segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A agenda do Brasil – Opinião | O Estado de S. Paulo

Há muito trabalho a fazer. O tempo vai dizer se Arthur Lira e Rodrigo Pacheco estão à altura do desafio. Jair Bolsonaro, como se sabe, não está.

O País só terá a ganhar com a coordenação de esforços entre os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado para fazer avançar projetos do mais alto interesse público. Tanto melhor seria se a Presidência da República ajudasse. Passada a eleição para as Mesas Diretoras das duas Casas legislativas, é hora de baixar armas, arrefecer tensões políticas e levar adiante a agenda de reformas estruturantes de que tanto o Brasil precisa, e para já.

Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), mostraram disposição inicial de levar adiante essa agenda vital para o País. No dia 3 passado, eles assinaram uma nota conjunta em que selaram o compromisso das duas Casas legislativas com projetos de universalização das vacinas contra a covid-19, de reativação da atividade econômica e de retomada do auxílio emergencial dentro das “possibilidades fiscais” do País. A ver se o presidente Jair Bolsonaro fará sua parte nessa coalizão. Espera-se que, uma vez superada a alegada hostilidade da antiga direção do Congresso, sobretudo da Câmara, à agenda do Planalto, Bolsonaro, enfim, tome gosto pelo trabalho.

Na nota conjunta, Lira e Pacheco afirmaram que farão avançar projetos para agilizar a compra de vacinas, incluindo possíveis alterações no processo de licenciamento. Ambos também se comprometeram a assegurar que os recursos necessários para aquisição dos imunizantes estarão à disposição do Executivo. É mais do que sabido que só uma campanha de vacinação massiva terá o condão de, além de salvar milhares de vidas, destravar a atividade econômica. O SUS tem capacidade e experiência para empreender uma campanha desta envergadura. Resta ao governo adquirir doses na quantidade necessária para um país como o Brasil.

Em pronunciamento após a assinatura do compromisso, o presidente do Congresso afirmou que “as duas Casas estão alinhadas em priorizar as reformas tributária e administrativa, bem como a votação das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) Emergencial, do Pacto Federativo e a que trata dos Fundos Públicos”. É bom saber que os projetos que compõem uma agenda vital para o Brasil estejam no radar da nova cúpula do Legislativo.

O esforço imediato tanto da Câmara como do Senado, de fato, deve estar voltado para a garantia da universalização das vacinas e a análise de viabilidade da extensão do auxílio emergencial. Mas isto não significa que o Congresso possa descuidar das demais reformas, sem as quais não apenas o País permanecerá em estado de crise humanitária, como seus efeitos se agravarão no tempo.

Urge destravar as reformas tributária e administrativa, como bem salientou Rodrigo Pacheco. E uma reforma administrativa que, de fato, reorganize a estrutura do Estado e gere mais eficiência, reduzindo o custo da chamada máquina pública. O que o Executivo propôs no ano passado foi um simulacro de reforma, incapaz de gerar a economia necessária para investimentos públicos em áreas essenciais, como saúde e educação. Responsabilidade fiscal e atenção social, não é demais lembrar, podem e devem andar juntas.

A agenda da educação também não pode ser negligenciada pelo Legislativo. A aprovação do Novo Fundeb foi importantíssima, mas, a rigor, apenas se evitou que a área ficasse sem recursos a partir do início deste ano, o que seria um desastre. É preciso mais do que isso. Bolsonaro, vale lembrar, realizou a façanha de apequenar não só o Ministério da Saúde em meio à pandemia, mas também o da Educação. Impressiona a facilidade com que esse desmonte foi feito sem a devida fiscalização dos demais Poderes.

O Congresso também não poderá se furtar de tratar de projetos voltados à proteção do meio ambiente.

Há muito trabalho a fazer. O tempo vai dizer se Arthur Lira e Rodrigo Pacheco estão à altura do desafio. Jair Bolsonaro, como se sabe, não está.

Gestão patológica – Opinião | O Estado de S. Paulo

Enquanto a vacinação claudica, 8 médicos em 10 reprovam a atuação do Ministério da Saúde.

