terça-feira, 5 de janeiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A ideologia que cerca os vetos de Bolsonaro – Opinião | O Globo

Manter gastos da Defesa e permitir cortes em vacinas ou no Meio Ambiente é retrato fiel deste governo

Nada há de errado quando um presidente veta projetos legislativos de acordo com suas crenças. É um poder garantido pela Constituição, que Jair Bolsonaro tem o direito de exercer segundo a ideologia que o conduziu à vitória eleitoral. Problema existe se ela for o único guia das decisões, já que nenhuma ideologia jamais será capaz de acomodar as circunstâncias e sutilezas da realidade. No caso de Bolsonaro, a caneta presidencial se transformou num veículo para a expressão exclusiva de seus rancores e pendores.

Se a véspera de Natal já havia trazido presentes a militares e policiais condenados ou a invasores de terras públicas na Amazônia, o recesso de Ano Novo deu espaço a novas manifestações dessas inclinações. Na sanção da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Bolsonaro protegeu os programas de construção de submarinos e de compra de aviões cargueiros militares. Deixou sem blindagem a cortes os recursos para ações contra o desmatamento e queimadas em propriedades ilegais. Também retirou a proteção a contingenciamentos das verbas destinadas a vacinas para a Covid-19.

É frágil a defesa do veto na Saúde feita pelo Ministério da Economia com base na disciplina fiscal. Não só ignora a tragédia histórica representada pela pandemia, como também que já existe uma MP que libera R$ 20 bilhões para a imunização, assinada pelo próprio presidente sem qualquer constrangimento de ordem financeira. Para não falar que a única alternativa para resgatar a economia dos escombros da pandemia é a vacinação em massa.

Entende-se que a matemática conspira contra o governo. O Orçamento deste ano é de R$ 1,5 trilhão, 95% do total engessado. O Planalto tem menos de R$ 100 bilhões para gerir. Enquanto o teto constitucional será reajustado em 2,1%, apenas o aumento de 5,26% concedido ao salário mínimo implicará um corte próximo de R$ 20 bilhões nas despesas.

De dois em dois meses, a Junta de Execução Orçamentária avaliará se o nível de arrecadação exige contingenciamento, colocando despesas na antessala do corte. Na aprovação da LDO, o Congresso relacionou 58 itens para proteger dessa ameaça. É sobre eles que incidem os vetos de Bolsonaro.

A proteção ao Ministério da Defesa deixa as Forças Armadas livres de apertos orçamentários, independentemente da situação da economia. O combate à devastação do meio ambiente, ao contrário, poderá sofrer cortes. Idem para as verbas destinadas à compra e distribuição de vacinas. Bolsonaro dá mais um alento a desmatadores e grileiros, parte de sua base política, e põe em risco recursos essenciais para a saúde e a recuperação econômica.

Nada justifica que essas despesas vitais sejam postas em risco por um governo que, além de tudo, empurra com a barriga as reformas essenciais para retirar as contas públicas do aperto. Se o presidente tem todo o direito de agir de acordo com suas convicções ideológicas, cabe ao Congresso o dever de respeitar a realidade derrubando os vetos.

Censo das vacinas proposto pelo Ministério da Saúde é bem-vindo – Opinião | O Globo

Autoridades querem saber por que índices de imunização no país despencaram nos últimos anos

Nos últimos anos, os índices de vacinação no Brasil vêm despencando. Das 15 vacinas que fazem parte do calendário infantil, metade não atinge as metas desde 2015. O ano passado registrou números pífios. Levantamento feito em outubro mostrou que a imunização pela BCG alcançou apenas 64% do público-alvo (crianças), e a do rotavírus, 68%, quando deveriam superar os 90%. É verdade que, com a pandemia do novo coronavírus, esses índices caíram no mundo todo. Mas o fenômeno é anterior à Covid-19.

