Valor Econômico
Experiente, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva poderia ter poupado a si e ao seu governo do vexame de ter parte de uma
medida provisória devolvida pelo presidente do Congresso Nacional, senador
Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
É a segunda vez que ele se depara com uma
encruzilhada nas relações com o Legislativo por causa de uma MP rejeitada. A
primeira foi em 2008, em seu segundo mandato. E os episódios guardam alguma
semelhança: assim como fez nessa terça-feira (11), o Parlamento decidiu dar
sinais de insatisfação ao Poder Executivo.
A confusão estava instalada no plenário do
Senado naquele fim de tarde de 19 de novembro de 2008, quando o então
presidente da Casa, Garibaldi Alves Filho (MDB-RN), anunciou a decisão de
devolver uma medida provisória que alterava as regras para concessão e
renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas).
Com voz inconfundível e um característico ritmo pausado ao falar, Garibaldi argumentou que a MP continha dispositivos inaceitáveis e, portanto, não poderia ser votada em sua forma original. O centro das críticas era o fato de ela tornar automática a aprovação de pedidos de renovação de certificados de filantropia já feitos ao Conselho Nacional de Assistência Social. Para a oposição, a possibilidade abria brechas para fraudes.
Como pano de fundo, contudo, havia uma
crescente insatisfação dos parlamentares com o método político e o volumoso
número de medidas provisórias editadas pelo Palácio do Planalto. Vivia-se um
cenário nebuloso, no qual se misturavam eleições municipais e articulações
precoces para as eleições das mesas diretoras da Câmara e do Senado. Incertezas
na economia se sobrepunham às expectativas para a próxima eleição presidencial.
Foi a segunda vez na História que um
presidente do Senado devolveu uma MP. A primeira foi em 1989, quando a cúpula
do Congresso barrou uma de autoria do ex-presidente José Sarney.
O ato, repetido depois outras duas vezes
durante as administrações Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro, ensejou debates
dentro do Congresso e no meio jurídico se a simples devolução de uma MP já
anularia automaticamente os atos normativos que tiveram vigência imediata após
a sua publicação. Alguns argumentaram que seria preciso a edição de uma segunda
MP extinguindo os efeitos da anterior, enquanto outros defendiam que um ato do
Legislativo poderia fazê-lo. A discussão chegou a ser levada para a Comissão de
Constituição e Justiça do Senado (CCJ) e até mesmo para o Supremo Tribunal
Federal (STF).
No campo político, porém, nunca houve dúvidas
quanto ao recado por trás de cada um desses atos. Em todas essas situações não
iam bem as relações entre Planalto e Parlamento. Desta vez, em meio a seguidas
cobranças do setor privado para que o governo inclua em seu repertório medidas
de redução de despesas, o episódio também se tornou mais um item de uma ampla
coletânea de casos que evidenciam os ruídos na comunicação entre os dois
Poderes.
Expoentes da boa prática política lembram o
elementar: seria de bom tom que os parlamentares fossem avisados de que a MP
estava a caminho da Imprensa Nacional para ser publicada no “Diário Oficial da
União”. O Planalto seria aconselhado a repensar a medida. Um acordo teria sido,
possivelmente, construído.
Mas Lula colocou-se mais uma vez na
desconfortável situação de ter que se reunir com o chefe de uma das Casas do
Legislativo para aplacar uma crise, na defensiva e sob pressão, sem uma agenda
positiva a tratar.
Integrantes da base aliada e auxiliares do
presidente têm seguidamente apontado a necessidade de Lula retornar ao dia a
dia da articulação, a despeito da resistência do petista. Chamou atenção, por
exemplo, um trecho de recente entrevista ao jornal “O Globo” do líder do
governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), sobre as insistentes turbulências
políticas.
Aliado de longa data de Lula, Wagner é um dos
poucos que ainda se sente à vontade para falar o que pensa para o presidente e,
também, abordar em público o que o amigo pensa. Na entrevista, primeiro pontuou
que em um sistema presidencialista é a figura do chefe do Executivo que dá
tração ao governo. As pessoas querem sair na fotografia com o presidente, não
com um emissário, e sua presença mudaria a capacidade de articulação. No
entanto, na sequência ponderou que será necessário respeitar o tempo de Lula
para que isso aconteça.
Depreende-se das declarações de Wagner que é
preciso ter em mente como o período em que Lula ficou preso ainda influencia o
seu modo de se relacionar com interlocutores do meio político. “O cara tem
alma, não é de ferro.”
É possível que os seguidos reveses no
Congresso mudem a dinâmica da interação de Lula com os deputados e senadores.
Nessa terça-feira, aliás, a reação do governo à decisão de Pacheco foi
comedida. É intenção do governo mantê-lo por perto.
No fim de novembro de 2008, Garibaldi Alves
Filho também se surpreendeu com a cordialidade do presidente da República ao
encontrá-lo pela primeira vez após ele enterrar a chamada MP das Filantrópicas,
em uma solenidade. Cerca de dois anos depois, virou ministro da Previdência da
sucessora de Lula.
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