Anulação de leilão de arroz não encerra o caso
O Globo
É necessário investigar as suspeitas de
irregularidade que levaram governo a cancelar o certame
Diante das suspeitas que rondavam os
vencedores do leilão realizado na semana passada para importação de arroz em
consequência das chuvas no Rio
Grande do Sul, não restava
ao governo federal outra alternativa a não ser anular o certame, como fez
ontem. Não bastasse o impacto negativo que terá para os
produtores de arroz gaúchos, o leilão estava cercado de estranhezas, que, mesmo
com a anulação, exigem explicações e investigação.
Uma loja de queijos no centro de Macapá, identificada como Wisley A. de Souza, venceu o maior lote do leilão, comprando 147,3 mil toneladas por R$ 736,3 milhões. Até maio, ela tinha capital social de apenas R$ 80 mil, subitamente aumentado para R$ 5 milhões antes do leilão. Além da empresa do Amapá, participaram do pregão a Zafira Trading, a locadora de máquinas ASR e a fabricante de sorvetes Icefruit, que arremataram 90 mil toneladas pelas quais o governo pagaria R$ 468 milhões. As três estão vinculadas a Robson Almeida França, ex-assessor parlamentar do ex-deputado Neri Geller, secretário de Política Agrícola, demitido após a confusão. Ele foi responsável por dar sinal verde ao leilão. Ambos negam irregularidades.
O próprio presidente Luiz Inácio Lula da
Silva havia cobrado respostas. Ele deveria ter dado mais atenção à tentativa
canhestra de transformar o leilão, por meio do qual o governo venderia arroz
mais barato para compensar os estragos das enchentes no Sul, numa vitrine de
propaganda. Desde o início, sabe-se que se trata de uma solução errada para um
problema que não existe.
O governo anunciou que o quilo do arroz
importado custará R$ 4. Além do subsídio desnecessário, num momento em que o
governo enfrenta um desafio fiscal grave, o tabelamento representa um
desincentivo aos produtores para manter o plantio, criando risco de
desabastecimento futuro. Pior: não há falta de arroz que justifique a
intervenção do Estado. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
informou que 84% da área plantada no Rio Grande do Sul já havia sido colhida
antes das inundações. Representantes dos produtores de arroz garantiram que as
estradas estavam liberadas para escoar a produção logo depois das chuvas.
Tanto que a Justiça Federal do Rio Grande do
Sul, atendendo a um pedido do partido Novo, chegou a suspender o leilão. “Não
há indicativo de perigo concreto de desabastecimento de arroz no mercado
interno ocasionado pelas enchentes no Rio Grande do Sul, mas apenas um
apontamento de uma dificuldade temporária no escoamento da produção local”,
afirmou o juiz Bruno Risch Fagundes de Oliveira em seu despacho. A
Advocacia-Geral da União (AGU) derrubou a liminar.
A tragédia climática que atingiu os gaúchos
exige investimentos para reativar a economia do estado, não subsídio para arroz
importado vendido com a logomarca do governo federal. A situação internacional
já desfavorecia os importadores. A Índia, maior exportador mundial de arroz,
espera a primeira quebra de safra em oito anos devido a chuvas abaixo da média
anual. A conjuntura favorece especuladores em busca de lucros fáceis. A decisão
apressada de importar arroz criou as condições ideais para ganhos espúrios
custeados pelo Tesouro. Por isso, a despeito da anulação do certame, mais do
que nunca é necessário investigar quem tentou se beneficiar do leilão.
Senado deve rejeitar relatório sobre reforma
do ensino médio
O Globo
Já passaram sete anos desde a promulgação das
mudanças. Não dá mais para adiar implementação
Apresentado na Comissão de Educação do
Senado, o relatório da senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) sobre o
Novo Ensino Médio piora
pontos aprovados pelos deputados, atende à pressão indevida de grupos de
interesse e apresenta melhorias apenas marginais. Na redação atual,
desconsidera a longa e difícil negociação que precedeu a aprovação do Projeto
de Lei 5.230/2023 na Câmara em março. Se passar na Comissão e no plenário do
Senado, terá de ser reavaliado pelos deputados, com duas consequências
preocupantes. Será uma nova oportunidade para quem deseja acabar com a reforma
e, mesmo que isso seja evitado, atrasará ainda mais a implementação das
mudanças.