É, portanto, bem-vinda a decisão do Ministério da Saúde de, no momento em que o Brasil se prepara para a vacinação contra a Covid-19, levar a campo o primeiro censo de vacinas após 14 anos. O objetivo da pesquisa, que numa primeira fase será feita com 3 mil crianças nas capitais, é avaliar não só como anda a cobertura vacinal, mas descobrir por que a população não vai mais aos postos com a regularidade de antes, apesar de o país ter um programa de imunização que já foi referência.

Muitos fatores podem explicar o retrocesso. Movimentos antivacina e campanhas de desinformação são uma realidade, não só no Brasil. É preciso levar em conta também a passividade dos governos, que muitas vezes esperam o comparecimento espontâneo aos postos, em vez de levar as doses a pontos de grande circulação, como estações de transporte. É, por fim, inegável a acomodação da população em relação a moléstias que não assustam tanto quanto no passado, caso da poliomelite. Tudo isso abre caminho ao ressurgimento de doenças já erradicadas do país, como o sarampo.

Conhecer os motivos que jogam para baixo os índices de vacinação é importantíssimo. Mas de nada adiantará o esforço, se a autoridade máxima da República se empenha em semear desconfiança sobre vacinas, em particular as recém-criadas contra a Covid-19.

Enquanto mais de 30 países já vacinam suas populações, e diversos líderes mundiais assumem os primeiros lugares na fila para dar exemplo, o presidente Jair Bolsonaro não perde a chance de sabotar a vacina. Vocifera contra a obrigatoriedade — discussão patética diante da letalidade da pandemia —, fala em termo de responsabilidade para quem for se vacinar e insinua efeitos adversos inexistentes ou risíveis, não fossem ditos pelo presidente. Regride-se ao início do século passado, quando houve a Revolta da Vacina.

Paralelamente aos arroubos antivacina de Bolsonaro, caiu o percentual de brasileiros dispostos a se vacinar contra a Covid-19 (de 89% para 73%, segundo o Datafolha). Se a intenção do censo é conhecer os descaminhos que desviam os brasileiros dos postos de vacinação, a pesquisa bem poderia começar pelo Palácio do Planalto.

Incompetência criminosa – Opinião | O Estado de S. Paulo

Restrição de exportação de seringas e agulhas é mais uma trapalhada de um governo dito ‘liberal’

É improvável – mas não impossível para um governo dado a absurdos – que a presença do simpático Zé Gotinha no lançamento do chamado “plano” de vacinação contra a covid-19 do Ministério da Saúde, em meados de dezembro passado, tenha confundido algumas autoridades presentes àquela cerimônia no Palácio do Planalto quanto ao método correto de imunização contra a covid-19. Sempre se soube que as vacinas contra o novo coronavírus são injetáveis.

Portanto, o retumbante fracasso da pasta em adquirir milhões de seringas e agulhas no final do ano passado só pode ser fruto de um misto de incompetência administrativa, negação da realidade e falta de planejamento que marca de forma indelével a atuação do governo de Jair Bolsonaro no combate à pandemia. A própria realização do pregão àquela altura, passados dez longos meses de pandemia, dá a exata medida do descaso do governo federal pelo drama que aflige a Nação.

Convém lembrar que, dos 331 milhões de unidades de seringas e agulhas que o Ministério da Saúde teria de adquirir para dar conta de uma vacinação em larga escala, só houve oferta para 7,9 milhões de kits, número que corresponde a 2,4% da necessidade do País.

Bem a seu feitio, Bolsonaro jogou no colo dos fornecedores a responsabilidade pelo resultado pífio do certame. Entre uma braçada e outra no show aquático que promoveu no litoral de São Paulo, o presidente da República insinuou que os fabricantes de materiais hospitalares, cientes da condição de grande comprador do governo federal, elevaram propositalmente os seus preços. Que Bolsonaro nada conheça de Economia, entre outras matérias, é fato público e notório. Mas que desconheça a lei da oferta e da procura é demais até para seus padrões.

