sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Câmara de Deputados - Mais do mesmo

• Futura Câmara de Deputados deve ter renovação de apenas 35%, mas fragmentação partidária será maior

Diego Viana – Valor Econômico – Eu & Fim de Semana

SÃO PAULO - Enquanto pesquisas para os principais cargos do Poder Executivo são divulgadas quase diariamente e acompanhadas com avidez, pouco se veem projeções para a composição do Poder Legislativo. Mas o Instituto Análise acaba de realizar um levantamento que prevê quais candidatos, entre os 7.138 inscritos em todo o Brasil, conseguirão se eleger e quais ficarão para trás. A projeção foi feita graças à regularidade na formação das bancadas ao longo do tempo. A taxa de acerto esperada pelos realizadores da pesquisa fica entre 80% e 90%, segundo Gerson Jorio, responsável pela condução do levantamento.

A renovação da Câmara dos Deputados projetada é de cerca de 35%, em linha com a média das eleições anteriores. Dos 391 atuais deputados que buscam se reeleger, uma ampla maioria deverá conseguir, muito provavelmente acima de 70%. Segundo o instituto, a votação de um deputado tende a variar muito pouco em relação à eleição anterior, porque os mecanismos que determinam o sucesso eleitoral para o Legislativo já estão estabelecidos. Como resultado, os novos deputados deverão ser cerca de 180.

Entre os 391 candidatos à reeleição, um que provavelmente será bem-sucedido é o parlamentar do PR-SP Francisco Everardo Oliveira Silva, mais conhecido como Tiririca, que durante seu mandato chegou a manifestar desilusão com a política. Em 2010, o palhaço foi o candidato com a maior votação entre os postulantes a uma vaga na Câmara dos Deputados em todas as unidades da Federação, com 1,35 milhão de votos. Um deputado que abre vaga para a entrada de um novo parlamentar pelo Estado do Rio de Janeiro é o outrora craque do futebol Romário, do PSB, que concorre não à reeleição, mas ao Senado. Somando as 122 vagas abertas por deputados que não buscam a reeleição, como Romário, com aqueles que não conseguirão novo mandato, a análise chega aos 35% de taxa de renovação.

Figuras que garantiram polêmicas e manchetes ao longo dos últimos quatro anos deverão confirmar a perenidade de suas cadeiras em Brasília. O psolista Jean Wyllys, do Rio, está cotado para conseguir a vaga novamente, assim como seu correligionário paulista Ivan Valente. Do lado oposto das brigas em torno de direitos humanos vivenciadas ao longo do governo de Dilma Rousseff, o pastor Marco Feliciano (PSC-SP) e o ex-militar Jair Bolsonaro (PP-RJ) também prosseguem na carreira parlamentar.

Outras projeções do Instituto Análise são o ex-presidente do Corinthians Andrés Sanchez, candidato pelo PT-SP, o tucano paulista Bruno Covas, neto do governador Mario Covas, e os também herdeiros políticos Rodrigo Maia (DEM-RJ, filho do ex-prefeito carioca Cesar Maia e ex-líder do PFL na Câmara), Carlos Daudt Brizola (PDT-RJ, ex-ministro do Trabalho e neto de Leonel Brizola) e Clarissa Garotinho (PR-RJ, filha dos ex-governadores fluminenses Anthony e Rosinha Garotinho). A ex-governadora tucana do Rio Grande do Sul Yeda Crusius também aparece na lista.

"Todo mundo gosta de se perguntar sobre a renovação do Legislativo, mas gosto de brincar dizendo que mudam os nomes, mas as pessoas são as mesmas", diz o sociólogo Alberto Carlos Almeida, diretor do Instituto Análise e colunista do Valor. "Nominalmente, há mudanças, mas a estrutura partidária segue preservada." Portanto, o PMDB fluminense deve seguir forte, elegendo 7 deputados, assim como o PSDB paulista, que pode conseguir 11, e o PT do mesmo Estado, 16. Em Pernambuco, Estado do candidato à Presidência Eduardo Campos - que morreu no mês passado -, seu PSB pode obter 5 das 24 cadeiras, mas passar em branco no Estado natal de Marina Silva, o Acre, que elegeria 3 petistas.

Duas dificuldades que apareceram para os pesquisadores foram a Lei da Ficha Limpa e a criação de novos partidos entre 2010 e 2014, sobretudo o PSD de Gilberto Kassab. A Ficha Limpa pode dificultar os cálculos da transferência de votos em coligações, se candidaturas bem colocadas na análise forem, de fato, indeferidas, como pode ocorrer com o ex-governador de São Paulo Paulo Maluf (PP) e a ex-governadora do Distrito Federal Jacqueline Roriz (PMN).