No início da pandemia era comum ouvir gestores e formadores de opinião suscitando o dilema: salvar vidas ou salvar a economia. Falso ou verdadeiro, o fato é que esse dilema foi pulverizado com o desenvolvimento das vacinas. A vacinação em massa é a um tempo a solução para salvar o maior número de vidas e acelerar a retomada econômica.

Segundo estimativas da consultoria LCA reveladas pelo Estado, na mais otimista das hipóteses, se o Brasil vacinasse num ritmo similar ao de Israel – o país mais avançado na imunização –, cobrindo 70% da população até junho, o PIB poderia crescer até 7,5% neste ano. Se esse patamar for atingido em dezembro, o crescimento deve ficar entre 3% e 3,5%.

Mas mesmo essa hipótese é otimista. A incompetência e a desídia do presidente Jair Bolsonaro e seu intendente no Ministério da Saúde, Eduardo Pazuello – que não apoiam as medidas de prevenção e os tratamentos no sistema de saúde –, são tão virulentas que estão infectando mesmo o sistema de imunização brasileiro, um dos mais reputados do mundo.

A campanha de vacinação no Brasil já começou com atraso, quando mais de 50 países haviam iniciado a imunização. “O que trava a vacinação no Brasil é a inércia do governo federal, que poderia ter comprado mais doses”, disse o fundador da Anvisa, Gonzalo Vecina. Não bastasse a escassez de doses disponíveis, duas semanas depois, somente 22% delas haviam sido aplicadas, e os números revelam disparidades nos ritmos de vacinação no País.

Secretários de Saúde apontam que o número limitado de doses e a falta de clareza sobre o tamanho das remessas dificultam o planejamento. Além do risco de interrupções na vacinação, prejudicando a aplicação tempestiva da segunda dose, a escassez, aliada a falhas de logística, pode provocar o pior dos mundos: a combinação de uma imunização irrisória com a ilusão da imunização, levando muitas pessoas a relaxar as medidas de prevenção. E o pior é que uma nova cepa do vírus, mais contagiosa e possivelmente mais letal, se dissemina pelo País.

O trágico é que à epidemia de covid-19 se sobrepõe uma epidemia de desinformação cujo foco mais deletério é o Palácio do Planalto e cujo exemplo mais emblemático é a campanha pelo tratamento precoce (com cloroquina ou outras drogas), para o qual não há comprovação científica. Recentemente, o presidente do Conselho Federal de Medicina, Mauro Luiz de Britto Ribeiro, acusou aqueles que alertam sobre os riscos desse tipo de campanha de “politizar” a saúde sem conhecimento de causa. Mas uma pesquisa da Associação Médica Brasileira (AMB) mostra que a arrasadora maioria dos médicos (quase 80%) reprova a atuação do Ministério da Saúde.

Entre os quase 4 mil médicos ouvidos pela AMB, 32% se queixam da falta de profissionais; 27%, da falta de diretrizes e orientação; 20%, da falta de leitos; 16%, da falta de materiais de proteção; e 11%, da falta de medicamentos. Não bastasse a exaustão provocada por um combate sem tréguas contra o vírus, mais de 9 entre 10 médicos declaram que seu trabalho é prejudicado por interferências de fake news (do tipo que Bolsonaro promove ostensivamente), como o descrédito da ciência, a dificuldade de os pacientes aceitarem prescrições clínicas, o desprezo às medidas de isolamento ou a pressão para que sejam receitados medicamentos sem eficácia comprovada.

Não à toa, em toda a gestão de Pazuello a aprovação à atuação do Ministério da Saúde se manteve na casa dos 16%, quando à época de Luiz Henrique Mandetta (defenestrado por Bolsonaro justamente por se recusar a adotar protocolos sem comprovação científica) chegou a 72%. O descrédito se traduz em desesperança: se 99% dos médicos acham que deveria haver mudanças na Saúde do Brasil pós-pandemia, 73% não creem que os gestores e autoridades passarão a tratar as fragilidades do sistema de forma mais profissional e prioritária.