Aprovada em 2017, a reforma ampliou a carga
horária, redesenhou a arquitetura curricular e valorizou o ensino técnico.
Seguindo as melhores práticas internacionais, os alunos passaram a ter um
currículo fixo, com disciplinas como português ou matemática, e outro flexível,
chamado de itinerários formativos. Quando a implementação ganhou tração em
2022, os problemas ficaram evidentes. Um dos principais era o pouco tempo
dedicado à formação tradicional básica (1.800 horas) e a carga horária extensa
dos itinerários (1.200 horas), pródigos em cursos desconectados da realidade
dos jovens.
O ministro da Educação, Camilo Santana,
suspendeu as mudanças em abril de 2023, e somente no fim do ano o governo
enviou um Projeto de Lei ao Congresso. O texto aprovado pelos deputados há três
meses preservou os princípios da reforma original e a aperfeiçoou. A formação
básica ficou com uma carga horária mínima de 2.400 horas e os itinerários,
menos dispersos, com 600 horas. Entre os avanços, foram impostas limitações ao
uso do ensino à distância.
Ao chegar ao Senado, a expectativa era um
trâmite célere, mas a busca por protagonismo tem falado mais alto. Suscetível à
pressão de sindicatos, Dorinha incluiu no relatório o espanhol como disciplina
obrigatória. Como advertem secretários de Educação, a medida aumenta um
currículo já inchado, eleva custos e é de difícil execução. O relatório ainda
dificulta a contratação de profissionais com notório saber e muda a divisão da
carga horária, com 2.200 horas para a formação básica e 800 para os itinerários,
alteração que pode fazer algum sentido do ponto de vista técnico, mas com
potencial de causar atrito político. Se a mudança for aprovada pelo Senado e
voltar para a avaliação da Câmara, a celeuma continuará.
“As secretarias de Educação precisam de
terreno firme logo para avançarem com seus planejamentos”, diz Priscila Cruz,
presidente da ONG Todos Pela Educação. Desde a promulgação da lei que mudou o
ensino médio, já se vão sete anos. A discussão sobre como melhorar a reforma
dura mais de um ano. Em entrevista ao GLOBO, o presidente do Conselho Nacional
de Secretários de Educação, Vitor de Angelo, disse que não há mais como
implementar todas as mudanças em 2025. De quanto tempo mais o Senado precisa
para chancelar o consenso possível?
Balança comercial continua com boas
perspectivas
Valor Econômico
Forte acúmulo de divisas ajudou a impedir uma desvalorização mais forte do real
No ano até maio, a balança comercial não tem
seguido as projeções para 2024, de uma queda do saldo comercial. Nos cinco
primeiros meses do ano, o saldo acumulado atingiu o recorde de US$ 35,9
bilhões. Em 2023, houve o recorde anual de US$ 94,4 bilhões. Para 2024, o Banco
Central reduziu suas expectativas de US$ 73 bilhões (o cálculo da autoridade
monetária é diferente) para US$ 59 bilhões, e o Ministério da Indústria e
Comércio estimou resultado positivo de US$ 73,5 bilhões. Entre as consultorias,
os números estão melhores, variando o superávit de US$ 85 bilhões a US$ 90
bilhões.
Além disso, o forte acúmulo de divisas com as
vendas externas está ajudando a impedir uma desvalorização mais forte do real.
Até maio, apesar de a saída pelo câmbio financeiro ter sido o dobro da do mesmo
período do ano passado (US$ 27,6 bilhões ante US$ 13 bilhões), o saldo do
câmbio comercial, de US$ 33,7 bilhões, foi mais que suficiente para garantir um
fluxo de divisas no início do ano.
