Janeiro
sem auxílio emergencial será dramático
Chamar apenas de “atípico” o ano que se encerrou exige bastante boa vontade com o tsunami que varreu o mundo. Varreu não, ainda varre, se considerarmos o horizonte até onde a vista alcança em 2021. Sem as grandes celebrações da virada do calendário - apesar do próspero desdém ao confinamento -, aquele tradicional sentimento de renovação ficou sensivelmente prejudicado.
A
pandêmica sensação de continuidade ganha contornos mais preocupantes em um
Brasil sem vacina, sem emprego e sem governo. A ameaça de que a segunda onda da
covid-19 venha a superar a primeira pode se materializar já em janeiro, como
consequência das diversas aglomerações flagradas em todo o país na reta final
de 2020. Já nos primeiros dias do “ano novo”, chegaremos aos 200 mil mortos.
É nesse cenário que dezenas de milhões de brasileiros vão olhar para a cara de 2021 sem saber de onde tirar o sustento. Temerário fazer previsões sobre o efeito social do primeiro mês sem o oportuno auxílio emergencial, mas é plausível dizer que será dramático. Explosão da violência, saques, arrastões, tudo o que foi incluído no cardápio de temores no início da pandemia estará de volta ao rol de possibilidades.
Janeiro,
pelo menos, também será o mês do início da vacinação. Será? Pela segunda vez
consecutiva, o Instituto Butantan adiou a apresentação dos resultados dos
testes referentes à Fase 3 da já famosa Coronavac. A data da submissão do
material à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), anunciada
inicialmente para 16 de dezembro, já passou para a primeira semana de janeiro.
Ainda
sem esclarecer os motivos, a farmacêutica chinesa Sinovac, que desenvolve a
vacina em parceria com o Butantan, pediu na última hora para que os dados
referentes à eficácia não fossem divulgados. A cautela e as interrupções nos
procedimentos são comuns nesse tipo de processo, mas a angústia da pandemia e a
onda de desinformação levam muita gente a suspeitar de tudo.
Na
sua live do Natal, o presidente Jair Bolsonaro fez força para não tripudiar
sobre a suspensão do anúncio da Coronavac. Deu a entender que teve acesso aos
resultados dos testes e insinuou que seriam decepcionantes - ao menos para quem
quer se vacinar. Mas o mandatário segurou a tentação e não falou em números.
Quando
receber os estudos, a Anvisa ainda levará pelo menos uma semana para autorizar
o uso emergencial da vacina. Concedido o aval, mais alguns dias para o início
de um programa de imunização que, infelizmente, será bem mais lento do que
gostaríamos. Mesmo em países onde a vacinação já começou, como no Reino Unido,
por exemplo, o ritmo ainda está muito abaixo do esperado.
A
imunização de um contingente representativo de pessoas só vai engrenar quando
as vacinas obtiverem o registro definitivo por parte das autoridades sanitárias
internacionais.
Claro
que quando o primeiro braço for furado no Brasil, quase todo mundo vai se
permitir algum alento, mas a realidade vai se impor em um processo demorado,
estressante e, possivelmente, judicializado. Isso pelo simples fato de que as
doses asseguradas até agora pelo Ministério da Saúde não são suficientes para
proporcionar o que todo mundo realmente quer: vida normal.
No
meio disso, janeiro ainda reserva a campanha pelo comando do Congresso. Difícil
calcular o efeito da segunda onda de coronavírus, da miséria e do desemprego
galopante nas negociações para a sucessão no Parlamento. A priori, há um
sentimento de que uma crise muito aguda tende a pressionar mais o deputado
Arthur Lira (PP-AL), candidato governista à presidência da Câmara.
O
atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou o deputado Baleia
Rossi (MDB-SP) para a sua cadeira, em uma - agora sim - atípica aliança, que
vai do PCdoB ao PSL, passando pelo PT e pelo DEM.
Maia
terá a seu favor as reiteradas manifestações que fez em defesa da interrupção
do recesso parlamentar, período que poderia ser aproveitado, por exemplo, para
a votação da PEC Emergencial e para a discussão de algum tipo de reforço nos
programas sociais de distribuição de renda. Lira, que foi contra a suspensão do
recesso, pode se ver forçado a defender algum tipo de auxílio extraordinário
aos mais pobres para fisgar votos mais à esquerda.
O
pragmático ajuntamento anti-Bolsonaro vai enfrentar a ala mais fisiológica da
Câmara, interessada em continuar abocanhando, aos poucos, carnes mais nobres da
administração federal. Esse segundo bloco, se vitorioso, pode ajudar Bolsonaro
a ampliar os gastos públicos, no que pode vir a ser o golpe fatal na paciência
do ministro da Economia, Paulo Guedes, cujas ideias encontram maior ressonância
em parte do grupo liderado por Maia.
Marcadas
para fevereiro, as eleições da Câmara e do Senado ocorrem uma semana antes da
promessa de entrega do primeiro lote com 1 milhão de doses da vacina de Oxford,
a “preferida” do governo, desenvolvida em parceria com o laboratório
AstraZeneca e com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Em
reunião com senadores, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse que eram
esperadas 24,5 milhões de doses de vacina em janeiro - 15 milhões da
AstraZeneca/Oxford/Fiocruz. Uma representante da Fiocruz apresentou números bem
mais modestos, também em encontro virtual com parlamentares.
Pazuello
fala em pouco mais de 90 milhões de doses disponíveis até o fim de março. Isso
representa a possibilidade de imunizar cerca de 40 milhões de brasileiros - já
considerando as perdas comuns a todos os programas de vacinação. Parido às
pressas após pressões vindas do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de
Contas da União (TCU), o plano de imunização do governo previa inicialmente a
vacinação para março. Pazuello depois mencionou dezembro, em seguida janeiro. Também
decidiu comprar a Coronavac, depois desistiu, mas voltou atrás.
Confrontado recentemente com uma lista de compromissos não entregues em seus dois primeiros anos como super ministro, Paulo Guedes ficou irritado e garantiu que, daqui em diante, não prometerá mais nada. Poderia sugerir o mesmo ao atípico colega da pasta da Saúde, que terá que dizer a que veio antes de fevereiro chegar.
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