Com os novos partidos, surge a dificuldade de avaliar até que ponto os candidatos arrastarão para o novo partido a votação que tiveram na legenda de que participavam anteriormente. Na estimativa do Instituto Análise, portanto, o PSD surge com uma bancada de 41 deputados, já sendo o quarto maior da Câmara. O PROS figura com 13 nomes, mesmo número atribuído à bancada do Partido Solidariedade.

Com o PSD, chegam a um mandato o candidato a vice-presidente Índio da Costa (RJ) em 2010 e o ex-goleiro gremista Danrlei Hinterholz (RS). O PROS emplaca nomes como Miro Teixeira (RJ), que foi ministro das Comunicações nos governos Fernando Henrique e Lula. Paulinho da Força, fundador do Solidariedade, consegue uma vaga por São Paulo, segundo o Instituto Análise.

Seja qual for o vencedor na corrida presidencial, o quadro que se apresenta, a partir dos dados do instituto, é de dificuldade para a formação de uma maioria coesa e eficaz, com capacidade para fazer avançar a pauta de reformas consideradas necessárias para destravar o desenvolvimento do Brasil. A maior bancada, do PT, terá apenas 91 deputados, para uma maioria simples - aquela que permite vencer votações comuns sem necessidade de atrair votos de oposição - de 257 deputados e uma maioria qualificada (necessária para aprovar emendas constitucionais, com dois terços dos votos da Casa), de 342 nomes.

O sistema eleitoral brasileiro é construído de tal modo, segundo o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, que mudanças radicais na composição do Congresso de uma legislatura para a seguinte são muito improváveis. "Não existe nenhum motivo para que o próximo Congresso seja diferente do atual. Ele continua se elegendo pelos mesmos mecanismos, o recrutamento dos candidatos é o mesmo, os partidos não inovaram e nenhuma bandeira legislativa foi levantada, como seria a reforma política, por exemplo."

Entretanto, Almeida chama a atenção para uma tendência de maior diversidade ou fragmentação na representação partidária na Câmara dos Deputados. O número de "partidos efetivos", índice que mede o grau de fragmentação dos partidos que estão presentes no Parlamento, deverá passar de 10,4 para 11,7, segundo a projeção. Ou seja, o ocupante do Palácio do Planalto a partir de janeiro terá que negociar com mais partidos para formar sua maioria, o que implica custos maiores de transação.

Esse cenário tornará mais difícil a vida do vencedor da disputa de outubro, seja a presidente Dilma Rousseff, sejam seus rivais diretos, Marina Silva (PSB) ou Aécio Neves (PSDB). A tarefa mais difícil seria provavelmente a de Marina, cujo partido deverá contar com apenas 28 dos 513 deputados, o que fará dele apenas a sétima maior bancada. Some-se a isso o fato de que a candidata se juntou à agremiação há apenas cerca de um ano, para disputar a Vice-Presidência, e foi alçada à posição de titular da candidatura com a morte de Campos. Nada garante que sua relação com os correligionários será harmoniosa no momento em que for necessário montar a maioria para governar e distribuir os cargos entre os partidos aliados.

"Marina diz que pretende instituir um novo método de formação de maiorias, governando com os melhores de cada partido", diz Melo. "Mas entre o que um ator político fala e o que de fato ocorre há uma distância muito grande. Até hoje não entendi o que ela quis dizer com isso e como ela vai fazer."

Melo cita também as especulações em torno de um possível realinhamento partidário que Marina terá que operar, caso seja eleita. "Mas em que consistiria esse realinhamento? Ela vai propor a criação de novos partidos? Vai tentar atrair dos partidos consolidados os quadros desses novos partidos?" Líderes políticos, como Tasso Jereissati (PSDB-CE), já afirmaram que os partidos não vão querer liberar seus melhores quadros para o governo Marina, lembra o cientista político.

Para Almeida, Marina poderia precisar recorrer a seu projeto de fundar o Rede Sustentabilidade para conseguir montar sua maioria e evitar o risco de operar com um Congresso majoritariamente hostil. "Ela teria que montar o seu Rede pegando deputados de todos os outros partidos." Naturalmente, essa atitude iria de encontro ao propósito original do Rede Sustentabilidade, que se propunha a introduzir novas práticas e novos rostos na política. "Não tem jeito. Ela tem que operar dentro de um sistema que já funciona. Os sistemas têm uma inércia gigante."

