Manter
gastos da Defesa e permitir cortes em vacinas ou no Meio Ambiente é retrato
fiel deste governo
Nada
há de errado quando um presidente veta projetos legislativos de acordo com suas
crenças. É um poder garantido pela Constituição, que Jair Bolsonaro tem o
direito de exercer segundo a ideologia que o conduziu à vitória eleitoral.
Problema existe se ela for o único guia das decisões, já que nenhuma ideologia
jamais será capaz de acomodar as circunstâncias e sutilezas da realidade. No
caso de Bolsonaro, a caneta presidencial se transformou num veículo para a
expressão exclusiva de seus rancores e pendores.
Se
a véspera de Natal já havia trazido presentes a militares e policiais
condenados ou a invasores de terras públicas na Amazônia, o recesso de Ano Novo
deu espaço a novas manifestações dessas inclinações. Na sanção da Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO), Bolsonaro protegeu os programas de construção
de submarinos e de compra de aviões cargueiros militares. Deixou sem blindagem
a cortes os recursos para ações contra o desmatamento e queimadas em
propriedades ilegais. Também retirou a proteção a contingenciamentos das verbas
destinadas a vacinas para a Covid-19.
É frágil a defesa do veto na Saúde feita pelo Ministério da Economia com base na disciplina fiscal. Não só ignora a tragédia histórica representada pela pandemia, como também que já existe uma MP que libera R$ 20 bilhões para a imunização, assinada pelo próprio presidente sem qualquer constrangimento de ordem financeira. Para não falar que a única alternativa para resgatar a economia dos escombros da pandemia é a vacinação em massa.
Entende-se
que a matemática conspira contra o governo. O Orçamento deste ano é de R$ 1,5
trilhão, 95% do total engessado. O Planalto tem menos de R$ 100 bilhões para
gerir. Enquanto o teto constitucional será reajustado em 2,1%, apenas o aumento
de 5,26% concedido ao salário mínimo implicará um corte próximo de R$ 20
bilhões nas despesas.
De
dois em dois meses, a Junta de Execução Orçamentária avaliará se o nível de
arrecadação exige contingenciamento, colocando despesas na antessala do corte.
Na aprovação da LDO, o Congresso relacionou 58 itens para proteger dessa
ameaça. É sobre eles que incidem os vetos de Bolsonaro.
A
proteção ao Ministério da Defesa deixa as Forças Armadas livres de apertos
orçamentários, independentemente da situação da economia. O combate à
devastação do meio ambiente, ao contrário, poderá sofrer cortes. Idem para as
verbas destinadas à compra e distribuição de vacinas. Bolsonaro dá mais um
alento a desmatadores e grileiros, parte de sua base política, e põe em risco
recursos essenciais para a saúde e a recuperação econômica.
Nada
justifica que essas despesas vitais sejam postas em risco por um governo que,
além de tudo, empurra com a barriga as reformas essenciais para retirar as
contas públicas do aperto. Se o presidente tem todo o direito de agir de acordo
com suas convicções ideológicas, cabe ao Congresso o dever de respeitar a
realidade derrubando os vetos.
Censo
das vacinas proposto pelo Ministério da Saúde é bem-vindo – Opinião | O Globo
Autoridades
querem saber por que índices de imunização no país despencaram nos últimos anos
Nos
últimos anos, os índices de vacinação no Brasil vêm despencando. Das 15 vacinas
que fazem parte do calendário infantil, metade não atinge as metas desde 2015.
O ano passado registrou números pífios. Levantamento feito em outubro mostrou
que a imunização pela BCG alcançou apenas 64% do público-alvo (crianças), e a
do rotavírus, 68%, quando deveriam superar os 90%. É verdade que, com a
pandemia do novo coronavírus, esses índices caíram no mundo todo. Mas o
fenômeno é anterior à Covid-19.
É,
portanto, bem-vinda a decisão do Ministério da Saúde de, no momento em que o
Brasil se prepara para a vacinação contra a Covid-19, levar a campo o primeiro
censo de vacinas após 14 anos. O objetivo da pesquisa, que numa primeira fase
será feita com 3 mil crianças nas capitais, é avaliar não só como anda a
cobertura vacinal, mas descobrir por que a população não vai mais aos postos
com a regularidade de antes, apesar de o país ter um programa de imunização que
já foi referência.