As exportações somaram US$ 138,8 bilhões,
2,3% a mais do que em relação ao mesmo período do ano passado; e as importações
totalizaram US$ 102,9 bilhões, com alta de 1,8% na mesma base de comparação. O
aumento do volume transacionado, de 7,4% das exportações e de 11,5% das
importações, garantiu o desempenho, compensando a queda dos preços, de 4,5% e
9,2%, respectivamente.
Mas um novo recorde é ainda incerto. Os
resultados mensais oscilaram bastante. Nos dois primeiros meses, houve
crescimento de 9% e 9,9%. Em março o resultado caiu mais de 30%, para US$ 7,3
bilhões. Retomou o ritmo em abril e, em maio, caiu 22,3%, para US$ 8,5 bilhões.
O principal produto da pauta de exportação brasileira, a soja, mantém a
liderança com 15,7% dos embarques, o equivalente a US$ 21,8 bilhões, mas recuou
em comparação com os 19,6% do início de 2023, em consequência da redução da
safra.
Ganharam espaço os produtos da indústria
extrativa, principalmente o petróleo bruto e o minério de ferro, com 14,9% e
9,3%, respectivamente, das exportações. Juntos, os dois somaram 24,2% da pauta
exportadora de janeiro a maio, acima dos 19,9% de iguais meses de 2023. O
petróleo bruto domina, com 57,7% da exportação do grupo extrativo.
Apesar dos números exuberantes, o setor
externo teve contribuição negativa para o Produto Interno Bruto (PIB) do
primeiro trimestre, informou o IBGE, diferentemente do que ocorreu em 2023. Ele
contribuiu para a redução de 1 ponto percentual do PIB no primeiro trimestre,
em consequência de aumento das importações superior ao das vendas externas. Se
o PIB agregado cresceu 0,8% no primeiro trimestre, na comparação com os três
meses anteriores, com ajuste sazonal, as exportações cresceram 0,2%, e as
importações, 6,5%, de acordo com o IBGE.
Pode-se dizer que isso ocorreu por um bom
motivo. Parcela importante do aumento das importações se deve à recuperação dos
investimentos, além do aumento do consumo. O Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial (Iedi) aponta que a decomposição da Formação Bruta
de Capital Fixo feita pelo Ipea mostra alta de 19,4% em máquinas e equipamentos
importados no primeiro bimestre do ano contra igual período de 2023.
O padrão se repetiu nos dados da balança
comercial nos cinco meses. Bens de capital e bens de consumo puxaram as
importações com crescimento de 13,4% e 23,4%, respectivamente, na comparação
com igual período de 2023. Um destaque foi a importação de veículos, que saltou
59,4% e somou US$ 2,98 bilhões de janeiro a maio, 40% dos quais provenientes da
China.
Do lado positivo, há a expansão da produção
de petróleo, que cada vez se torna mais importante na pauta de exportações. As
receitas com petróleo no acumulado do ano cresceram 31,2%. Os volumes saltaram
32,5%. Entre as incertezas, surpreende a variação de preços do minério de ferro
em consequência da redução da demanda chinesa, que enfrenta barreiras para o
aço que produz em vários mercados. Como reflexo disso, o minério de ferro
exportado pelo Brasil apresentou queda de 11% no preço e de 6,3% em volume embarcado
em maio.
A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul
deverá afetar a balança comercial, pois é o sexto Estado do país que mais
exporta e que mais importa. Contribui com 9,4% das exportações de produtos
industrializados. Tem uma pauta exportadora composta por soja, calçados,
polímeros plásticos e máquinas agrícolas, além de tabaco e carne bovina.
Além disso, um importante mercado, a
Argentina, encolheu depois das mudanças econômicas decretadas pelo novo
presidente, Javier Milei. De janeiro a maio as exportações caíram 33% e a fatia
de vendas para os argentinos é a menor desde 1997 (3,6% do total).
As perspectivas para a balança comercial
continuam boas, assim como segue importante sua contribuição para o equilíbrio
dos fluxos financeiros, que tem pressionado a favor da valorização do dólar. No
front externo, pelo menos, a situação brasileira continua muito confortável.