Quanto a Dilma, assim como em seu primeiro mandato, ela assumiria o segundo à frente do maior partido da Câmara, com estimados 91 deputados, e coligado com o segundo maior partido, o PMDB, com seus 67, entre outros partidos da base. Embora a coalizão não seja mais tão confortável quanto parecia ser a supercoalizão que a elegeu em 2010, ainda assim é uma ampla maioria. Por outro lado, a grande base aliada de que dispunha não garantiu tranquilidade à presidente em sua relação com o Legislativo, deixando uma dúvida sobre o que seria necessário para obter essa tranquilidade no segundo mandato.

"A reeleição da presidente Dilma nos colocaria numa situação nova, que chamo de 'presidencialismo de coalizão 4.0'", analisa Melo. A progressão dos tipos de presidencialismo de coalizão em seu olhar segue a regra das relações que se podem estabelecer entre o Executivo e o Legislativo à medida que um partido vai se mantendo no governo.

Na primeira versão, um presidente que entra tendo desalojado um partido rival tem à disposição grande número de cargos públicos para distribuir entre seus aliados, conseguindo formar maioria e ter governabilidade. "No início, o presidente tem lua de mel com o Congresso, que o protege, porque tem interesse nesses cargos. Com isso, forma-se uma maioria e até se conseguem reformas. Fernando Henrique e Lula fizeram isso", diz Melo.

Em seguida, o "presidencialismo de coalizão 2.0" se apresenta ao ocorrer a reeleição: a negociação para a governabilidade já tinha sido feita, os partidos da base aliada querem repactuar. "Só que os inúmeros cargos já foram distribuídos e começam a aparecer as crises", porque as joias da coroa têm de entrar na negociação, a começar pelos postos em empresas estatais. "A situação é acalmada quando se tira espaço de quem perdeu um pouco e se dá espaço a quem ganhou", observa Melo.

A vitória de Dilma em 2010 introduziu o "presidencialismo de coalizão 3.0": não mais simplesmente a reeleição, mas a sucessão sem alternância. Tudo foi distribuído e há cerca de 400 deputados na base de apoio ao governo, querendo ainda mais espaço na gestão. "O Congresso começa a não aprovar algumas medidas provisórias, a derrubar vetos presidenciais e outras coisas complicadas. Por quê? O PMDB não está contente com seis ministérios. O PT não abre mão de 14; o PTB reclama porque não tem o espaço que pretendia; o PSD também quer um ministério..."

"Chega-se à situação de 39 ministérios e ninguém está satisfeito. Acresce-se a isso uma crise econômica: o país não cresce e, com limitações fiscais, faltam recursos para distribuir aos grupos de poder. Resultado? O Congresso começa a aprovar CPIs contra o governo", afirma Melo. Com a reeleição de alguém que sucedeu a um aliado, o mesmo problema persiste. "Dilma não teve lua de mel com o Congresso, como tiveram Fernando Henrique e Lula. Seu primeiro ano foi de demissão de ministros, o que denota um colapso da distribuição dos cargos e um conflito com o Congresso", afirma Melo. "Mas se ela não teve lua de mel no primeiro mandato por que teria no segundo?"

Segundo Almeida, o espaço para reduzir os conflitos entre a presidente e o Poder Legislativo existe, mas está vinculado ao estilo pessoal de negociação da chefe do governo. "Isso vai depender de ela proceder de uma maneira diferente com o mundo político e os parlamentares em particular", diz. "Agradar a esses políticos não é só uma questão de verbas e cargos. A política tem outras moedas de troca", conclui, citando a participação em comitivas presidenciais, visitas aos Estados das bancadas, fotografias em inaugurações de obras e outros agrados. "Tudo isso é relevante para que o mundo político esteja ao seu lado."

Do ponto de vista da composição parlamentar, porém, Almeida vê um aumento no custo das negociações do Executivo com o Legislativo como resultado da fragmentação parlamentar ampliada. "Isso seria ainda mais um motivo para que ela mudasse o estilo pessoal de negociação, recebesse os deputados no Palácio do Planalto, ouvisse suas demandas." A hipótese de que Dilma tentasse governar com maioria menos ampla, dado o custo elevado de manutenção da coalizão formada em 2010, é considerada improvável. Segundo Almeida, o sistema político brasileiro, ao conferir um valor desproporcional ao tempo de TV no cálculo político dos partidos, faz que a base de apoio aos governos, no nível federal como também nos Estados, seja montada com o pensamento voltado não para as necessidades de governar, mas para as alianças que serão montadas no período eleitoral seguinte.

O custo disso está na governabilidade. As coalizões se tornam tão heterogêneas que dificultam a vida dos presidentes e governadores, como ocorreu durante o governo de Dilma até agora. "O caso clássico foi a votação do Código Florestal. A base de apoio do governo era tão ampla que tinha gente dentro que era radicalmente a favor e gente que era radicalmente contra", lembra Almeida.