Muitos
fatores podem explicar o retrocesso. Movimentos antivacina e campanhas de
desinformação são uma realidade, não só no Brasil. É preciso levar em conta
também a passividade dos governos, que muitas vezes esperam o comparecimento
espontâneo aos postos, em vez de levar as doses a pontos de grande circulação,
como estações de transporte. É, por fim, inegável a acomodação da população em
relação a moléstias que não assustam tanto quanto no passado, caso da
poliomelite. Tudo isso abre caminho ao ressurgimento de doenças já erradicadas
do país, como o sarampo.
Conhecer
os motivos que jogam para baixo os índices de vacinação é importantíssimo. Mas
de nada adiantará o esforço, se a autoridade máxima da República se empenha em
semear desconfiança sobre vacinas, em particular as recém-criadas contra a Covid-19.
Enquanto
mais de 30 países já vacinam suas populações, e diversos líderes mundiais
assumem os primeiros lugares na fila para dar exemplo, o presidente Jair
Bolsonaro não perde a chance de sabotar a vacina. Vocifera contra a
obrigatoriedade — discussão patética diante da letalidade da pandemia —, fala
em termo de responsabilidade para quem for se vacinar e insinua efeitos
adversos inexistentes ou risíveis, não fossem ditos pelo presidente. Regride-se
ao início do século passado, quando houve a Revolta da Vacina.
Paralelamente
aos arroubos antivacina de Bolsonaro, caiu o percentual de brasileiros
dispostos a se vacinar contra a Covid-19 (de 89% para 73%, segundo o
Datafolha). Se a intenção do censo é conhecer os descaminhos que desviam os
brasileiros dos postos de vacinação, a pesquisa bem poderia começar pelo
Palácio do Planalto.
Incompetência criminosa – Opinião | O Estado de S. Paulo
Restrição
de exportação de seringas e agulhas é mais uma trapalhada de um governo dito
‘liberal’
É improvável – mas não impossível para um governo dado a absurdos – que a presença do simpático Zé Gotinha no lançamento do chamado “plano” de vacinação contra a covid-19 do Ministério da Saúde, em meados de dezembro passado, tenha confundido algumas autoridades presentes àquela cerimônia no Palácio do Planalto quanto ao método correto de imunização contra a covid-19. Sempre se soube que as vacinas contra o novo coronavírus são injetáveis.
Portanto,
o retumbante fracasso da pasta em adquirir milhões de seringas e agulhas no
final do ano passado só pode ser fruto de um misto de incompetência
administrativa, negação da realidade e falta de planejamento que marca de forma
indelével a atuação do governo de Jair Bolsonaro no combate à pandemia. A
própria realização do pregão àquela altura, passados dez longos meses de
pandemia, dá a exata medida do descaso do governo federal pelo drama que aflige
a Nação.
Convém
lembrar que, dos 331 milhões de unidades de seringas e agulhas que o Ministério
da Saúde teria de adquirir para dar conta de uma vacinação em larga escala, só
houve oferta para 7,9 milhões de kits, número que corresponde a 2,4% da
necessidade do País.
Bem
a seu feitio, Bolsonaro jogou no colo dos fornecedores a responsabilidade pelo
resultado pífio do certame. Entre uma braçada e outra no show aquático que
promoveu no litoral de São Paulo, o presidente da República insinuou que os
fabricantes de materiais hospitalares, cientes da condição de grande comprador
do governo federal, elevaram propositalmente os seus preços. Que Bolsonaro nada
conheça de Economia, entre outras matérias, é fato público e notório. Mas que
desconheça a lei da oferta e da procura é demais até para seus padrões.
