Valor Econômico
É essencial ter uma visão estratégica da
preservação dos ativos naturais, inclusive para proteger nossa maior vantagem
comparativa, o agronegócio
Cada vez mais temos a nossa disposição um
amplo volume de informações para conduzir análises científicas e auxiliar na
tomada de decisões de governos e instituições privadas. Há um número crescente
de fontes disponíveis, contendo dados detalhados de variáveis tradicionais,
como renda, emprego e preços, bem como de novas variáveis, como comentários
postados nas redes sociais, informações pessoais coletadas por aplicativos em
nossos celulares e mapas de uso da natureza.
Organizar todas essas informações e derivar estatísticas relevantes para governos, empresas ou instituições de pesquisas são funções desempenhadas por cientistas de dados e especialistas em “Big Data”. Este é um campo que tem experimentado crescimento em diversas áreas, como saúde, educação, finanças e advocacia, possuindo a capacidade de aprimorar os processos produtivos e aumentar a produtividade.
Uma iniciativa importante que monitora e
mapeia o uso e a cobertura da terra no Brasil por meio de dados de satélites é
o MapBiomas (brasil.mapbiomas.org).
Esse trabalho inclui mapas e dados anuais desde 1985, com resolução de 30x30
metros, que mostram a evolução do uso do solo no país e dos nossos
ecossistemas. Recentemente, o MapBiomas Collection 8, lançado em agosto
passado, revelou fatos impactantes.
1. O Brasil está se tornando cada vez mais
urbano. A área urbanizada do país triplicou de tamanho entre 1985 e 2022. O
maior crescimento das áreas urbanizadas ocorreu em cidades de médio porte, com
população entre 100 mil e 750 mil habitantes. No mesmo período, houve um
aumento desproporcional das áreas urbanas com favelas, principalmente em áreas
suscetíveis a inundações e deslizamentos. Os dados mostram, portanto, que no
Brasil as ocupações precárias e vulneráveis a eventos climáticos extremos vem
crescendo rapidamente nos últimos 38 anos.
2. As nossas florestas ocupam 58% do
território nacional, percentual ainda bem mais elevado que de muitos países
desenvolvidos ou em desenvolvimento. No entanto, estamos perdendo essa posição.
Entre 1985 e 2022 a área ocupada por florestas no Brasil teve uma redução de
15%. Os biomas que mais perderam florestas naturais neste período foram a
Amazônia (13%) e o Cerrado (27%). A quase totalidade, cerca de 95%, da
conversão das florestas naturais no Brasil, foi para cultivo agrícola e
pastagem.
3. Nos últimos 30 anos, o Brasil experimentou
uma redução de aproximadamente 16% em sua superfície de água. Várias áreas com
maiores reduções nos recursos hídricos do país estão localizadas próximas às
fronteiras agrícolas e o desmatamento é um dos principais fatores desta
redução. No mesmo período, o Estado do Mato Grosso do Sul, que teve expansão
agrícola significativa, perdeu mais da metade (57%) de seus recursos hídricos.
Atualmente a Amazônia enfrenta uma seca sem precedentes, e o Rio Negro registrou
o nível mais baixo de toda a sua história desde 1902, quando as medições
começaram a ser realizadas. As imagens são alarmantes.
É evidente que a expansão agrícola moderna
trouxe vários benefícios econômicos e sociais para o país, tornando o Brasil um
dos maiores produtores e exportadores de diversos produtos agrícolas, como
soja, milho e carne. Em 1960, o Brasil importava 30% dos alimentos que
consumia. Com a contribuição decisiva da Embrapa, o Brasil desenvolveu
tecnologias agrícolas que permitiram a produção de soja e milho no Cerrado,
transformando o agronegócio e também a região Centro-Oeste.
No entanto, o que o MapBiomas revela é que se
faz necessário pensar urgente e seriamente no manejo florestal, uso do solo e
expansão urbana do país. As sociedades estão inseridas na natureza e dependem
vitalmente dos serviços oferecidos pelo meio ambiente. Portanto, nossa
dependência da natureza é um risco que os mercados e reguladores deveriam levar
em consideração. Avaliar os serviços que a natureza oferece de regulação do
clima, preservação de recursos florestais e hídricos, além da produtividade sustentável
do solo, devem fazer parte também de nossas decisões econômicas e na formulação
de políticas públicas.
Partha Dasgupta, meu colega da Universidade
de Cambridge e autor do Biodiversity Report, ou o Dasgupta Review, coloca que,
juntamente com seus benefícios estéticos e culturais, a natureza oferece duas
amplas categorias de serviços. Uma delas é a de fornecimento de bens, como
alimentos e matérias-primas. Tradicionalmente, esses recursos naturais têm sido
o principal foco dos economistas. No entanto, há outra categoria que é
igualmente crucial, embora menos óbvia: as atividades de regulação e manutenção
dos ecossistemas, especialmente os florestais, que, por exemplo, contribuem
decisivamente para polinizar cultivos, fixar nitrogênio no solo, decompor
resíduos, absorver carbono, proteger áreas contra enchentes e regular o clima.
É difícil mensurar como o bom manejo das
florestas afeta a produtividade agrícola, visto que um conjunto de variáveis é
afetado pelo uso e gestão diferentes da natureza. Um estudo recente com
pesquisadores da Universidade de Columbia, Florian Grossets, Anna Papp e
Charles Taylor (“Rain Follows the Forest”), avalia os efeitos de um programa de
reflorestamento da primeira metade do século passado nos Estados Unidos, o
Great Plains Shelterbelt Project, liderado por Franklin Roosevelt.
O referido projeto plantou florestas ao longo
de um corredor que se estende do norte ao sul no Meio-Oeste americano.
Utilizando a direção do vento para avaliar as áreas que ficaram mais protegidas
pelas novas árvores, os autores demonstram uma mudança no clima local em uma
área situada a quase 200 km de distância das novas florestas, com um aumento na
produtividade agrícola de cerca de 11-22% em relação às áreas desprotegidas que
possuem condições geográficas semelhantes.
É essencial ter uma visão estratégica da
preservação dos ativos naturais, inclusive para proteger nossa maior vantagem
comparativa, que é o agronegócio. O país tem potencial para se desenvolver com
um melhor manejo do solo, atrair investidores estrangeiros em áreas
relacionadas à exploração das florestas e negociar de forma assertiva com a
comunidade internacional, que se beneficia da preservação de nossos
ecossistemas, com impacto global sobre o clima.
*Tiago Cavalcanti é Professor Titular de Economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP.
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