Já o tucano Aécio Neves, caso consiga ultrapassar suas adversárias e vencer a eleição, assumirá o governo com um partido cuja bancada está enfraquecida (deve eleger, segundo a projeção, 51 deputados) e enfrentando um adversário visceral que é o maior partido da Casa, o PT. "Aécio não teria nenhuma dificuldade em atrair o PMDB e outros partidos para seu governo, mas o preço a pagar certamente seria alto, já que ele começa de posição inferior", nota Melo. "É uma situação diferente da de Fernando Henrique, que assumiu em 1995 com uma bancada considerável, somando PSDB e PFL. Os custos de negociação com esses partidos vão ser maiores, simplesmente."

Ainda assim, o tucano poderá contar com uma vantagem que não está ao alcance de sua adversária petista: o retorno ao "presidencialismo de coalizão 1.0". Com isso, todos os cargos desejados por partidos que poderiam compor a base aliada estarão disponíveis para distribuir. "Mas é bom frisar que isso ocorreria dentro da mesma lógica, do mesmo jogo. Seria o mesmo tipo de coalizão que temos no governo Dilma, e toda a renovação seria pura e simplesmente o fruto da alternância de poder", decreta o cientista político.

De acordo com Almeida, outra vantagem que poderia favorecer a montagem de novo governo tucano seria a proximidade de articuladores políticos qualificados e coesos, isto é, um "lastro partidário", algo que partidos como PSDB e PT possuem, mas falta à campanha de Marina Silva. "Apesar de todas as derrotas do PSDB, o partido possui bons negociadores políticos, como o PT, pessoas afinadas com o pensamento do partido, articuladas e com socialização política comum", na descrição de Almeida. "Já Marina tem excelentes políticos ao seu lado, mas alguns com cabeça de tucano, como Walter Feldman, outros com cabeça de petista, como Mauricio Rands, e outros com cabeça de PSB, como Beto Albuquerque. Isso não dá o mesmo lastro", afirma.

Apesar das reviravoltas ocorridas na eleição presidencial desde que Marina se tornou candidata, a aposta entre os especialistas em política brasileira é de que o impacto do desempenho dos candidatos a presidente sobre a composição do Congresso que sairá das urnas no mês que vem seja ínfimo. Segundo os dados do Instituto Análise, por exemplo, o voto em legendas não passa de 5% do total, e fatores locais são mais decisivos do que os nacionais. Além disso, Melo, do Insper, enfatiza o vínculo muitas vezes fraco entre os partidos e seus candidatos: "Há distância muito grande entre os candidatos e os partidos. O candidato se elege por seu partido, mas poucas vezes existe um compromisso com o programa partidário".

"Existe relativa autonomia entre as eleições majoritárias e as proporcionais", afirma Almeida, dando como exemplo o PT, que comanda o governo há 12 anos, mas tem apenas 20% dos deputados em Brasília. O partido vem, porém, aumentando sua representação parlamentar quase constantemente desde a redemocratização. O PMDB, ao contrário, não tem candidato presidencial há muito tempo, mas continua sendo uma peça central na política brasileira, graças à sua força em municípios e Estados.

Em razão dessa autonomia, nem a perda de ímpeto da candidatura de Aécio deverá ter efeitos significativos sobre a bancada do PSDB - que dos 70 deputados em 2003 chega a 51 em 2015, conforme o levantamento - nem a ascensão de Marina deverá catapultar a bancada do PSB, que elege 28 nomes na projeção do Instituto Análise. Um efeito das dificuldades que os tucanos enfrentam nas eleições majoritárias nacionais se reflete naqueles 122 deputados que não buscam a reeleição. Segundo Almeida, há deputados federais, sobretudo no Estado de São Paulo, que preferem concorrer à Assembleia Legislativa estadual. Em Brasília, esses deputados correm o risco de ficar isolados, não ser recebidos por nenhum ministro e não conseguir entrar em comissões. "Já em São Paulo, certamente as secretarias de governo vão recebê-los e eles podem até mesmo conseguir um cargo nelas."

Os dados do Instituto Análise consistem em projeção estatística, reunindo uma série de variáveis sobre os candidatos, os partidos e as coligações à qual se soma a série histórica, a partir dos dados coletados nas eleições realizadas no Brasil entre 2000 e 2012. Para as eleições de 2014, foram analisadas as chances de cada um dos 7.138 candidatos em todo o país. O levantamento tratou apenas da Câmara dos Deputados, deixando de lado o Senado, por questões de metodologia.




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