Mesmo que o presidente e seu intendente não venham a responder por sua incúria, quando forem convocados pelo inexorável Tribunal da História, não será pela falta de testemunho dos médicos que escaparão à condenação.

A desunião dos EUA – Opinião | O Estado de S. Paulo

Pesquisas revelam ser necessário um exame de consciência para os dois lados da polarização.

Em seu discurso inaugural, Joe Biden reafirmou seu grande tema de campanha: a unidade. Mas se poucos questionam a prioridade dessa missão, menos ainda têm dúvidas sobre o desafio extraordinário que ela comporta. Fora esses consensos, o povo americano está dividido como nunca. Uma compilação das pesquisas do Pew Research Center durante o mandato de Trump mensura estatisticamente essa divisão em áreas capitais: das preferências partidárias às disputas sobre fatos, passando pela desigualdade racial até a valoração das instituições democráticas.

A eleição de Trump em si foi singular: o magnata e entertainer foi o primeiro presidente sem qualquer experiência governamental ou militar. Diferentemente de outros presidentes que, logo após as eleições, buscaram com maior ou menor sinceridade resfriar a luta política, Trump resolutamente a inflamou. “Trump dividiu republicanos e democratas mais do que qualquer outro chefe do Executivo em três décadas”, demonstra a pesquisa.

A aprovação geral de sua gestão nunca excedeu 50% e no final caiu para 29%. Mas, em média, 86% dos republicanos a aprovaram, ante 6% dos democratas. Se em 1994 a disparidade de opiniões entre republicanos e democratas sobre dez “questões fundamentais” – como o papel do governo, proteção ambiental ou segurança nacional – era, em média, de 15%, já no primeiro ano da presidência de Trump ela era mais de duas vezes maior: 36%.

“Uma das poucas coisas em que republicanos e democratas puderam concordar durante o mandato de Trump é que não partilhavam do mesmo conjunto de fatos.” Em 2019, cerca de 3/4 dos americanos disseram que os eleitores dos dois partidos discordavam não só sobre políticas públicas, mas sobre “fatos básicos”. Os dados mostram que ambos os lados “depositaram sua confiança em dois ambientes de mídia praticamente opostos”. A desinformação despontou como uma preocupação cada vez maior: em 2019, metade dos americanos disse que esse é um “grande problema”, proporção maior do que os que disseram o mesmo sobre racismo, imigração ilegal, terrorismo ou sexismo.

Paradoxalmente, se Trump bombardeou a legitimidade das instituições democráticas – da imprensa ao judiciário até o processo eleitoral –, ele teve um efeito galvanizador sobre as eleições: o pleito teve a maior taxa de comparecimento, e Biden e Trump tiveram o primeiro e o segundo maior número de votos da história. Mas a polarização foi aberrante: 8 em 10 eleitores de cada grupo afirmaram discordar do outro não só sobre prioridades políticas, mas sobre “valores e objetivos americanos centrais”.

A pandemia, além de inequivocamente exacerbar as divisões partidárias, agravou a deterioração da imagem dos EUA no mundo que já começara no início do mandato. Entre 13 países (incluindo aliados europeus, Canadá e Japão), apenas 15% da população acredita que os EUA geriram bem a crise, muito abaixo dos que disseram o mesmo sobre a União Europeia, China ou OMS.

As pesquisas revelam uma crise existencial profunda e a necessidade de um exame de consciência para os dois lados da polarização nos EUA – e, vicariamente, em outras nações, como o Brasil, que vivem o mesmo drama.

Se este momento disruptivo foi um espasmo ou será um racha duradouro, dependerá primariamente da disposição dos políticos, do viés de Trump ou do oposto, de afirmar ou não o radicalismo em questões como livre comércio, imigração ou divisão racial. Em janeiro, 68% dos americanos disseram que não gostariam que Trump continuasse a ser uma figura política importante. Alguns republicanos se afastaram, mas muitos ainda o apoiam. Biden, por sua vez, terá de refrear os radicais de seu próprio partido, ansiosos por utilizar a maioria conquistada nas duas Casas para promover um expurgo implacável contra os apoiadores de Trump.