Ainda
mais aterrador do que o fracasso na compra de insumos tão básicos quanto
seringas e agulhas foi a reação de um governo dito “liberal” a mais uma das
trapalhadas do general intendente ora à frente do Ministério da Saúde. A pedido
de Eduardo Pazuello, a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da
Economia publicou uma portaria no último dia de 2020 restringindo a exportação
daqueles materiais. A venda para outros países de seringas e agulhas fabricadas
em território nacional passou a depender de uma “licença especial de exportação
de produtos para o combate à covid-19”, como já acontece com respiradores,
máscaras, luvas e outros equipamentos de saúde que precisam de aval prévio do
governo federal para serem exportados.
Durante
tempo demasiadamente longo, o governo federal não se planejou para viabilizar
um plano nacional de vacinação contra a covid-19 que fosse digno do nome. Jair
Bolsonaro jamais quis uma vacina contra o novo coronavírus para os brasileiros.
Nas raras vezes em que se manifestou favoravelmente em relação à imunização da
população não o fez senão por conveniência política, atento que está aos
indicadores de popularidade capturados pelas pesquisas de opinião, uma das
poucas coisas capazes de fixar sua atenção.
Diante
da inação do Palácio do Planalto, não restava alternativa à indústria de
insumos médicos do País a não ser negociar seus produtos com compradores mais
previdentes. No Ministério da Saúde está alguém que outra coisa não faz a não
ser obedecer cegamente ao chefe. Assim, se Bolsonaro jamais quis uma vacina,
por que o titular da pasta haveria de empreender esforços para viabilizá-la?
Não causa espanto que Eduardo Pazuello seja o ministro da Saúde mais longevo do
governo Bolsonaro desde que a OMS declarou a pandemia de covid-19, há quase um
ano.
Não
foi por falta de alerta que o governo federal não agiu como se espera de
governos minimamente sérios no enfrentamento da pandemia. Não foram raros os
avisos das associações que representam a indústria nacional quanto aos riscos
de retardar a compra dos insumos que agora levam o governo federal à correria e
à restrição de exportações. Agora, o que falta? Confisco?
Enquanto
isso, os brasileiros assistem ao início da vacinação em mais de 50 países sem
saber quando chegará sua vez.
O
poder a qualquer preço – Opinião | O Estado de S. Paulo
Instituições
devem se preparar para teatro do absurdo nos EUA não se repetir como farsa aqui
Historiadores e cientistas políticos debaterão por anos se o governo de Donald Trump foi o pior de todos os tempos para os EUA. Mas há pouca dúvida de que foi o mais corrosivo para a democracia americana. A espiral de vandalismo contra a decisão popular que elegeu Joe Biden é a evidência mais do que suficiente disso.
Baseados
em nada além de suas próprias alegações, marteladas diariamente nas redes
sociais, Trump e seus aliados moveram 61 ações contra os resultados do pleito.
Venceram apenas uma e a Suprema Corte rejeitou por duas vezes suas tentativas
de anular os resultados.
Em
carta aberta, os dez ex-secretários de Defesa vivos, incluindo republicanos
proeminentes, como Dick Cheney e Donald Rumsfeld, assim como Mark Esper e Jim
Mattis, que serviram na administração Trump, denunciaram tentativas engendradas
no Salão Oval para forçar o Departamento de Defesa a declarar “lei marcial” e
obrigar os Estados a “refazer” as eleições em que Trump foi derrotado.
O
desprezo pelos resultados está se revelando desprezo pelas próprias eleições.
Hoje, a Georgia irá às urnas para eleger dois senadores que determinarão a
maioria no Senado. No domingo, o Washington
Post reportou uma inacreditável conversa por telefone em que
Trump pede ao secretário de Estado da Georgia, Brad Raffensperger, que
“encontre” votos para os dois candidatos republicanos. Publicamente, Trump já
declarou que as eleições na Georgia serão “ilegais e inválidas”, na expectativa
de fabricar subsídios para uma anulação por parte do Judiciário, no caso de um
resultado desfavorável.
No
Congresso, Trump já lançou três cartadas desesperadas e constitucionalmente
canhestras. Amanhã, o Parlamento deve certificar os resultados das eleições
presidenciais. A sessão conjunta será presidida pelo vice-presidente Mike
Pence, cujo papel será exclusivamente o de abrir os envelopes contendo as
certificações de cada Estado e convocar os congressistas a oferecer objeções.