Ainda mais aterrador do que o fracasso na compra de insumos tão básicos quanto seringas e agulhas foi a reação de um governo dito “liberal” a mais uma das trapalhadas do general intendente ora à frente do Ministério da Saúde. A pedido de Eduardo Pazuello, a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia publicou uma portaria no último dia de 2020 restringindo a exportação daqueles materiais. A venda para outros países de seringas e agulhas fabricadas em território nacional passou a depender de uma “licença especial de exportação de produtos para o combate à covid-19”, como já acontece com respiradores, máscaras, luvas e outros equipamentos de saúde que precisam de aval prévio do governo federal para serem exportados.

Durante tempo demasiadamente longo, o governo federal não se planejou para viabilizar um plano nacional de vacinação contra a covid-19 que fosse digno do nome. Jair Bolsonaro jamais quis uma vacina contra o novo coronavírus para os brasileiros. Nas raras vezes em que se manifestou favoravelmente em relação à imunização da população não o fez senão por conveniência política, atento que está aos indicadores de popularidade capturados pelas pesquisas de opinião, uma das poucas coisas capazes de fixar sua atenção.

Diante da inação do Palácio do Planalto, não restava alternativa à indústria de insumos médicos do País a não ser negociar seus produtos com compradores mais previdentes. No Ministério da Saúde está alguém que outra coisa não faz a não ser obedecer cegamente ao chefe. Assim, se Bolsonaro jamais quis uma vacina, por que o titular da pasta haveria de empreender esforços para viabilizá-la? Não causa espanto que Eduardo Pazuello seja o ministro da Saúde mais longevo do governo Bolsonaro desde que a OMS declarou a pandemia de covid-19, há quase um ano.

Não foi por falta de alerta que o governo federal não agiu como se espera de governos minimamente sérios no enfrentamento da pandemia. Não foram raros os avisos das associações que representam a indústria nacional quanto aos riscos de retardar a compra dos insumos que agora levam o governo federal à correria e à restrição de exportações. Agora, o que falta? Confisco?

Enquanto isso, os brasileiros assistem ao início da vacinação em mais de 50 países sem saber quando chegará sua vez.

O poder a qualquer preço – Opinião | O Estado de S. Paulo

Instituições devem se preparar para teatro do absurdo nos EUA não se repetir como farsa aqui

Historiadores e cientistas políticos debaterão por anos se o governo de Donald Trump foi o pior de todos os tempos para os EUA. Mas há pouca dúvida de que foi o mais corrosivo para a democracia americana. A espiral de vandalismo contra a decisão popular que elegeu Joe Biden é a evidência mais do que suficiente disso.

Baseados em nada além de suas próprias alegações, marteladas diariamente nas redes sociais, Trump e seus aliados moveram 61 ações contra os resultados do pleito. Venceram apenas uma e a Suprema Corte rejeitou por duas vezes suas tentativas de anular os resultados.

Em carta aberta, os dez ex-secretários de Defesa vivos, incluindo republicanos proeminentes, como Dick Cheney e Donald Rumsfeld, assim como Mark Esper e Jim Mattis, que serviram na administração Trump, denunciaram tentativas engendradas no Salão Oval para forçar o Departamento de Defesa a declarar “lei marcial” e obrigar os Estados a “refazer” as eleições em que Trump foi derrotado.

O desprezo pelos resultados está se revelando desprezo pelas próprias eleições. Hoje, a Georgia irá às urnas para eleger dois senadores que determinarão a maioria no Senado. No domingo, o Washington Post reportou uma inacreditável conversa por telefone em que Trump pede ao secretário de Estado da Georgia, Brad Raffensperger, que “encontre” votos para os dois candidatos republicanos. Publicamente, Trump já declarou que as eleições na Georgia serão “ilegais e inválidas”, na expectativa de fabricar subsídios para uma anulação por parte do Judiciário, no caso de um resultado desfavorável.