Realisticamente, é mais do que improvável que todas estas fissuras abertas ou aprofundadas sejam reduzidas no curto prazo. Se não se ampliarem, já será um triunfo dos republicanos democráticos e dos democratas republicanos.

Hora da escola – Opinião | Folha de S. Paulo

País tarda em retomar aulas presenciais; tema não pode gerar embate radicalizado

Além de provocar mortes por ações e omissões, a conduta de Jair Bolsonaro na pandemia contribuiu para acirrar a polarização política em debates que deveriam se guiar tão somente pela racionalidade e pelo interesse público. É o caso da volta do ensino presencial.

Diante da situação absurda de um presidente que atenta contra a saúde pública ao condenar o distanciamento social, boicotar vacinas e propagandear falsas curas, as precauções sanitárias tomadas por autoridades e cidadãos responsáveis não raro acabam tomadas como atos de resistência.

Nesse ambiente tóxico, qualquer iniciativa de flexibilização das restrições, mesmo necessária e bem fundamentada, corre mais risco de ser vista com desconfiança, quando não repulsa —e de se tornar motivo de embate radicalizado.

Assim se dá no retorno gradual das atividades escolares no estado de São Paulo, que avança nesta segunda-feira (8) sob a ameaça de uma greve dos professores. Como de hábito, o movimento foi decidido por uma parcela minúscula da categoria, estimada em 5.000 de um total de 190 mil profissionais.

A estratégia de reabertura leva em conta a gravidade da epidemia em cada região do estado e estabelece normas diferentes conforme o tipo de escola (estadual, municipal ou privada). Sempre se podem questionar os critérios, claro, mas o plano observa normas de prudência e situações particulares.

Segundo dados da Unesco, 80% dos países já retomaram aulas presenciais, e o Brasil está entre os que passaram mais tempo sem elas. É evidente que não se trata de medida de fácil execução, dado que o mundo ainda aprende a lidar com os perigos do coronavírus. Nações ricas e pobres, porém, esforçam-se para evitar retrocessos nessa seara.

Não se deve subestimar o dano que tantos meses longe das salas de aula infligem ao aprendizado, sobretudo o dos alunos de famílias carentes e menos escolarizadas —para nem mencionar a perda da merenda e do convívio social.

São compreensíveis os temores de parte dos pais e docentes, mas é descabido encarar a questão como uma disputa entre defensores da vida e governantes insensíveis. A responsabilidade de todos os lados está em minimizar os riscos para a volta da atividade essencial.

Deixem-se a histeria e a mistificação para o irremediável Bolsonaro, a esta altura alvo de investigação preliminar da Procuradoria-Geral da República e de pedidos de impeachment pelo desgoverno da pandemia. O restante do país precisa zelar pela saúde pública e também pela educação de todos.

Bancos em transformação – Opinião | Folha de S. Paulo

Grandes cortam agências; concorrência e tecnologia favorecem os consumidores

É sabido que o sistema financeiro brasileiro está entre os mais concentrados do mundo. Os cinco maiores bancos do país ainda respondem por mais de 80% dos depósitos e empréstimos, além de manterem posição dominante em negócios como seguros e previdência.

Entretanto o padrão de concorrência oligopolista, em que algumas poucas instituições convivem de forma cavalheiresca cobrando caro por seus serviços, tem hoje seu conforto sob ameaça —felizmente.

O cenário muda como nunca antes com o avanço da tecnologia. Novos ingressantes, menores e mais ágeis, criam formas de capturar parcelas cada vez maiores dos negócios. Com forte presença digital e atenção mais eficaz ao consumidor, começam a romper a barreira antes inexpugnável propiciada pela escala das casas tradicionais.

A regulação mais amigável à concorrência, mérito do Banco Central, também exerce um papel. Com inovações como o cadastro positivo, a infraestrutura de pagamentos instantâneos aberta a todos (o Pix) e, em breve, o chamado open banking, multiplicam-se as opções de serviços. Os consumidores ganham poder de barganha, e as paredes erguidas pelos bancos em torno dos serviços de conta-corrente vão se tornando inúteis.

