebuscamento, de complexidade, de problematização.
Surgem, de novo, as indagações. O que se
deseja avaliar com uma prova dessas? Que tipo de aprendizado o ensino médio
deve oferecer para que o estudante seja aprovado nesse tipo de exame? É essa a
educação que o Brasil precisa?
Urge, com realismo, dar um passo atrás. Não é
questão de retroceder, e sim de ir aos fundamentos, às bases. Não há a mínima
possibilidade de uma educação de qualidade, efetivamente acessível a todas as
crianças e adolescentes brasileiros, com um exame do ensino médio nesses
moldes. Educar é outra coisa, tem outra amplitude.
A prova do Enem não pode ser convertida em
uma plataforma partidária e ideológica de saberes. Não é uma disputa de poder,
definida pelo resultado das eleições, como infelizmente vem ocorrendo. Os
alunos têm sido tratados como massa de manobra do governo, seja de esquerda ou
de direita.
O conteúdo da educação no País não é uma
disputa político-partidária. Tal perversão fere a natureza do Estado
Democrático de Direito, que deve respeitar e fomentar a pluralidade de ideias
presentes numa sociedade. Mais: ela agride indelevelmente o presente e o futuro
de cada criança, de cada adolescente. O estudante não é um objeto a ser
manipulado ou coagido, mas uma pessoa, chamada a se desenvolver e a desenvolver
sua autonomia por meio de uma educação de qualidade. Que a política não destrua
nossos jovens é condição inegociável de dignidade e de cidadania.
Fábrica de endividados
O Estado de S. Paulo
Renegociação de débito de R$ 54 bilhões
comprova disparate do atual modelo do Fies
O governo Lula da Silva iniciou a
renegociação, em condições de pai para filho, da dívida de R$ 54 bilhões
acumulada por mais de 1,2 milhão de universitários com o Fundo de Financiamento
Estudantil (Fies). À custa do contribuinte, entretanto, a nova rodada de
anistia dá sobrevida a uma política pública perdulária e ineficaz de fomento ao
mais do que necessário acesso de estudantes de baixa renda ao ensino superior.
Nessa fábrica de endividados, os maiores beneficiários continuam a ser grupos
empresariais do setor de educação – nem sempre comprometidos em oferecer
formação de qualidade.
O processo de renegociação, nomeado Renova
Educação, prevê abatimentos de até 99% do valor do débito consolidado até o fim
de julho e de 100% dos juros e multas acumulados. Não poderia ser mais generoso
nem mais estimulante à inadimplência de atuais e futuros estudantes com o Fies.
A última anistia, em condições semelhantes, havia sido aberta durante o período
eleitoral do ano passado. Envolvia o mesmo universo da atual edição, todos com
contratos firmados até 2017. Entretanto, frustrou as expectativas do Ministério
da Educação ao abarcar cerca de 15% do 1,2 milhão de inadimplentes, a um custo
para a União de R$ 5,1 bilhões em descontos.
Não há indicação de melhores resultados desta
vez. Certo é que o modelo do Fies, por si magnânimo nas condições de
financiamento, exige profunda revisão para eliminar vícios e distorções e para
proporcionar aos estudantes de baixa renda qualificação na disputa no mercado
de trabalho – condição essencial para honrarem suas dívidas. Em julho passado,
o ministro da Educação, Camilo Santana, prometeu a reformulação do programa, de
forma a resgatar seu caráter social. Preferiu, porém, lançar antes a renegociação
financeira.
Falta clareza neste momento sobre a
disposição do Ministério da Educação de tocar nos aspectos mais questionáveis
do Fies. Entre eles, o de ter se tornado essencialmente um mecanismo de
transferência direta de receita da União para a indústria privada da educação.
Nos seus mais de 20 anos, o Fies tem contribuído, por meio de mensalidades
pagas parcial ou integralmente pelo governo federal, para a oferta de centenas
de cursos de graduação particulares, deixando em segundo plano a qualidade.
Tampouco há sinais de que a pasta possa orientar esse financiamento da União a
fundo perdido às áreas de maior demanda da sociedade e da economia, em vez de
sobrecarregar o mercado de trabalho em áreas já saturadas.