No Congresso, Trump já lançou três cartadas desesperadas e constitucionalmente canhestras. Amanhã, o Parlamento deve certificar os resultados das eleições presidenciais. A sessão conjunta será presidida pelo vice-presidente Mike Pence, cujo papel será exclusivamente o de abrir os envelopes contendo as certificações de cada Estado e convocar os congressistas a oferecer objeções. Mas as milícias trumpistas alegam que o vice-presidente teria poder para invalidar as certificações que julgar suspeitas.

Além disso, qualquer objeção assinada por um deputado e um senador obriga cada uma das Casas a se reunir separadamente para decidir se aceita ou não os votos do Estado em questão. Em tese, se rejeitarem votos suficientes para negar 270 votos dos colégios eleitorais para Biden, caberia ao Congresso escolher o presidente.

A terceira tentativa de sabotagem vem da proposta de alguns senadores republicanos de criar uma comissão para conduzir uma “auditoria emergencial” das eleições questionadas nos Estados.

Todos esses atentados estão fadados ao fracasso. O Judiciário já demonstrou que não cede ao golpe; o Departamento de Defesa declarou que não tem “nenhum papel” na determinação dos resultados das eleições; o vice-presidente não deve participar da farsa; a Câmara tem maioria democrata; e há suficientes senadores republicanos maduros e honestos para rejeitar qualquer manobra no Senado.

Mas o malogro dessas tentativas escancaradas de golpe não significa que elas não terão efeitos corrosivos sobre a democracia do país. Elas aumentarão o clima de desconfiança da população e subsidiarão políticos inescrupulosos, democratas ou republicanos, que queiram futuramente lançar mão de artimanhas. Além disso, o terrorismo de Trump e seus sequazes é autodestrutivo para o seu próprio partido, num momento em que disputa a maioria no Senado e precisa se organizar para lidar com a agenda democrata e as eleições legislativas de 2022.

Sem dúvida as instituições americanas prevalecerão. Mas este momento de aguda degradação deve servir de alerta a democracias mais jovens e menos sólidas, como a do Brasil. Alguém duvida que o “Trump Tropical”, Jair Bolsonaro, está mais do que disposto a “fazer o diabo” e mais um pouco para se manter no poder em 2023? Pelos próximos dois anos, as instituições nacionais precisam se preparar para impedir que a história desse teatro do absurdo nos EUA se repita como farsa no Brasil.

Insensibilidade assustadora – Opinião | O Estado de S. Paulo

Tão espantosa quanto a decisão do governo de João Doria de aumentar a tributação sobre alimentos é sua tentativa de tentar mostrar que o imposto não subiu

Tão espantosa quanto a decisão do governo do Estado de São Paulo chefiado por João Doria de aumentar a tributação sobre alimentos – inclusive os da cesta básica – quando a inflação está se acelerando, os números da pandemia voltam a subir e termina o pagamento do auxílio emergencial para milhões de pessoas é sua tentativa de tentar mostrar que o imposto não subiu. Além de alimentos, também terão a taxação aumentada remédios para aids e câncer e equipamentos para pessoas com deficiência.

Não houve mudança nas alíquotas que podem ser aplicadas àqueles produtos, garante o governo. De fato, não houve. Mas produtos que antes estavam isentos agora serão tributados. Outros passarão a ser taxados com alíquotas maiores. Se isso não é aumento de tributação, não se sabe o que a expressão significa.

Desde que encaminhou à Assembleia Legislativa o projeto de lei de redução linear dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS – como parte do necessário ajuste fiscal –, Doria vem assegurando que não fez nem fará aumento de impostos. “Não fizemos, não estamos fazendo e não faremos”, garantiu, no momento em que o projeto tramitava no Legislativo, no início de outubro, de acordo com nota da administração estadual. A afirmação tem sido repetida por órgãos estaduais, como a Secretaria da Fazenda, depois que o projeto foi transformado em lei.

Mas o fato é que a tributação subiu. De acordo com instituições e associações empresariais, itens como leite, ovos, farinha de mandioca e ração animal, antes isentos, serão tributados a partir de janeiro com alíquota de 4,14%. Suco de laranja e queijos terão sua alíquota aumentada para 13,3%.