Não é à toa que as cotações das grandes instituições na Bolsa sofrem desde antes da pandemia, enquanto disparam ações de entrantes ancorados no mundo digital.

Os investidores apostam que os incumbentes terão cada vez mais dificuldade para sustentar margens de lucro nos patamares históricos —acima de 20% ao ano no caso dos gigantes privados.

A crise sanitária, além disso, acelerou a bancarização e o uso de tecnologia. Com a corrida pelo auxílio emergencial, entre março e outubro de 2020 cerca de 9,8 milhões de pessoas iniciaram relacionamento com alguma instituição financeira. Mas passou o tempo em que eram necessárias capilaridade e presença física para atrair clientes

Daí o esforço de Bradesco, Itaú e Santander para cortar custos e investir em tecnologia. Apenas no ano passado, os três bancos fecharam mais de 1.500 agências e pontos de atendimento, uma redução de 12% na estrutura. Apenas Bradesco e Santander demitiram mais de 10 mil pessoas no período.

Se alguns fecham agências, outros criam novos postos de trabalho. Mas todos, sem exceção, agora precisam inovar para sobreviver. Abre-se também um novo caminho para de fato democratizar o acesso da população com menores renda e escolaridade ao sistema. Bem-vinda concorrência.

Independência do BC está nas mãos de Arthur Lira – Opinião | Valor Econômico

Novo presidente da Câmara nomeia outro relator para o projeto

Países com bancos centrais independentes costumam ter inflação mais baixa e, consequentemente, economia com taxas de juros menores. Não se trata de coincidência: nas nações onde a autoridade monetária sofre interferência política, o custo de vida é mais alto, logo, o poder de compra da moeda é menor.

O que define a independência ou a autonomia formal (prevista em legislação específica) de um banco central é a fixação de mandatos para o presidente e os diretores da instituição, de preferência não coincidentes com o do presidente da República e durante os quais eles não podem ser demitidos. Hoje, presidente e diretores podem ser dispensados a qualquer momento, por decisão do chefe do Poder Executivo.

A maioria dos países que adotam o regime de metas para inflação tem banco central independente. O Brasil, que opera com esse regime desde meados de 1999, é uma das poucas exceções. O Banco Central (BC) brasileiro nasceu independente, em 1964. Três anos depois, porém, perdeu a autonomia formal, isto é, os diretores passaram a não ter mais mandatos garantidos em lei.

O BC é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia. Sua principal missão institucional, como determina a Constituição federal, é zelar pelo poder de compra da moeda nacional. Como o BC detém o monopólio da emissão de moeda, sua atribuição precípua não poderia ser outra, a não ser controlar a inflação para evitar que a variação altista dos preços reduza o valor da moeda, no caso, o real, diminuindo seu poder de compra.

Dentro do regime de metas para inflação, o Conselho Monetário Nacional (CMN), integrado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento (ambos, atualmente, integram a Pasta da Economia) e o presidente do Banco Central, define o objetivo inflacionário a ser alcançado dois anos à frente pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. O instrumento usado para alcançar a meta é a taxa básica de juros (Selic).

O regime de metas dá maior previsibilidade à gestão monetária. A sua adoção já deu ao BC uma certa autonomia, de caráter informal, uma vez que explicitou seus objetivos e o horizonte relevante da política monetária, portanto, o prazo no qual a meta de inflação estabelecida deve ser alcançada. Ficou mais simples para a sociedade (e não apenas para o mercado) acompanhar o trabalho da autoridade monetária, que passou a atuar de forma muito mais transparente.

Nos governos Fernando Henrique Cardoso (1985-2002), Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Michel Temer (2016-2018), o Banco Central operou com autonomia informal, mas não sem ruídos e alguns momentos de tensão. Na gestão Dilma Rousseff (2011-2016), por decisão deliberada da presidente, a autonomia acabou. Para que ninguém tivesse dúvida de quem mandava no BC, a então presidente chegou a declarar publicamente, na presença do então presidente da instituição, Alexandre Tombini, que não se combate inflação com aumento de juros.

