O
longo caminho da agenda de Bolsonaro
Imagine-se em 2022. No auge da campanha, o candidato à reeleição é questionado sobre seus feitos durante o mandato. A pandemia atrapalhou muito os seus planos, mas com a vacinação já avançada, o pior havia ficado para trás. E o mais importante: a economia voltara a crescer.
Além
disso, graças à sua parceria com os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do
Senado, Rodrigo Pacheco, uma ampla agenda de projetos havia sido aprovada,
deixando o país pronto para decolar nos próximos quatro anos.
Aguardada
por décadas, a reforma tributária iniciou um processo de simplificação gradual
de impostos federais, estaduais e municipais, reduzindo bastante a burocracia.
A aliança com o Centrão venceu a resistência das corporações de servidores
públicos e, com o novo pacto federativo e a reforma administrativa, seria
possível começar a colocar as contas em ordem.
Tantas
vezes questionado, Paulo Guedes deu a volta por cima com os novos marcos
regulatórios para os setores de petróleo, gás natural, energia elétrica,
ferrovias e navegação. Um novo ciclo de crescimento, liderado pelo investimento
privado, estava prestes a começar - e a privatização da Eletrobras, anunciada
para os próximos meses, não deixava nenhuma dúvida quanto a isso.
Depois que os principais países do mundo controlaram a covid, em meados de 2021, um incrível “boom” de commodities impulsionou a mineração e o agronegócio brasileiros. Com a simplificação do licenciamento ambiental, a regularização fundiária na Amazônia e a autorização para a extração mineral em terras indígenas, as exportações brasileiras bateram novo recorde. A entrada de dólares no país foi beneficiada pelas novas regras no mercado de câmbio e o novo Banco Central independente.
Mas
não era só na economia que o presidente tinha resultados a entregar aos seus
eleitores. No campo da segurança pública, as forças policiais agora tinham
melhores condições de combater o crime com a exclusão de ilicitude nas
operações para Garantia de Lei e Ordem. Os agentes públicos puderam se proteger
melhor depois que cada um ganhou autorização para adquirir até dez armas de
fogo. Cidadãos de bem, associados aos clubes de colecionadores, atiradores e
caçadores, também foram beneficiados com uma legislação mais permissiva para a
compra de armamento e munição.
Depois
de indicar um ministro terrivelmente evangélico para o Supremo Tribunal
Federal, Bolsonaro e a ministra Damares Alves anunciaram a abertura das
inscrições para o “homeschooling” em 2023. Contra as críticas de que a medida
poderia aumentar o número de crianças abusadas sexualmente, eles citaram as
novas leis que aumentaram as penas e tornaram hediondos os crimes sexuais
contra menores e a pedofilia.
Entre
a intenção e a realidade há uma enorme distância: 513 deputados, 81 senadores e
dezenas de votações em comissões e no plenário das duas casas legislativas.
Soma-se a isso a resistência da opinião pública e de grupos com interesses
divergentes influenciando o jogo.
O
anúncio da agenda prioritária do governo servirá de métrica para indicar se o
novo casamento de Bolsonaro com o Centrão renderá ganhos eleitorais no ano que
vem.
Há
frutos fáceis de serem colhidos. Na área econômica, a autonomia do Banco
Central, os limites mais restritos para o teto remuneratório no serviço público
e a nova lei do gás natural já passaram pelo Senado e estão prontos para serem
votados na Câmara. Trilhando o caminho inverso, as novas normas para a
navegação de cabotagem e para o gás natural aguardam serem pautadas no plenário
do Senado, para daí irem à sanção presidencial.
O
pacote fiscal de Paulo Guedes, porém, mal começou a tramitar. O trio das PECs
emergencial, do novo pacto federativo e dos fundos públicos ainda aguardam
parecer do relator - e a reforma administrativa nem relator tem. Para virarem
realidade, precisam ser aprovadas em dois turnos por pelo menos 308 deputados e
49 senadores. Até lá ainda haverá audiências públicas, debates em comissões,
manobras para adiamento de votação. Enfim, “it’s a long and winding road”.
Pior
é o caso da reforma tributária, para a qual não há acordo sobre qual modelo
deve prosperar: se o da Câmara (PEC nº 45/2019), do Senado (PEC nº 110/2019) ou
a alternativa ainda incompleta de Paulo Guedes (PL nº 3.887/2020). Como diz o
velho ditado: nenhum vento é favorável quando não se sabe para onde ir.
Na
questão ambiental, tanto a regularização fundiária quanto a mineração em terras
indígenas ainda não começaram a andar, embora a proposta sobre licenciamento
esteja avançada na Câmara. Todas elas, contudo, enfrentarão forte resistência
não só de ambientalistas, mas de países comprometidos com o clima - agora
reforçados pelos Estados Unidos, com Joe Biden na Presidência.
Por
fim, na pauta de segurança pública e costumes, com a exceção do PL nº
3.723/2019, que facilita a aquisição de armas por policiais e já foi aprovado
na Câmara, as demais proposições ainda estão em estágio inicial de análise.
É
bem verdade que existe um repertório imenso de possibilidades para se pular
etapas e se dispensar exigências do processo legislativo. Tudo depende de uma
sintonia fina entre o Palácio do Planalto, os presidentes da Câmara e do Senado
e os líderes dos partidos. A vitória de Lira e Pacheco foi um importante passo;
porém, como num casamento, Bolsonaro terá que cultivar a relação com o Centrão
dia a dia.
Também
é importante não ter ilusões. Ainda que as PECs sejam aprovadas, os
investimentos não inundarão o país imediatamente, pois em geral se exige
regulamentação e, sobretudo, estabilidade política e econômica. Aliás, se a PEC
emergencial passar, o presidente terá coragem de cortar despesas mesmo em ano
eleitoral?
Se
os resultados econômicos podem demorar a chegar, mais armas nas ruas e menos
rigor com o meio ambiente, por sua vez, têm efeitos imediatos. E eles,
infelizmente, são irreversíveis.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
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