Câmara quer esterilizar delação premiada
Folha de S. Paulo
Instrumento pode ser aperfeiçoado, mas
projeto de lei gera prejuízos tanto para investigados como para investigadores
A Câmara dos
Deputados anda às voltas com um projeto de lei destinado a
esterilizar as chamadas delações premiadas, transformando-as em um instrumento
jurídico sem nenhuma aplicação prática.
Iniciativas com esse propósito não são
novidade. Em 2016, por exemplo, o então deputado Wadih Damous (PT-RJ) —atual secretário
Nacional do Consumidor no governo do petista Luiz Inácio Lula da
Silva— propôs vedar delações feitas por acusados ou indiciados que estejam
presos.
Em 2023, o deputado Luciano Amaral (PV-AL) apresentou um texto
bem mais enxuto e com redação diferente, mas preservando a mesma finalidade:
considerar imprestáveis os acordos assinados por colaboradores sob efeito de
privação cautelar de liberdade —isto é, prisão preventiva, temporária ou em
flagrante.
Nas últimas semanas, líderes de 13 partidos
do centro à direita, além do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deitaram
olhos compridos ao projeto de Amaral.
Todos podem argumentar que pretendem combater
abusos da polícia, do Ministério
Público e do próprio Judiciário, mas seriam necessárias doses
cavalares de ingenuidade para acreditar nisso. O que eles parecem de fato
querer é uma blindagem contra essa importante ferramenta investigativa.
Regulamentada pela Lei das Organizações
Criminosas, de 2013, a colaboração premiada se apoia na teoria dos jogos para
destrinchar esquemas ilegais que, de outra forma, restariam impunes. Seu
mecanismo é simples: oferece-se ao
investigado uma recompensa para ele revelar o que sabe.
Logo se vê que a delação cumpre uma função
dupla. De um lado, auxilia na apuração do crime, pois o colaborador aponta
caminhos e fornece indícios que talvez jamais fossem encontrados; de outro,
opera como arma de defesa, já que a barganha inclui vantagens no cumprimento da
pena.
A mudança que os deputados cogitam fragiliza
os dois polos, porque, se aprovada, tirará do indivíduo preso a chance de
amenizar sua própria situação e reduzirá os estímulos para alguém entregar os
comparsas, sobretudo os mais poderosos. Ou seja, os parlamentares ameaçam
subverter a lógica por trás da colaboração premiada.
Não que inexistam problemas no uso dessa
ferramenta no Brasil. Há boas razões para supor que, em alguns casos,
prolongaram-se prisões preventivas a fim de forçar a negociação de delações.
Daí não decorre, porém, que a reforma em
tramitação na Câmara seja a solução apropriada. Longe disso, aliás. De uso
recente, a colaboração é um instrumento jurídico que ainda precisa ser afiado,
mas não destruído.
Hora de encerrar a greve
Folha de S. Paulo
Professores e técnicos das universidades
federais estão parados por tempo demais
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
ofereceu uma espécie de saída honrosa para os grevistas das universidades
federais. Eles deveriam aceitá-la e encerrar um movimento a esta altura já
abusivo.
À moda da administração petista, a tentativa
de lidar com o problema envolve gasto público e ampliação do aparato estatal.
Foram anunciados um tal PAC
para as universidades, com promessa de R$ 5,5 bilhões em
investimentos, e aumento de R$ 279 milhões nas verbas de custeio das
instituições.
Prevê-se, no pacote lançado na segunda-feira
(10), a construção de dez novos campi federais no país. Já haviam sido
propostos reajustes salariais de 9% no próximo ano e de 3,5% em 2026.
Embora reivindiquem mais, os grevistas podem
dar-se por vitoriosos com as medidas, graças às afinidades entre o governo e o
sindicalismo. A sociedade, nem tanto.
Professores já estão parados há dois meses;
técnicos administrativos, há três. Essas exorbitâncias, que prejudicam
enormemente os estudantes, só são possíveis porque os paredistas têm a
segurança de que não terão pagamentos descontados —para nem falar da garantia
constitucional de estabilidade no emprego.