Mas as milícias trumpistas alegam que o vice-presidente teria poder para
invalidar as certificações que julgar suspeitas.
Além
disso, qualquer objeção assinada por um deputado e um senador obriga cada uma
das Casas a se reunir separadamente para decidir se aceita ou não os votos do
Estado em questão. Em tese, se rejeitarem votos suficientes para negar 270
votos dos colégios eleitorais para Biden, caberia ao Congresso escolher o
presidente.
A
terceira tentativa de sabotagem vem da proposta de alguns senadores
republicanos de criar uma comissão para conduzir uma “auditoria emergencial”
das eleições questionadas nos Estados.
Todos
esses atentados estão fadados ao fracasso. O Judiciário já demonstrou que não
cede ao golpe; o Departamento de Defesa declarou que não tem “nenhum papel” na
determinação dos resultados das eleições; o vice-presidente não deve participar
da farsa; a Câmara tem maioria democrata; e há suficientes senadores
republicanos maduros e honestos para rejeitar qualquer manobra no Senado.
Mas
o malogro dessas tentativas escancaradas de golpe não significa que elas não
terão efeitos corrosivos sobre a democracia do país. Elas aumentarão o clima de
desconfiança da população e subsidiarão políticos inescrupulosos, democratas ou
republicanos, que queiram futuramente lançar mão de artimanhas. Além disso, o
terrorismo de Trump e seus sequazes é autodestrutivo para o seu próprio
partido, num momento em que disputa a maioria no Senado e precisa se organizar
para lidar com a agenda democrata e as eleições legislativas de 2022.
Sem
dúvida as instituições americanas prevalecerão. Mas este momento de aguda
degradação deve servir de alerta a democracias mais jovens e menos sólidas,
como a do Brasil. Alguém duvida que o “Trump Tropical”, Jair Bolsonaro, está
mais do que disposto a “fazer o diabo” e mais um pouco para se manter no poder
em 2023? Pelos próximos dois anos, as instituições nacionais precisam se
preparar para impedir que a história desse teatro do absurdo nos EUA se repita
como farsa no Brasil.
Insensibilidade
assustadora – Opinião | O Estado de S. Paulo
Tão
espantosa quanto a decisão do governo de João Doria de aumentar a tributação
sobre alimentos é sua tentativa de tentar mostrar que o imposto não subiu
Tão espantosa quanto a decisão do governo do Estado de São Paulo chefiado por João Doria de aumentar a tributação sobre alimentos – inclusive os da cesta básica – quando a inflação está se acelerando, os números da pandemia voltam a subir e termina o pagamento do auxílio emergencial para milhões de pessoas é sua tentativa de tentar mostrar que o imposto não subiu. Além de alimentos, também terão a taxação aumentada remédios para aids e câncer e equipamentos para pessoas com deficiência.
Não
houve mudança nas alíquotas que podem ser aplicadas àqueles produtos, garante o
governo. De fato, não houve. Mas produtos que antes estavam isentos agora serão
tributados. Outros passarão a ser taxados com alíquotas maiores. Se isso não é
aumento de tributação, não se sabe o que a expressão significa.
Desde
que encaminhou à Assembleia Legislativa o projeto de lei de redução linear dos
benefícios fiscais relacionados ao ICMS – como parte do necessário ajuste
fiscal –, Doria vem assegurando que não fez nem fará aumento de impostos. “Não
fizemos, não estamos fazendo e não faremos”, garantiu, no momento em que o
projeto tramitava no Legislativo, no início de outubro, de acordo com nota da
administração estadual. A afirmação tem sido repetida por órgãos estaduais,
como a Secretaria da Fazenda, depois que o projeto foi transformado em lei.
Mas
o fato é que a tributação subiu. De acordo com instituições e associações
empresariais, itens como leite, ovos, farinha de mandioca e ração animal, antes
isentos, serão tributados a partir de janeiro com alíquota de 4,14%. Suco de
laranja e queijos terão sua alíquota aumentada para 13,3%.
