A
omissão do governo federal deixou na mão de prefeitos e governadores a tarefa
de tentar socorrer os brasileiros sem emprego e renda a partir deste mês
Nossos
nobres deputados e senadores saíram para suas merecidas férias deixando para
trás a discussão do prolongamento do auxílio emergencial, necessário enquanto
não passa a pandemia da covid-19. Observem que não foram colocadas aspas, na
frase acima, nem em “nobres” nem em “merecidas”. Mesmo assim, talvez o leitor
veja ironia no emprego desses dois adjetivos.
Seja
por culpa do Executivo ou do Legislativo, deixar para depois do recesso uma
discussão tão importante é, no mínimo, um desrespeito à população atingida pela
crise. O auxílio emergencial, que começou em abril com R$ 600 por mês e acabou
em dezembro com R$ 300, foi responsável pela relativa estabilidade do país
durante a pandemia, até agora. Desculpem o catastrofismo, mas sem essa ajuda
seria impossível prever o que teria ocorrido nas ruas e nos supermercados,
diante do desespero e da fome.
O auxílio foi um sucesso porque reduziu a miséria e estimulou o consumo. Mas aumentou a popularidade do presidente, lamentam críticos. Dane-se a popularidade do presidente, embora ele não a mereça, porque atrapalhou e ainda atrapalha o país no combate à doença. Importante é socorrer pessoas que ficaram sem renda, seja lá qual for a consequência política dessa iniciativa.
Ao
adiar sem remorsos a discussão do auxílio para 2021, prevaleceu a tese da
austeridade fiscal, segundo a qual o país não tem recursos para isso. Entendem
teóricos que seria uma irresponsabilidade gastar mais dinheiro com o auxílio
porque estaríamos transferindo às gerações futuras o ônus do enfrentamento da
crise de hoje. Seria bom perguntar a esses teóricos quais serão os reflexos nas
próximas gerações se as atuais forem assoladas pela extrema pobreza.
Os
gastos com o auxílio, dizem os teóricos, teriam impacto na dívida pública,
porque o governo seria obrigado a fazer emissões de moeda e títulos. No meio do
ano passado, esses “falcões fiscais” - expressão usada nos EUA por J. Bradford
DeLong, ex-secretário adjunto do Tesouro - previam que o Brasil terminaria 2020
com a dívida interna próxima de 100% do PIB. Isso seria um desastre, porque
desestimularia os investimentos estrangeiros no país. Mas a previsão falhou. A
relação deve ficar abaixo de 90% do PIB, mesmo depois de o governo ter gastado
mais de R$ 600 bilhões com a pandemia, sendo R$ 300 bilhões com o auxílio.
Sim,
é um erro buscar no gasto público a salvação para a atual crise. Mas tampouco
se pode buscá-la no corte de despesas. Trata-se de uma situação
excepcionalíssima que, aqui e em qualquer outro lugar, exige decisões
excepcionais. É inegável que o auxílio emergencial teve e terá, se for
prorrogado, impacto positivo no consumo e na produção, o que tende a melhorar a
relação dívida/PIB, preocupação-mor dos falcões. Segundo DeLong, “a lição mais
importante [da atual crise] que ainda não foi absorvida é que, em uma economia
profundamente deprimida, os empréstimos e gastos do governo aumentam a
prosperidade de curto e longo prazo do país”. Por isso, esses gastos mais
expandem a capacidade fiscal do que aumentam o peso da dívida.
A
continuidade do auxílio emergencial, no Brasil, esbarraria em limitações
constitucionais relativas a gastos da União e isso obrigaria o Congresso a
votar a extensão do Orçamento de Guerra, que vigorou até 31 de dezembro. E daí?
Que seja votada. Afinal, a ameaça de calamidade pública continua, porque os
índices de infecção e morte pela covid-19 crescem de forma assustadora e a
vacina, por causa de incompetências, ainda é um sonho no país. E, segundo o
líder do Governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), não houve “nenhuma
iniciativa, de qualquer parte [antes do recesso] para que se prorrogasse ou se
renovasse o Orçamento de Guerra”.
Lá
no norte, porém, num dos países mais ricos do mundo, os parlamentares dos
Estados Unidos fizeram a lição de casa antes do fim de ano. Aprovaram um pacote
de ajuda equivalente a R$ 4,7 trilhões (US$ 900 bilhões) para o combate à
pandemia. Embora tenha recursos de apenas 40% do pacote anterior, baixado no
início da pandemia, o novo conjunto de medidas atende a variados setores da
economia. Dá um bônus de US$ 600, que ainda pode ser aumentado para US$ 2 mil,
a quem ganha até US$ 75 mil por ano; US$ 300 adicionais por semana durante 11
semanas aos desempregados; US$ 325 bilhões em empréstimos para pequenas
empresas, sendo US$ 284 bilhões “perdoáveis” se o dinheiro for empregado para
pagar salários, aluguéis e outros gastos primordiais; US$ 100 por semana a
empreendedores individuais; US$ 69 bilhões para a distribuição de vacinas
contra o coronavírus; US$ 22 bilhões para programas de testagem nos Estados;
US$ 13 bilhões para assistência nutricional; US$ 7 bilhões para acesso à banda
larga; US$ 45 bilhões para agências de transporte e trânsito; e US$ 25 bilhões
em ajuda para aluguel.
Um
pacote desse é de dar água na boca. Inclui bilhões em crédito direcionado a
empresas, em especial a pequenas, apoio também suspenso aqui pelo BC desde o
dia 1º. A omissão do governo federal deixou na mão de prefeitos e governadores
a tarefa de tentar socorrer os brasileiros sem emprego e renda a partir deste
mês.
Claro
que um pacote brasileiro similar ao americano não teria tamanha dimensão. Mas a
pergunta que fica no ar é: por que os americanos já têm e o Brasil ainda não
tem medidas para combater os estragos sociais da segunda onda da covid-19 e
iniciamos 2021 sem sequer discutir o tema nas áreas oficiais?
Para a resposta, vale pedir ajuda aos universitários, ou melhor, aos pré-universitários que vão fazer o Enem. Escolham uma das opções: a) o povo americano é, de fato, mais necessitado que o nosso e não tem como atravessar a pandemia sem ajuda do governo; b) as autoridades americanas são mais irresponsáveis do que as nossas e põem em risco as gerações futuras gastando trilhões para atender e tentar salvar a geração presente; c) os EUA podem gastar com o auxílio porque têm uma situação fiscal mais confortável do que a nossa (relação dívida/PIB é de 106% e a do Brasil, de 89%); d) nossos teóricos são mais competentes que os deles para evitar desastres fiscais; e) nossas autoridades são mais realistas; f) nenhuma das anteriores.
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