Uma comparação do comportamento da inflação desde o início do regime de metas mostra que o IPCA, o índice oficial desse regime, foi mais alto durante o período em que o Banco Central não teve autonomia para calibrar a taxa de juros e, assim, usá-la no combate à carestia. Em 2015, a inflação chegou a dois dígitos (10,67%), superando em mais de seis pontos percentuais a meta oficial (4,5%).

O atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem dedicado parte de seu tempo a convencer o governo para o qual trabalha e a classe política a aprovar lei que dê independência formal à autoridade monetária. Em novembro, o Senado aprovou projeto com esse objetivo e o entendimento, negociado na ocasião, era o de que o relator da matéria na Câmara, Cássio Maldaner (MDB-SC), adotaria, em sua integralidade, o texto aprovado pelos senadores. Com o acordo, para que a autonomia virasse lei, bastaria o projeto ser aprovado no plenário.

Ontem, porém, o novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu nomear novo relator - Sílvio Costa Filho (Republicanos-SE). Hoje, Lira vai reunir-se com Campos Neto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e Costa Filho, para tratar do tema. Se a mudança do relator representar, também, alteração do teor do projeto de independência, o BC permanecerá sem autonomia, um assunto que tramita no Congresso há mais de 20 anos.

É inverossímil que Bolsonaro queira vender Eletrobras – Opinião | O Globo

Pelo menos um item da relação de projetos entregue pelo presidente Jair Bolsonaro à nova cúpula do Congresso levanta a suspeita de que nem tudo que ali está é para valer: a privatização da Eletrobras. É no mínimo curioso que, não faz muito tempo, o presidente da estatal, Wilson Ferreira Júnior, tenha renunciado ao cargo entre rumores de que entendera não haver chance de a empresa ser privatizada por resistências políticas. Depois, Ferreira Júnior confirmou que sua saída da estatal se devera ao desinteresse do Congresso no assunto, demonstrado desde que o ainda presidente Michel Temer propôs a privatização.

Ferreira Júnior foi nomeado para o comando da Eletrobras por Temer em 2016, com a missão de fazer uma reforma na holding do sistema elétrico para torná-la atraente ao setor privado. Seu trabalho de saneamento recebeu elogios. Conseguiu enfim vender, entre outros negócios, sete distribuidoras deficitárias em seis estados: Piauí, Alagoas, Rondônia, Acre, Roraima e Amazonas. Elas eram usadas como moeda de barganha no clientelismo político que caracteriza o setor elétrico estatal. Todas as empresas foram repassadas por um valor simbólico de R$ 50 mil.

A venda dessas distribuidoras livrou a Eletrobras de uma dívida de R$ 9,3 bilhões e de prejuízos que, em 2017, haviam chegado a R$ 4,2 bilhões. O total de funcionários foi reduzido de 26 mil para menos de 14 mil. Era o ajuste necessário para que a empresa, sob controle privado, pudesse fazer os investimentos proporcionais ao seu tamanho. Ela é responsável por 30% da geração de energia e 45% da transmissão no Brasil. Dispor de recursos para investir é fundamental para garantir o fornecimento de eletricidade do país no futuro.

A lei que autoriza a privatização é debatida desde 2018. Por ser uma holding, ou “empresa-mãe”, o Parlamento precisa aprovar o negócio. Mas fazer isso dando poderes ao Legislativo para interferir na modelagem da venda só contribuiu para gerar conflitos e demora. A economista Elena Landau, que presidiu o conselho da empresa até 2017, argumenta que havia solução bem mais simples. Descrente, Ferreira Júnior aceitou o convite para presidir a BR Distribuidora. Agora, tudo depende de o Centrão e Bolsonaro deixarem.