O acúmulo de inadimplentes e as sucessivas e inócuas campanhas de renegociação dos débitos comprovam o disparate do atual modelo do Fies. O debate sobre sua renovação deve, a rigor, começar do zero. Há de ser norteado pela seriedade na alocação dos tributos coletados em uma política verdadeiramente capaz de garantir à população pobre o direito de acesso a faculdades de qualidade, e não por meio de um programa que concede crédito sem exigir avalista dos financiados e sem fiscalização do desempenho dos alunos – e não é preciso ser bom de matemática para perceber que isso dá em calote e resultados educacionais medíocres.
Brasil precisa se preparar para as mudanças
climáticas
Correio Braziliense
Não há mais como negar que vamos conviver com
eventos climáticos extremos, e é urgente que, para mitigar perdas e impactos
sobre a população, se busquem formas de reduzir os efeitos
O Brasil está diante de uma janela de
oportunidades de negócios e investimentos para a descarbonização da economia
diante das ameaças climáticas. Usinas eólicas offshore e fábricas de hidrogênio
verde estão na pauta do dia das energias renováveis para substituir os
combustíveis fósseis. Mas se pode se beneficiar desses investimentos, o país
também precisa se preparar para as consequências das mudanças climáticas, que
dão sinais claros dos estragos que podem provocar. Seca extrema no Amazonas e
chuvas torrenciais no Sul e no Sudeste chamaram a atenção por volumes nunca
registrados e pelo potencial de perdas econômicas que podem provocar.
A Grande São Paulo tem 500 mil casas e
comércios que ficaram sem energia elétrica por mais de três dias por chuvas com
fortes ventos que ocorreram na última sexta-feira, gerando prejuízos. No Paraná
e no Rio Grande do Sul, as lavouras de trigo, arroz e cevada foram afetadas,
com perdas ainda sendo calculadas. A seca na Amazônia fez desaparecer rios,
principais vias de transporte da região, gerando risco de desabastecimento de
itens eletroeletrônicos e perda nas linhas de produção da Zona Franca de Manaus.
Por causa de mudanças no regime de chuvas, o Brasil se viu, há pouco tempo, à
beira de um racionamento de energia elétrica.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
anunciou, recentemente, o novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), com
previsão de investimentos da ordem de R$ 1,7 trilhão. É preciso que, no
desenvolvimento desses projetos, se incorporem os riscos climáticos, para que
se possa minimizar os impactos sobre a infraestrutura que está sendo
construída. As medidas para dotar nossa infraestrutura das condições
necessárias para enfrentar situações mais extremas do que houve até hoje são
urgentes, sob pena de os prejuízos se avolumarem e demandarem cada vez mais os
já escassos recursos públicos.
O Ministério dos Transportes elaborou um
levantamento sobre as condições da infraestrutura viária do país e a
vulnerabilidade da mesma em relação a eventos como transbordamento de rios,
deslizamento de encostas, ventos acima de 100km/h e grandes volumes de chuva
concentrados em uma região em curto espaço de tempo. O levantamento aponta os
pontos ou os trechos mais vulneráveis e as ações necessárias para que os mesmos
adquiram resiliência em relação às intempéries.
Com o estrago feito pelas chuvas em São
Paulo, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) acendeu o alerta para a
necessidade de discutir com as distribuidoras de energia elétrica medidas para
atenuar os efeitos das mudanças climáticas. O mesmo deve ocorrer com o setor de
telecomunicações, que compartilha com a rede de energia sua infraestrutura de
conexão. A queda de um poste interrompe a energia e também as telecomunicações.
A principal solução para evitar esse tipo de risco é enterrar as redes, mas, em
função do alto custo, ela se torna inviável para a infraestrutura existente.
Razoável que, para novas instalações, seja exigido que se faça a rede de forma
subterrânea.
Não há mais como negar que vamos conviver cada vez mais com eventos climáticos extremos, e é urgente que, para mitigar perdas e impactos sobre a população, se busquem formas de reduzir os efeitos. Nas grandes cidades, é preciso que as prefeituras e os órgãos responsáveis façam permanentemente a poda e o controle de árvores, sobretudo as de grande porte, e a limpeza de bueiros e estruturas de contenção de águas pluviais para evitar inundações que sempre têm grande impacto sobre a população, como se viu no Sul do país. É preciso agir antes que as mudanças se tornem mais frequentes e severas.
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