Mais dinheiro do contribuinte será injetado
numa rede que já contava com R$ 64 bilhões no Orçamento deste ano, sem que
sejam debatidas as distorções do ensino superior e do serviço público.
Como a Folha noticiou, os docentes
e técnicos das universidades já somam mais da metade dos servidores civis
federais (237,2 mil em um total de 443,5 mil). Justos ou não, reajustes
salariais para essas categorias têm grande peso nas contas já deficitárias do
Tesouro.
Uma reforma administrativa deveria, no
mínimo, regulamentar a possibilidade de demissão por mau desempenho, como
estímulo à produtividade. Do lado da receita, é preciso abrir as instituições
ao financiamento privado, inclusive
por parte dos alunos com capacidade de pagamento.
Se não forem superadas as resistências
impostas pelo corporativismo acadêmico, as greves voltarão a ser uma triste
rotina a comprometer a qualidade do ensino.
Os 12 trabalhos de Haddad
O Estado de S. Paulo
Para convencer Lula sobre a importância do
ajuste fiscal, ministro tentará usar as turbulências econômicas para vencer
opositores e adotar medidas para desvincular o Orçamento
Se Hércules teve 12 árduos trabalhos – como
lutar contra um leão gigante, derrotar uma serpente de nove cabeças e limpar um
estábulo com estrume acumulado por anos –, o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, tem um que vale pelos 12: convencer o presidente Lula da Silva sobre a
importância da adoção de medidas para desindexar algumas despesas do Orçamento
e impedir que elas rapidamente comprimam o reduzido espaço dos dispêndios
discricionários, entre os quais se incluem gastos de custeio e investimentos.
Segundo publicou o Estadão, uma das
ideias que o ministro deve apresentar a Lula é a mudança no reajuste dos
benefícios previdenciários vinculados ao salário mínimo e dos pisos de Saúde e
Educação. Ambos sobem à revelia do arcabouço fiscal, e a proposta é submetê-los
ao alcance da âncora, que limita o aumento das despesas a 70% do avanço das
receitas.
Hoje, os benefícios pagos pela Previdência
Social, como aposentadorias, pensões e o Benefício de Prestação Continuada
(BPC), pago a idosos vulneráveis e pessoas com deficiência, têm como piso o
salário mínimo, que sobe conforme a inflação do ano anterior, e o crescimento
do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Já os gastos com Educação
correspondem a 18% da Receita Líquida de Impostos (RLI); e os com Saúde
equivalem a 15% da Receita Corrente Líquida (RCL).
Essa discussão não vem de hoje, mas voltou à
baila na semana passada, quando o mercado reagiu mal a um encontro fechado
entre Haddad e representantes de instituições financeiras. Nessa reunião, o
ministro teria dito que um crescimento adicional das despesas obrigatórias
levaria o governo a ter de contingenciar gastos discricionários – como
estabelece o arcabouço fiscal.
Até aí, nada novo. Para os investidores, no
entanto, prevaleceu a impressão de que o arcabouço fiscal teria de ser
alterado, uma vez que Haddad não se comprometeu de maneira explícita com o
cumprimento do limite de despesas e admitiu que o contingenciamento era uma
decisão política que dependia do aval de Lula.
Haddad atribuiu esse entendimento a
interpretações indevidas de sua fala, mas, até que essa informação fosse
negada, houve muito ruído no mercado. A Bolsa caiu, os juros futuros
dispararam, o dólar subiu e atingiu a maior cotação em 17 meses. No ano, a moeda
norte-americana acumula alta de mais de 10%, muito em razão das dúvidas sobre a
trajetória das taxas de juros nos Estados Unidos, mas também por problemas
internos da economia brasileira, notadamente as incertezas fiscais.
Haddad, segundo apurou o Estadão, espera
que essa conjuntura desfavorável sirva de algo e o ajude a convencer o
presidente sobre a urgência de um ajuste fiscal. O problema é que na outra
ponta estão o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e a presidente do PT, Gleisi
Hoffmann (PR), opositores ferrenhos de qualquer medida de contenção de despesas
– sejam temporárias, como contingenciamentos, sejam estruturais, como
desindexações e reformas.