Em
nota divulgada no fim do ano passado, a Associação Brasileira de Proteína
Animal (ABPA) e a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec)
citam o impacto da mudança sobre os preços de alguns itens de peso importante
na composição dos principais índices de inflação. O leite longa-vida deve subir
8,4%; as carnes, 8,9%; energia elétrica para estabelecimento rural, 13,6%; e
têxteis, couros e calçados, 8,9%. Na área de saúde, elas citam medicamentos
para aids e para câncer utilizados na rede privada, que devem ficar 14% mais
caros; cadeira de rodas, próteses e equipamentos para pessoas com deficiência
devem subir 5%.
Todos
os consumidores serão atingidos. Mas alguns o serão mais que outros. No campo
da saúde, os portadores de determinadas doenças. No caso dos alimentos, os
consumidores mais pobres. Estes últimos têm sido as grandes vítimas do
expressivo aumento do preço dos alimentos nos últimos meses. Entre janeiro e
novembro do ano passado, o arroz subiu 69,5%, de acordo com dados do IBGE. O
feijão subiu 40,8%; as carnes, 13,9%; o leite, 25%; e o óleo de soja, 94,1%.
Para os paulistas, alguns desses preços agora terão o impacto da nova tributação
decidida pelo governo Doria.
Do
ponto de vista político, chega a parecer contraditório que um governo chefiado
por um político filiado ao PSDB, como Doria, esteja agora a desfazer o que
outro membro do partido – de outra época e de outra formação, é verdade – havia
deixado como importante legado social. Foi o governo do PSDB chefiado por Mário
Covas, na década de 1990, que teve a iniciativa de criar mecanismos de
incentivo fiscal para aliviar o custo da cesta básica.
Do
ponto de vista social, a medida do governo Doria seria nociva em qualquer
época. Nesta, é triplamente cruel. A aceleração da inflação tem afetado
duramente as famílias mais pobres, pois os alimentos têm peso maior nos seus
orçamentos do que nos das famílias de renda mais alta. Elas serão também as
mais atingidas pelo aumento do ICMS sobre produtos agropecuários.
Além
disso, o ônus tributário aparece quando a economia ainda não dá sinais firmes
de recuperação e a taxa de desocupação continua a subir. Por fim, os orçamentos
familiares ficam mais apertados em São Paulo quando a pandemia recrudesce.
Fiscalismo
extremado, insensibilidade social ou cegueira política de um governador que,
desde sua posse, demonstra ambições mais amplas?
Conta da calamidade – Opinião | Folha de S. Paulo
Novo
ano traz tarefa de retomar ajuste fiscal; vacinação é prioridade absoluta
A
decretação de calamidade pública nacional, em 2020, permitiu ao governo ignorar
limites legais para a despesa e tomar providências necessárias —nem todas,
infelizmente— ao enfrentamento da Covid-19. Não se revogaram, entretanto, as
severas restrições orçamentárias do Estado brasileiro.
Pelo
contrário: este ano se inicia com a mais
dura missão de ajuste fiscal desde que o Plano Real, de 1994, pôs fim
ao descontrole inflacionário e permitiu o cotejo de receitas e gastos
governamentais.
Antes
da pandemia, a situação fiscal já era muito difícil. O setor público teve
déficit equivalente a 5,9% do Produto Interno Bruto em 2019, só igualado ou
superado pelos de África do Sul e Arábia Saudita entre as principais economias
do mundo, reunidas no G-20.
Naquele
ano a dívida de União, estados e municípios beirava, pelos critérios do Fundo
Monetário Internacional, 90% do PIB —patamar que só tinha paralelo, entre os
maiores emergentes, na vizinha Argentina mergulhada na crise.
Depois
da escalada de desembolsos com o auxílio emergencial e outras imposições da
crise sanitária, os números são mais dramáticos. O endividamento chega aos 100%
do PIB na conta do FMI (pelo método do Banco Central, 88% em novembro);
estima-se para este ano déficit de 7% (3% se excluídas as despesas com juros)
do produto.
Como
se não bastasse, o desgoverno de Jair Bolsonaro nem mesmo foi capaz de conseguir
a tempo a aprovação do Orçamento de 2021, o que amplia as incertezas.