Entre os partidos, o MDB sempre teve influência na Eletrobras. Há interesses regionais fortes na empresa. Políticos nordestinos têm ascendência sobre a Companhia Elétrica do São Francisco (Chesf), e os mineiros, sobre Furnas. O mineiro Rodrigo Pacheco (DEM), já eleito presidente do Senado, foi questionado sobre a inclusão da venda da Eletrobras na relação de projetos entregue por Bolsonaro ao Congresso. Saiu pela tangente. Respondeu que todos as propostas serão submetidas ao colégio de líderes. Na campanha para presidir o Senado, já dissera que privatização não é prioritária. Bolsonaro já deveria saber.

A venda da empresa é necessária para trazer uma nova dinâmica ao setor elétrico e algum alívio aos cofres públicos. Agora se tornou também um teste das prioridades reais de Bolsonaro nos planos que enviou ao Congresso. Ele nunca demonstrou entusiasmo com as privatizações defendidas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Não faz parte do perfil ideológico de um militar nacionalista reduzir o tamanho do Estado. Ao contrário. Para ele, o Estado precisa ser mantido grande para servir a seus interesses e aos dos aliados.

Golpe em Myanmar alerta para declínio da democracia no mundo – Opinião | O Globo

O golpe de Estado que depôs o governo de Myanmar há uma semana e levou de volta à prisão a ativista e Prêmio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi devolveu o país à lista dos regimes autoritários depois de apenas uma década de democracia (e duas eleições livres). Myanmar só é exceção pela forma do retrocesso: um golpe militar clássico, não o encolhimento gradual de instituições se curvando a autocratas, como na Venezuela, Rússia ou Hungria. O resultado é idêntico, uma democracia a menos, tendência resumida pelo cientista político Larry Diamond na feliz expressão “recessão democrática”.

Os últimos dois relatórios que diagnosticam o estado da democracia no planeta constatam que a pandemia deu oportunidade para ataques aos direitos civis e liberdades individuais. É o caso da Bielorrússia, onde Alexander Lukashenko ainda mantém controle absoluto, apesar dos protestos desde as eleições contestadas de agosto. Ou da China, que endureceu a vigilância sobre os cidadãos e a perseguição aos uigures em Xinjiang. Ou ainda do Sri Lanka, onde o premiê Mahinda Rajapaksa endureceu a agenda autoritária nos últimos seis meses.

“A pandemia de Covid-19 está exacerbando os 14 anos consecutivos de declínio na liberdade”, afirma o relatório da Freedom House lançado em janeiro. Dos 192 países avaliados pela organização, houve declínio da democracia e dos direitos humanos em 80. O índice de democracia global da Economist Intelligence Unit (EIU), publicado na última quarta-feira, corrobora a conclusão. A nota média atingiu o nível mais baixo desde que a avaliação foi criada, em 2006: 5,37. Dos 167 países avaliados pela EIU, a nota caiu em 116. Apenas 23, correspondentes a 8,4% da população global, podem ser considerados democracias plenas.

“O resultado de 2020 ocorreu em boa medida — embora não apenas — por causa das restrições impostas por governos às liberdades individuais como resposta à pandemia do coronavírus”, afirma a EIU. “A crise da governança democrática, tendo começado muito antes da pandemia, deverá continuar depois que a crise sanitária arrefecer, pois as leis e normas que têm sido implantadas serão difíceis de revogar”, diz a Freedom House.

O avanço do autoritarismo não se restringe mais a casos contumazes como Rússia, China, Irã ou Venezuela. A invasão do Capitólio em Washington mostra que nem a democracia mais longeva do planeta está a salvo. E nem tudo é declínio lento e gradual, como mostra o golpe em Myanmar. Nesses dois casos, o pretexto para a violência foi idêntico: acusações fajutas de fraude eleitoral. Só não deu certo nos Estados Unidos, porque as instituições americanas são mais robustas.

No Brasil, os militares têm tradição de apoiar rupturas ao longo da história. O presidente Jair Bolsonaro vive fazendo acusações falsas sobre o sistema eleitoral e já insinuou que aqui poderá ser “pior” que nos Estados Unidos se ele perder em 2022. Para preservar nossa democracia, será preciso ficar de olho.

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