Para que essa discussão seja profícua, é
preciso partir de algumas premissas comuns, que devem ser reconhecidas por
todos que desejam participar do debate. Uma delas é a própria existência do
déficit previdenciário, negado por ninguém menos que o ministro responsável
pela área, Carlos Lupi.
Outra é que não é factível repassar aos
benefícios previdenciários os ganhos de produtividade da economia. A eles deve
ser garantida a reposição da inflação – como, aliás, a ministra Simone Tebet
defendeu em entrevista a este jornal e acabou desautorizada por Haddad.
Quanto à Saúde e à Educação, o ideal seria
que as áreas recebessem valor suficiente para cobrir suas despesas, sejam elas
quais forem, e não um porcentual das receitas. Atacar as vinculações, aliás, é
algo que já deveria ter sido feito no ano passado, dado que elas voltaram a
valer no exato momento em que o arcabouço substituiu o finado teto de gastos.
Conter o aumento dessas despesas é o mínimo
que se espera de um governo responsável, e é papel de Haddad persuadir o
presidente a enfrentar esse dilema. Não enfrentar essa realidade não só
sepultará o arcabouço fiscal do ministro, como também condenará o País a um
baixo crescimento econômico, um legado que Lula certamente não deseja ter como
seu.
Pragmatismo como arma
O Estado de S. Paulo
Visando aos interesses estratégicos do País,
o comandante do Exército defende parceria com os chineses, mas mostra que para
isso não é preciso confrontar o Ocidente, como faz Lula
Num mundo repleto de tensões – reais e
imaginárias –, o Brasil só tem a ganhar quando os arroubos verbais saem de
cena, substituídos pelo realismo pragmático das relações comerciais e
diplomáticas. A recente entrevista ao Estadão do comandante do
Exército, general Tomás Paiva, é uma evidência cristalina dessa certeza. O
general defendeu a ampliação de parcerias estratégicas com a China e outros
países do Brics, grupo que reúne também nações como Rússia, Índia, África do
Sul e, mais recentemente, Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes, Etiópia e
Egito. Também destacou o foco da visita que fará aos chineses no próximo mês:
capacidades militares e ciência e tecnologia. Os chineses, ele lembrou, estão
avançados na defesa cibernética e na base industrial de sistemas de armas –
avanços que permitem a um país proteger sua soberania com mais tecnologia e com
menos efetivo. Mas Tomás Paiva não precisou seguir a cartilha do presidente
Lula da Silva e fazer apologia do tal “Sul Global” nem inscrever o Brasil na
vanguarda da luta contra os valores ocidentais, muito menos demonstrar
hostilidade aos Estados Unidos e alinhamento a tudo o que lhe é antagônico.
O comandante do Exército fez o que se espera
de chefes de instituições de Estado: a observância dos interesses estratégicos
do País, sem sectarismo ou politização indevida. Segundo o próprio general, o
Ministério das Relações Exteriores tinha interesse na aproximação do Exército
com os países do Brics. Seu roteiro do mês que vem, contudo, não envolverá a
Rússia. Como deixou claro, não visitará os russos por causa do conflito com a
Ucrânia, outro ponto de distância que manteve em relação aos arquitetos da política
externa lulopetista. Melhor assim. Na entrevista, demonstrou estar alinhado com
o que há de mais qualificado nos quadros técnicos da diplomacia brasileira –
hoje, infelizmente, tisnada pela guerra imaginária que Lula parece travar,
tendo como companheiros de armas notórias ditaduras, como a própria China, a
Rússia, o Irã e a Venezuela. Mas, diferentemente de Lula, o general opta pelo
pragmatismo em nome da cooperação militar.
