O Globo
Objetivo de audiência pública na Câmara dos
Deputados é inibir os estudos sobre desinformação do NetLab UFRJ
Na última semana, fomos surpreendidos com o requerimento de uma audiência pública na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados que visa a questionar os resultados de pesquisas conduzidas pelo NetLab, nosso renomado laboratório da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ. O requerimento leva professores à comissão com o objetivo de censurar a ciência no Brasil, criminalizando professores. Portanto esse não é um ataque apenas à UFRJ, mas a toda a comunidade acadêmica brasileira.
O laboratório é alvo de ataques devido à sua
agenda de pesquisa, que aborda o problema da desinformação. As pesquisas do
NetLab UFRJ, com especial atuação em questões socioambientais e golpes na
internet, ganharam destaque nos principais noticiários da mídia brasileira no
último mês devido à tragédia no Rio Grande do
Sul, afetada por fake news para manipular a opinião pública e por golpes
com pedidos de doações falsas — que desviaram ajuda das vítimas para
enriquecimento ilícito de estelionatários. Além disso, o NetLab UFRJ tem se
destacado ao longo dos anos pela produção de inúmeras pesquisas de valor
incalculável para a sociedade, fornecendo evidências com metodologia científica
que embasam políticas públicas e auxiliam gestores e autoridades em tomadas de
decisões, motivo de grande orgulho para a UFRJ.
O principal questionamento do requerimento é
o financiamento do laboratório com recursos públicos e de fundações
filantrópicas para a realização de suas pesquisas. Ora, a maior parte da
pesquisa gerada no Brasil depende de recursos públicos, e é desejável que assim
seja.
Entretanto os recursos públicos para pesquisa
são escassos diante das imensas demandas e desafios colocados ao
desenvolvimento científico e tecnológico de ponta, especialmente para os que
necessitam de processamento de grande volume de dados e exigem altos
investimentos. Nesse sentido, aplaudimos todos os pesquisadores, laboratórios e
instituições que conseguem complementar seus orçamentos apresentando projetos a
fundos públicos e aos disputadíssimos financiamentos privados nacionais e
internacionais de fundações filantrópicas, como faz o NetLab UFRJ.
Trata-se de um roteiro já conhecido e usado
noutros países por atores antidemocráticos para censurar a ciência por meio de
ações no Parlamento. Nesse caso, o objetivo é inibir os estudos sobre
desinformação e pressionar os pesquisadores a desistir de seus temas de
pesquisa em anos eleitorais. É justamente por conhecermos esse roteiro, que
relembra os tempos mais sombrios da História de nosso país, que reafirmamos
nosso compromisso com o ensino e a pesquisa independente. Declaramos que não
nos deixaremos intimidar por manipulações e ameaças a nossa autonomia
universitária, a nossa independência acadêmica e à liberdade de pesquisa, os
pilares da universidade pública e uma conquista do Estado Democrático de
Direito.
Não admitiremos censura à pesquisa
científica, muito menos que criminalizem professores, pesquisadores e a
comunidade acadêmica quando resultados de pesquisa desagradam. Nós, da UFRJ,
seguiremos em nossa missão social de contribuir para a solução de problemas da
nossa sociedade. Assim, conclamamos a população brasileira a permanecer
vigilante em defesa da ciência livre, sem censura e com recursos necessários,
fundamental para o desenvolvimento econômico, social e político de nosso país e
para garantir a soberania nacional.
*Roberto Medronho é reitor da Universidade
Federal do Rio de Janeiro
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