Em
tal cenário, ganha tons bizantinos o debate que se trava em torno da
permanência do teto para o gasto federal inscrito na Constituição em 2016 —como
se a remoção da norma fosse permitir magicamente a expansão das ações de um
governo que depende diariamente de dinheiro emprestado.
Se
o teto em breve se tornar inviável, como preveem não poucos especialistas, terá
de ser aperfeiçoado ou substituído por outro mecanismo capaz de garantir o
reequilíbrio gradual das finanças públicas. Do contrário, a percepção de
insolvência fiscal resultará em crise econômica profunda.
De
mais óbvio no momento, a retomada rápida da atividade e do emprego é
fundamental para facilitar o ajuste e aliviar seus custos sociais —e ela está
diretamente vinculada ao sucesso da vacinação contra o novo coronavírus.
Se
não alcança o conceito de interesse público, Bolsonaro deveria ao menos pensar
na própria sobrevivência política e dar, já com enorme atraso, prioridade orçamentária
e gestão profissional à saúde —considerada, nunca com tantos motivos, o maior
problema do país pelos brasileiros, com
27% de citações em pesquisa Datafolha.
Xi avança – Opinião | Folha de S. Paulo
Concentração
de poderes militares amplia domínio do líder na política da China
Para
uma ditadura que há décadas cultiva o mito do pai fundador da pátria, Mao
Tsé-Tung (1893-1976), a China comunista apresenta um surpreendente histórico de
multiplicidade de instâncias decisórias em sua cúpula política.
Esse
foi um legado deixado pelo líder que arquitetou a China atual, que alia
abertura capitalista à rigidez do controle estatal da política, Deng Xiapoing
(1904-97), sucessor de Mao. Ele buscou despersonalizar o Leviatã chinês para
pulverizar lutas intestinas pelo poder.
Entretanto
a ascensão de Xi Jinping ao comando do país, em 2012, acompanhando o
crescimento exponencial do peso econômico chinês no mundo na década anterior,
mudou toda a equação.
Xi
buscou expurgar dissensos e acumulou
comandos. É secretário-geral do Partido Comunista, presidente e chefe da
Comissão Central Militar, ente que controla as Forças Armadas da potência.
Na
virada do ano, avançou mais uma casa. A comissão ganhou poderes totais para a
formulação da política do setor e para a mobilização de setores da indústria
nacional em prol de ações militares. Deixará de ser ouvido, com isso, o
Conselho de Estado, órgão máximo do Executivo chinês.
A
concentração vai ao encontro da trajetória de Xi, que aos 67 anos já tem seu
pensamento entronizado na Constituição do país —e que obteve a revogação do
limite de dois mandatos como secretário-geral, invenção de Deng.
Não
se trata de um tirano de caricatura, e a China comporta nuances enormes; o
endurecimento do regime, porém, é visível. Os jovens pró-democracia de Hong
Kong, subjugados em 2020 por uma lei brutal de segurança, que o digam.
Críticos
argumentam que centralismo e falta de liberdade política inevitavelmente trarão
a ruptura do sistema, a exemplo do que ocorreu na União Soviética. Cabe
contrapor que Pequim é próspera e interligada ao mundo como Moscou nunca foi, e
Xi virou campeão do multilateralismo numa época em que os EUA se fechavam.
Apesar
de toda a sua projeção comercial, os chineses nunca advogaram impor seu regime
a ninguém —remetendo a preceitos do milenar império que antecedeu o seu Estado
moderno.
A
contradição entre prosperidade e totalitarismo poderá cobrar seu preço, mas o
protagonismo contínuo da China torna a consolidação de Xi um fenômeno ora
aparentemente inexorável.
Prioridades erradas nos vetos de Bolsonaro à LDO – Opinião | Valor Econômico
A
saúde da economia depende da vacinação ampla, que Bolsonaro desdenha
Os
vetos do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de Lei de Diretrizes
Orçamentárias aprovado pelo Congresso mostram as intenções do governo para 2021
- e elas não são nada boas. A alocação de recursos seguirá, mais uma vez, as
prioridades erradas. Depois de criar uma estatal no apagar das luzes de 2020,
sem ter avançado praticamente nada no programa de privatizações, Bolsonaro
reafirmou sua orientação de dar primazia absoluta aos recursos destinados às
Forças Armadas, como se o Brasil não precisasse de defesa de natureza
completamente distinta, contra a pandemia mortal do coronavírus.