Em nota divulgada no fim do ano passado, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) citam o impacto da mudança sobre os preços de alguns itens de peso importante na composição dos principais índices de inflação. O leite longa-vida deve subir 8,4%; as carnes, 8,9%; energia elétrica para estabelecimento rural, 13,6%; e têxteis, couros e calçados, 8,9%. Na área de saúde, elas citam medicamentos para aids e para câncer utilizados na rede privada, que devem ficar 14% mais caros; cadeira de rodas, próteses e equipamentos para pessoas com deficiência devem subir 5%.

Todos os consumidores serão atingidos. Mas alguns o serão mais que outros. No campo da saúde, os portadores de determinadas doenças. No caso dos alimentos, os consumidores mais pobres. Estes últimos têm sido as grandes vítimas do expressivo aumento do preço dos alimentos nos últimos meses. Entre janeiro e novembro do ano passado, o arroz subiu 69,5%, de acordo com dados do IBGE. O feijão subiu 40,8%; as carnes, 13,9%; o leite, 25%; e o óleo de soja, 94,1%. Para os paulistas, alguns desses preços agora terão o impacto da nova tributação decidida pelo governo Doria.

Do ponto de vista político, chega a parecer contraditório que um governo chefiado por um político filiado ao PSDB, como Doria, esteja agora a desfazer o que outro membro do partido – de outra época e de outra formação, é verdade – havia deixado como importante legado social. Foi o governo do PSDB chefiado por Mário Covas, na década de 1990, que teve a iniciativa de criar mecanismos de incentivo fiscal para aliviar o custo da cesta básica.

Do ponto de vista social, a medida do governo Doria seria nociva em qualquer época. Nesta, é triplamente cruel. A aceleração da inflação tem afetado duramente as famílias mais pobres, pois os alimentos têm peso maior nos seus orçamentos do que nos das famílias de renda mais alta. Elas serão também as mais atingidas pelo aumento do ICMS sobre produtos agropecuários.

Além disso, o ônus tributário aparece quando a economia ainda não dá sinais firmes de recuperação e a taxa de desocupação continua a subir. Por fim, os orçamentos familiares ficam mais apertados em São Paulo quando a pandemia recrudesce.

Fiscalismo extremado, insensibilidade social ou cegueira política de um governador que, desde sua posse, demonstra ambições mais amplas?

Conta da calamidade – Opinião | Folha de S. Paulo

Novo ano traz tarefa de retomar ajuste fiscal; vacinação é prioridade absoluta

A decretação de calamidade pública nacional, em 2020, permitiu ao governo ignorar limites legais para a despesa e tomar providências necessárias —nem todas, infelizmente— ao enfrentamento da Covid-19. Não se revogaram, entretanto, as severas restrições orçamentárias do Estado brasileiro.

Pelo contrário: este ano se inicia com a mais dura missão de ajuste fiscal desde que o Plano Real, de 1994, pôs fim ao descontrole inflacionário e permitiu o cotejo de receitas e gastos governamentais.

Antes da pandemia, a situação fiscal já era muito difícil. O setor público teve déficit equivalente a 5,9% do Produto Interno Bruto em 2019, só igualado ou superado pelos de África do Sul e Arábia Saudita entre as principais economias do mundo, reunidas no G-20.

Naquele ano a dívida de União, estados e municípios beirava, pelos critérios do Fundo Monetário Internacional, 90% do PIB —patamar que só tinha paralelo, entre os maiores emergentes, na vizinha Argentina mergulhada na crise.

Depois da escalada de desembolsos com o auxílio emergencial e outras imposições da crise sanitária, os números são mais dramáticos. O endividamento chega aos 100% do PIB na conta do FMI (pelo método do Banco Central, 88% em novembro); estima-se para este ano déficit de 7% (3% se excluídas as despesas com juros) do produto.

Como se não bastasse, o desgoverno de Jair Bolsonaro nem mesmo foi capaz de conseguir a tempo a aprovação do Orçamento de 2021, o que amplia as incertezas.