Essa distinção se faz necessária por uma
razão: na nova ordem global, características distintivas do Ocidente –
democracia, economia de mercado e globalização – têm sido confrontadas por
regimes autocráticos que buscam reviver o modelo que põe o Estado e a soberania
nacional acima de todas as coisas, à custa de liberdades individuais, direitos
humanos e valores universais. Esses valores costumam ser apresentados por essa
turma como armas retóricas das democracias liberais para prolongar sua
supremacia. Nesse ambiente turvo, o grande risco é o Brasil imiscuir-se numa
espécie de aggiornamento do “Terceiro Mundo” dos tempos da guerra
fria, em nome da ambição de Lula de credenciar-se como um líder político global
do “Sul Global”, em vez de o País colocar a serviço dos seus interesses suas
vantagens comparativas, com sutileza e credibilidade, como sugere a tradição
diplomática brasileira.
Nossos vizinhos latino-americanos assim
costumam definir a ação diplomática brasileira: Itamaraty no improvisa. É
uma ideia-força que sintetiza a percepção de que o Itamaraty soube manter a
continuidade da política externa e renová-la com o passar do tempo. Com Lula da
Silva e Jair Bolsonaro, contudo, interesses nacionais se fundiram com
interesses políticos e interferências ideológicas e partidárias. Como o próprio
general Tomás Paiva mostrou na entrevista ao Estadão, há um longo caminho
de aprendizado e benefícios com o conhecimento chinês em matéria militar. Tal
lição serve para outras áreas: o Brasil está atrasado nos avanços científicos e
tecnológicos e precisa recuperar o tempo perdido para entrar na corrida da
pesquisa e do desenvolvimento na inovação, no 5G e na inteligência artificial –
para citar alguns poucos e complexos exemplos. Um campo minado no qual só se
prospera com pragmatismo, conhecimento, equilíbrio e equidistância, não com
ideologia e confrontação.
A hora da verdade para Bibi
O Estado de S. Paulo
A margem do premiê israelense para decidir
entre extremismo e moderação está se fechando
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin
Netanyahu, já disse repetidas vezes o que não quer em Gaza: nem o Hamas, nem um
governo da Autoridade Palestina, nem um cessar-fogo permanente antes da
libertação de todos os reféns. Mas a pressão, dentro e fora, de aliados e
adversários, está crescendo para que ele diga, afinal, o que quer.
No domingo, Benny Gantz, líder da frente de
oposição centrista Unidade Nacional, que, após o 7 de Outubro, aceitou fazer
parte do governo de emergência, renunciou à sua posição no gabinete de guerra
como um dos três membros com direito a voto (junto com Netanyahu e o ministro
da Defesa, Yoav Gallant), cumprindo um ultimato em que exigia de Netanyahu uma
estratégia ampla para o fim da guerra. Gallant, do partido de Netanyahu, também
criticou a falta de um plano, embora não tenha ameaçado deixar o governo. “Decisões
estratégicas cruciais estão sendo bloqueadas pela hesitação e considerações
políticas”, disse Gantz em coletiva de imprensa. O general da reserva Gadi
Eisenkot, que também abandonou o gabinete, acusou o governo de “falhar
completamente” em todos os seus objetivos.
Os EUA também intensificaram a pressão. No
final de maio, o presidente Joe Biden, a contragosto de Netanyahu, anunciou
publicamente um plano do governo de Israel em três fases: uma trégua de seis
semanas em que as forças de Israel abandonariam áreas urbanas e o Hamas
libertaria mulheres e idosos em troca de prisioneiros palestinos; depois,
negociações para um cessar-fogo duradouro, com a retirada total de Israel e a
libertação dos reféns restantes em troca de mais prisioneiros palestinos; por
fim, a implementação de um programa internacionalmente financiado de
reconstrução de Gaza.
Na segunda-feira, o Conselho de Segurança da
ONU aprovou uma resolução dos EUA propondo um plano nessas linhas. Netanyahu
não admitiu expressamente seu apoio. Em visita ao Oriente Médio, o secretário
de Estado dos EUA, Antony Blinken, tem declarado aos líderes árabes: “Se querem
um cessar-fogo, pressionem o Hamas a dizer sim”.
Netanyahu não tem pressa em terminar a
guerra. Tampouco quer escalá-la. Mas a margem para sua “ambiguidade
estratégica” está se esgotando. Em Israel, o clamor por um acordo de libertação
dos reféns cresce. Na fronteira com o Líbano, a troca de hostilidades com o
Hezbollah se aproxima de um ponto crítico. No governo, o contraponto moderador
de Gantz se foi, e Netanyahu está à mercê dos extremistas que garantem a
maioria de seu governo e não aceitam outro desdobramento que não a reocupação
permanente de Gaza.