Como
o orçamento é a expressão em recursos de definições políticas, o presidente
indicou os setores que estarão sujeitos a eventual contingenciamento, vetando a
proteção a eles disposta pelo Congresso. Quase todos os vetos de Bolsonaro
envolvem áreas sociais: despesas com saneamento, com a reforma agrária, com a
agricultura familiar, ações de combate ao desmatamento e com programas para
combater a violência contra as mulheres. Além desses, constam recursos para
demarcação de terras e o Programa Mudança do Clima. O veto mais importante é o
que recai sobre gastos com ações relacionadas à produção e distribuição de
vacinas contra a covid-19.
O
argumento principal para os vetos é o da necessidade de liberar recursos para
as despesas discricionárias, que no esboço de orçamento cairão abaixo dos R$ 90
bilhões, limiar que analistas apontam como sinal de alerta para problemas para
o funcionamento normal da máquina de governo. Técnicos do governo minimizam o
fato de que a permissão para contingenciar produção e distribuição de
imunizantes terá poucos efeitos práticos, já que as verbas para esse fim são
provenientes de créditos extraordinários, não passíveis de suspensão, e que já
há uma medida provisória que garante R$ 20 bilhões para essa finalidade.
Resta
então explicar porque os vetos permitem contingenciamento de verbas desses
projetos e não de outros. Bolsonaro, no fim de 2019, destinou R$ 7,9 bilhões à
Emgepron, para a construção de corvetas para a Marinha - o aporte a estatais
está fora da regra do teto de gastos. Agora, Bolsonaro criou sua estatal, a NAV
Brasil Serviços de Navegação Aérea, vinculada ao Ministério da Defesa, para
controle do espaço aéreo brasileiro.
Em
plena pandemia, que matou quase 200 mil brasileiros, o presidente, como fez em
décadas como deputado, continua privilegiando os gastos com os militares. Entre
as despesas definidas como prioritárias, que não podem sofrer interrupção no
fluxo de verbas, estão o projeto de submarinos da Marinha, o de monitoramento
de fronteiras e o de aquisição de novos caças pela Força Aérea. Na lista estão
também, corretamente, os recursos do Fundeb e o piso de atenção básica em
saúde.
Se
o termo emergência tem algum sentido, é o de obrigar à redefinição das
prioridades cotidianas do governo para aquelas nas quais há carência premente,
imediata e urgente de atenção. Diante da ameaça da covid-19, não deveria haver
de antemão limitações a gastos básicos, porque o que está em jogo são vidas.
Por motivos ideológicos, porém, o governo Bolsonaro menospreza tudo: a
capacidade de propagação da doença, sua intensidade, as medidas necessárias
para restringir sua disseminação e, por incrível que pareça, a eficácia da
vacina e a necessidade da própria vacinação em massa. Por isso o Brasil não tem
ainda nem vacinas à mão, nem seringas.
Para
um presidente que pretende se reeleger, suas ações sabotam os objetivos. Não há
como a economia entrar em um passo firme de recuperação sem que o risco da
covid-19 esteja bem confinado, pelas medidas indispensáveis de prevenção e pela
aplicação em massa de vacinas. É de seu interesse que a economia esteja em um
bom embalo em ano eleitoral, algo que ajuda a eleger até presidentes que não
tem preparo ou vontade para governar.
Ao completar a metade de um mandato destrutivo, Bolsonaro pode colher à frente uma grave crise. Com fundamentos econômicos suficientes para sustentar uma retomada, o governo terá de se virar com o agravamento da segunda onda da pandemia, já em curso, com o aumento do desemprego e com o fim de um auxilio emergencial que não propôs e que lhe rendeu a melhoria da popularidade nas pesquisas. A saúde da economia depende radicalmente agora da vacinação ampla, que Bolsonaro desdenha. As prioridades do presidente estão completamente fora do lugar.
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