Em tal cenário, ganha tons bizantinos o debate que se trava em torno da permanência do teto para o gasto federal inscrito na Constituição em 2016 —como se a remoção da norma fosse permitir magicamente a expansão das ações de um governo que depende diariamente de dinheiro emprestado.

Se o teto em breve se tornar inviável, como preveem não poucos especialistas, terá de ser aperfeiçoado ou substituído por outro mecanismo capaz de garantir o reequilíbrio gradual das finanças públicas. Do contrário, a percepção de insolvência fiscal resultará em crise econômica profunda.

De mais óbvio no momento, a retomada rápida da atividade e do emprego é fundamental para facilitar o ajuste e aliviar seus custos sociais —e ela está diretamente vinculada ao sucesso da vacinação contra o novo coronavírus.

Se não alcança o conceito de interesse público, Bolsonaro deveria ao menos pensar na própria sobrevivência política e dar, já com enorme atraso, prioridade orçamentária e gestão profissional à saúde —considerada, nunca com tantos motivos, o maior problema do país pelos brasileiros, com 27% de citações em pesquisa Datafolha.

Xi avança – Opinião | Folha de S. Paulo

Concentração de poderes militares amplia domínio do líder na política da China

Para uma ditadura que há décadas cultiva o mito do pai fundador da pátria, Mao Tsé-Tung (1893-1976), a China comunista apresenta um surpreendente histórico de multiplicidade de instâncias decisórias em sua cúpula política.

Esse foi um legado deixado pelo líder que arquitetou a China atual, que alia abertura capitalista à rigidez do controle estatal da política, Deng Xiapoing (1904-97), sucessor de Mao. Ele buscou despersonalizar o Leviatã chinês para pulverizar lutas intestinas pelo poder.

Entretanto a ascensão de Xi Jinping ao comando do país, em 2012, acompanhando o crescimento exponencial do peso econômico chinês no mundo na década anterior, mudou toda a equação.

Xi buscou expurgar dissensos e acumulou comandos. É secretário-geral do Partido Comunista, presidente e chefe da Comissão Central Militar, ente que controla as Forças Armadas da potência.

Na virada do ano, avançou mais uma casa. A comissão ganhou poderes totais para a formulação da política do setor e para a mobilização de setores da indústria nacional em prol de ações militares. Deixará de ser ouvido, com isso, o Conselho de Estado, órgão máximo do Executivo chinês.

A concentração vai ao encontro da trajetória de Xi, que aos 67 anos já tem seu pensamento entronizado na Constituição do país —e que obteve a revogação do limite de dois mandatos como secretário-geral, invenção de Deng.

Não se trata de um tirano de caricatura, e a China comporta nuances enormes; o endurecimento do regime, porém, é visível. Os jovens pró-democracia de Hong Kong, subjugados em 2020 por uma lei brutal de segurança, que o digam.

Críticos argumentam que centralismo e falta de liberdade política inevitavelmente trarão a ruptura do sistema, a exemplo do que ocorreu na União Soviética. Cabe contrapor que Pequim é próspera e interligada ao mundo como Moscou nunca foi, e Xi virou campeão do multilateralismo numa época em que os EUA se fechavam.

Apesar de toda a sua projeção comercial, os chineses nunca advogaram impor seu regime a ninguém —remetendo a preceitos do milenar império que antecedeu o seu Estado moderno.

A contradição entre prosperidade e totalitarismo poderá cobrar seu preço, mas o protagonismo contínuo da China torna a consolidação de Xi um fenômeno ora aparentemente inexorável.

Prioridades erradas nos vetos de Bolsonaro à LDO – Opinião | Valor Econômico

A saúde da economia depende da vacinação ampla, que Bolsonaro desdenha

Os vetos do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias aprovado pelo Congresso mostram as intenções do governo para 2021 - e elas não são nada boas. A alocação de recursos seguirá, mais uma vez, as prioridades erradas. Depois de criar uma estatal no apagar das luzes de 2020, sem ter avançado praticamente nada no programa de privatizações, Bolsonaro reafirmou sua orientação de dar primazia absoluta aos recursos destinados às Forças Armadas, como se o Brasil não precisasse de defesa de natureza completamente distinta, contra a pandemia mortal do coronavírus.

