terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Murillo Camarotto - Quando fevereiro chegar

- Valor Econômico

Janeiro sem auxílio emergencial será dramático

Chamar apenas de “atípico” o ano que se encerrou exige bastante boa vontade com o tsunami que varreu o mundo. Varreu não, ainda varre, se considerarmos o horizonte até onde a vista alcança em 2021. Sem as grandes celebrações da virada do calendário - apesar do próspero desdém ao confinamento -, aquele tradicional sentimento de renovação ficou sensivelmente prejudicado.

A pandêmica sensação de continuidade ganha contornos mais preocupantes em um Brasil sem vacina, sem emprego e sem governo. A ameaça de que a segunda onda da covid-19 venha a superar a primeira pode se materializar já em janeiro, como consequência das diversas aglomerações flagradas em todo o país na reta final de 2020. Já nos primeiros dias do “ano novo”, chegaremos aos 200 mil mortos.

É nesse cenário que dezenas de milhões de brasileiros vão olhar para a cara de 2021 sem saber de onde tirar o sustento. Temerário fazer previsões sobre o efeito social do primeiro mês sem o oportuno auxílio emergencial, mas é plausível dizer que será dramático. Explosão da violência, saques, arrastões, tudo o que foi incluído no cardápio de temores no início da pandemia estará de volta ao rol de possibilidades.

Janeiro, pelo menos, também será o mês do início da vacinação. Será? Pela segunda vez consecutiva, o Instituto Butantan adiou a apresentação dos resultados dos testes referentes à Fase 3 da já famosa Coronavac. A data da submissão do material à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), anunciada inicialmente para 16 de dezembro, já passou para a primeira semana de janeiro.

Ainda sem esclarecer os motivos, a farmacêutica chinesa Sinovac, que desenvolve a vacina em parceria com o Butantan, pediu na última hora para que os dados referentes à eficácia não fossem divulgados. A cautela e as interrupções nos procedimentos são comuns nesse tipo de processo, mas a angústia da pandemia e a onda de desinformação levam muita gente a suspeitar de tudo.

Na sua live do Natal, o presidente Jair Bolsonaro fez força para não tripudiar sobre a suspensão do anúncio da Coronavac. Deu a entender que teve acesso aos resultados dos testes e insinuou que seriam decepcionantes - ao menos para quem quer se vacinar. Mas o mandatário segurou a tentação e não falou em números.

Quando receber os estudos, a Anvisa ainda levará pelo menos uma semana para autorizar o uso emergencial da vacina. Concedido o aval, mais alguns dias para o início de um programa de imunização que, infelizmente, será bem mais lento do que gostaríamos. Mesmo em países onde a vacinação já começou, como no Reino Unido, por exemplo, o ritmo ainda está muito abaixo do esperado.

A imunização de um contingente representativo de pessoas só vai engrenar quando as vacinas obtiverem o registro definitivo por parte das autoridades sanitárias internacionais.

Claro que quando o primeiro braço for furado no Brasil, quase todo mundo vai se permitir algum alento, mas a realidade vai se impor em um processo demorado, estressante e, possivelmente, judicializado. Isso pelo simples fato de que as doses asseguradas até agora pelo Ministério da Saúde não são suficientes para proporcionar o que todo mundo realmente quer: vida normal.

No meio disso, janeiro ainda reserva a campanha pelo comando do Congresso. Difícil calcular o efeito da segunda onda de coronavírus, da miséria e do desemprego galopante nas negociações para a sucessão no Parlamento. A priori, há um sentimento de que uma crise muito aguda tende a pressionar mais o deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato governista à presidência da Câmara.

O atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) para a sua cadeira, em uma - agora sim - atípica aliança, que vai do PCdoB ao PSL, passando pelo PT e pelo DEM.

Maia terá a seu favor as reiteradas manifestações que fez em defesa da interrupção do recesso parlamentar, período que poderia ser aproveitado, por exemplo, para a votação da PEC Emergencial e para a discussão de algum tipo de reforço nos programas sociais de distribuição de renda. Lira, que foi contra a suspensão do recesso, pode se ver forçado a defender algum tipo de auxílio extraordinário aos mais pobres para fisgar votos mais à esquerda.

O pragmático ajuntamento anti-Bolsonaro vai enfrentar a ala mais fisiológica da Câmara, interessada em continuar abocanhando, aos poucos, carnes mais nobres da administração federal. Esse segundo bloco, se vitorioso, pode ajudar Bolsonaro a ampliar os gastos públicos, no que pode vir a ser o golpe fatal na paciência do ministro da Economia, Paulo Guedes, cujas ideias encontram maior ressonância em parte do grupo liderado por Maia.

Marcadas para fevereiro, as eleições da Câmara e do Senado ocorrem uma semana antes da promessa de entrega do primeiro lote com 1 milhão de doses da vacina de Oxford, a “preferida” do governo, desenvolvida em parceria com o laboratório AstraZeneca e com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Em reunião com senadores, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse que eram esperadas 24,5 milhões de doses de vacina em janeiro - 15 milhões da AstraZeneca/Oxford/Fiocruz. Uma representante da Fiocruz apresentou números bem mais modestos, também em encontro virtual com parlamentares.

Pazuello fala em pouco mais de 90 milhões de doses disponíveis até o fim de março. Isso representa a possibilidade de imunizar cerca de 40 milhões de brasileiros - já considerando as perdas comuns a todos os programas de vacinação. Parido às pressas após pressões vindas do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU), o plano de imunização do governo previa inicialmente a vacinação para março. Pazuello depois mencionou dezembro, em seguida janeiro. Também decidiu comprar a Coronavac, depois desistiu, mas voltou atrás.

Confrontado recentemente com uma lista de compromissos não entregues em seus dois primeiros anos como super ministro, Paulo Guedes ficou irritado e garantiu que, daqui em diante, não prometerá mais nada. Poderia sugerir o mesmo ao atípico colega da pasta da Saúde, que terá que dizer a que veio antes de fevereiro chegar.

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