Existe uma alternativa. Gantz e o líder da
oposição, Yair Lapid, declararam que apoiariam um governo minoritário caso
Netanyahu aceitasse um acordo de cessar-fogo e a liberação de reféns.
Por ora, a relutância do Hamas está permitindo a Netanyahu ganhar tempo. Mas a pressão por todos os lados espreme esse tempo. O momento da decisão está próximo, e ela será determinante para a carreira política de Netanyahu e o futuro da guerra em Gaza.
Governo acerta ao anular leilão
Correio Braziliense
A decisão do governo, tomada no calor da
necessidade de se adotar medidas para amenizar os prejuízos da catástrofe no
Rio Grande do Sul, começou errada e, por pouco, não se tornou mais um escândalo
de favorecimento e corrupção
O governo agiu rápido e de forma acertada ao
anular o leilão de importação de arroz e aceitar a demissão do secretário de
Política Agrícola, Neri Geller, envolvido no pregão realizado em 6 de junho e
cujas empresas vencedoras levantaram suspeitas desde o início. Entre as que
venceram o certame, há até mesmo uma empresa de locação de veículos e máquinas
de Brasília, uma loja de queijo de Macapá e uma fábrica de polpa de frutas de
São Paulo. Todas alegam comercializar alimentos, mas, diante da estranheza, o melhor
a fazer é cancelar o pregão, que não contou com nenhuma das grandes
comercializadoras de alimentos.
A ausência delas parece ser uma reação ao
questionamento dos arrozeiros do Sul do país sobre a necessidade de se importar
arroz devido às enchentes no Rio Grande do Sul. Os produtores garantem que a
safra já estava colhida e que não há risco de desabastecimento. Ainda assim, o
governo decidiu optar pela compra do produto no mercado internacional, segundo
o Planalto, para evitar a especulação com os preços do cereal presente na mesa
de praticamente todas as famílias brasileiras.
A decisão do governo, tomada no calor da
necessidade de se adotar medidas para amenizar os prejuízos da catástrofe
ambiental no Rio Grande do Sul, começou errada e, por pouco, não se tornou mais
um escândalo de favorecimento e corrupção no Planalto. Errada porque, antes de
anunciar a importação, o governo deveria ter se reunido com os produtores para
garantir o escoamento da produção que, eventualmente, estivesse retida no Sul e
buscar formas de abastecer o mercado sem elevação dos preços ou limitação de compra
pelos consumidores.
Errada também porque parece ter atendido
muito mais ao interesse político do governo do que propriamente da atividade
agrícola nacional. Tabelar preços e colocar o rótulo do governo em produtos são
medidas populistas e que em nada contribuem para a estabilização e normalização
do mercado. Nesse caso, o efeito é o contrário, e o governo, em lugar de ganhar
pontos de popularidade, acabou com um grande problema para resolver. Apesar de
o leilão ter sido anulado e o principal envolvido na operação ser demitido, a
oposição pode pressionar por uma investigação no Congresso.
Uma eventual negociação com produtores,
obviamente, teria que envolver preços. Se eventualmente os preços subirem acima
de um patamar razoável e pressionando a inflação, o governo deve, sim, buscar
mecanismos para conter a alta, o que inclui a importação de arroz para atender
à demanda e evitar que uma redução na oferta interna provoque encarecimento dos
produtos.
O governo já anunciou a intenção de usar o Plano Safra como forma de estimular a produção de alimentos básicos, como arroz, feijão, mandioca e trigo, para formação de estoques públicos. Dessa forma, terá como construir um mecanismo que pode ser usado para conter altas expressivas desses produtos. A decisão de anular o leilão foi acertada, mas não impede que o governo busque produtos no mercado internacional para abastecer o mercado interno. No entanto, é imprescindível que a compra seja feita com mais rigor e critério.
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