Como o orçamento é a expressão em recursos de definições políticas, o presidente indicou os setores que estarão sujeitos a eventual contingenciamento, vetando a proteção a eles disposta pelo Congresso. Quase todos os vetos de Bolsonaro envolvem áreas sociais: despesas com saneamento, com a reforma agrária, com a agricultura familiar, ações de combate ao desmatamento e com programas para combater a violência contra as mulheres. Além desses, constam recursos para demarcação de terras e o Programa Mudança do Clima. O veto mais importante é o que recai sobre gastos com ações relacionadas à produção e distribuição de vacinas contra a covid-19.

O argumento principal para os vetos é o da necessidade de liberar recursos para as despesas discricionárias, que no esboço de orçamento cairão abaixo dos R$ 90 bilhões, limiar que analistas apontam como sinal de alerta para problemas para o funcionamento normal da máquina de governo. Técnicos do governo minimizam o fato de que a permissão para contingenciar produção e distribuição de imunizantes terá poucos efeitos práticos, já que as verbas para esse fim são provenientes de créditos extraordinários, não passíveis de suspensão, e que já há uma medida provisória que garante R$ 20 bilhões para essa finalidade.

Resta então explicar porque os vetos permitem contingenciamento de verbas desses projetos e não de outros. Bolsonaro, no fim de 2019, destinou R$ 7,9 bilhões à Emgepron, para a construção de corvetas para a Marinha - o aporte a estatais está fora da regra do teto de gastos. Agora, Bolsonaro criou sua estatal, a NAV Brasil Serviços de Navegação Aérea, vinculada ao Ministério da Defesa, para controle do espaço aéreo brasileiro.

Em plena pandemia, que matou quase 200 mil brasileiros, o presidente, como fez em décadas como deputado, continua privilegiando os gastos com os militares. Entre as despesas definidas como prioritárias, que não podem sofrer interrupção no fluxo de verbas, estão o projeto de submarinos da Marinha, o de monitoramento de fronteiras e o de aquisição de novos caças pela Força Aérea. Na lista estão também, corretamente, os recursos do Fundeb e o piso de atenção básica em saúde.

Se o termo emergência tem algum sentido, é o de obrigar à redefinição das prioridades cotidianas do governo para aquelas nas quais há carência premente, imediata e urgente de atenção. Diante da ameaça da covid-19, não deveria haver de antemão limitações a gastos básicos, porque o que está em jogo são vidas. Por motivos ideológicos, porém, o governo Bolsonaro menospreza tudo: a capacidade de propagação da doença, sua intensidade, as medidas necessárias para restringir sua disseminação e, por incrível que pareça, a eficácia da vacina e a necessidade da própria vacinação em massa. Por isso o Brasil não tem ainda nem vacinas à mão, nem seringas.

Para um presidente que pretende se reeleger, suas ações sabotam os objetivos. Não há como a economia entrar em um passo firme de recuperação sem que o risco da covid-19 esteja bem confinado, pelas medidas indispensáveis de prevenção e pela aplicação em massa de vacinas. É de seu interesse que a economia esteja em um bom embalo em ano eleitoral, algo que ajuda a eleger até presidentes que não tem preparo ou vontade para governar.

Ao completar a metade de um mandato destrutivo, Bolsonaro pode colher à frente uma grave crise. Com fundamentos econômicos suficientes para sustentar uma retomada, o governo terá de se virar com o agravamento da segunda onda da pandemia, já em curso, com o aumento do desemprego e com o fim de um auxilio emergencial que não propôs e que lhe rendeu a melhoria da popularidade nas pesquisas. A saúde da economia depende radicalmente agora da vacinação ampla, que Bolsonaro desdenha. As prioridades do presidente estão completamente fora do lugar.

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