EDITORIAIS
Em busca de conflito
O Estado de S. Paulo
A ameaça de Jair Bolsonaro de impeachment contra ministros do STF revela que o presidente não tem a menor intenção de desanuviar suas relações com o Judiciário
O presidente Jair Bolsonaro informou que
pretende ingressar no Senado com pedido de impeachment dos ministros Luís
Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro
argumenta que, “de há muito”, os dois magistrados “extrapolam com atos os
limites constitucionais”. Segundo o presidente, “o povo brasileiro não aceitará
passivamente que direitos e garantias fundamentais (...), como o da liberdade
de expressão, continuem a ser violados e punidos com prisões arbitrárias,
justamente por quem deveria defendê-los”.
A ameaça de Bolsonaro de usar o instrumento
do impeachment contra ministros do Supremo, previsto no artigo 52 da
Constituição, revela que o presidente não tem a menor intenção de desanuviar
suas relações com o Judiciário, fortemente estremecidas por seu comportamento
indecoroso e violento em relação aos ministros Barroso e Moraes, responsáveis
por decisões recentes que lhe desagradaram.
Ao contrário: consta que o presidente ficou
furioso ao tomar conhecimento do encontro entre seu vice, Hamilton Mourão, e o
ministro Barroso, noticiado pelo Estado. Na reunião, realizada a seu
pedido, o magistrado queria ouvir Mourão a respeito da adesão dos militares a
uma possível ruptura da ordem institucional estimulada às escâncaras por
Bolsonaro. O vice-presidente garantiu que não há como isso acontecer.
Segundo o jornal, Bolsonaro viu o encontro de Mourão e Barroso como parte de uma conspiração para derrubá-lo. A ameaça de pedir o impeachment dos ministros Barroso e Moraes foi a forma que o presidente encontrou para reagir.
A desculpa formal para a nova crise foi a
prisão do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, ordenada pelo ministro
Moraes sob acusação de que o ex-deputado, vanguarda exótica do bolsonarismo
radical, integra uma organização criminosa que incita a ação armada contra os
Poderes constituídos e defende a articulação de um golpe de Estado. Há diversos
vídeos, espantosos, em que Jefferson, armas em punho, vitupera contra o Supremo
e estimula a prática de crimes.
Para o presidente Bolsonaro, Roberto
Jefferson apenas exerceu sua “liberdade de expressão”. Uma semana antes da
prisão, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos,
referiu-se ao ex-deputado como “mais um soldado na luta pela liberdade do nosso
povo e pela democracia do nosso Brasil”.
Desde os tempos em que Bolsonaro violava
sistematicamente o decoro parlamentar, já se sabe que, na hermenêutica
bolsonarista, os direitos e garantias constitucionais, como a liberdade de
expressão, são uma licença para delinquir. Já os críticos do governo, segundo o
presidente, não têm o direito de falar o que podem e devem. Contra os
opositores, Bolsonaro lançou o peso da Lei de Segurança Nacional (LSN), criada
ainda na ditadura – e revogada só recentemente – para ameaçar quem calunia ou
difama o presidente.
É ocioso tentar demonstrar que a
interpretação bolsonarista sobre a liberdade e a democracia é equivocada. Em
primeiro lugar, porque não é possível esperar que um bolsonarista entenda os
princípios da democracia – se entendeu, é porque deixou de ser bolsonarista. Em
segundo lugar, não importa a qualidade da argumentação: o bolsonarismo não
pretende discutir nada, mas apenas causar confusão, em todas as áreas que
importam, seja no combate à pandemia, seja na manutenção da democracia.
É na confusão – de valores, sobretudo – que
Bolsonaro prospera. Foi assim com a cloroquina, com o “voto impresso” e, agora,
com os desafetos no Supremo. Quando o pedido de impeachment dos ministros do
Supremo for engavetado, como se espera, Bolsonaro inventará outra crise, pois
depende continuamente disso para afastar de si a responsabilidade pela difícil
situação econômica do País – às voltas com a carestia, o desemprego e as
perspectivas desanimadoras de crescimento. E depende disso para eletrizar os
bolsonaristas radicais, com cujos votos pretende chegar ao segundo turno da
eleição de 2022 – e com cuja irresponsabilidade planeja, em caso de derrota,
vandalizar a democracia.
O FMI e o voo de galinha
O Estado de S. Paulo
Fundo aponta de novo baixo potencial de crescimento econômico do País
Ao elevar para 5,3% a previsão de
crescimento econômico do Brasil em 2021, o Fundo Monetário Internacional (FMI)
alinhou-se à projeção do mercado. A estimativa anterior, divulgada em abril,
apontava uma expansão de 3,7%. A revisão é explicada principalmente pela
surpresa positiva do primeiro trimestre, quando o Produto Interno Bruto (PIB)
superou por 1,2% o dos três meses finais de 2020. No cenário revisto, o
desempenho brasileiro continua inferior àquele indicado para a economia global
e para as grandes categorias de países avançados, emergentes e
latino-americanos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, insiste em qualificar
a retomada brasileira como uma recuperação em V. Mas a descrição se aplica
ainda mais adequadamente a outras economias, com destaque para a China (8,1%),
os Estados Unidos (7%), o Reino Unido (7%) e o México (6,3%). Os dados são
das Perspectivas Econômicas Mundiais (World Economic Outlook).
As economias avançadas, segundo o FMI,
devem crescer 5,6% neste ano e 4,4% no próximo. São taxas elevadas para países
já desenvolvidos. Esse desempenho, 0,5 ponto superior ao estimado em abril, é atribuído
a dois fatores principais, o avanço da vacinação e a manutenção do apoio fiscal
iniciado em 2020 como resposta à pandemia. Esses envolvem cerca de US$ 4,6
trilhões para aplicação em ações econômicas e de saúde neste ano e no futuro
próximo. Em contrapartida, nas economias emergentes e em desenvolvimento a
maior parte das ações anticrise expirou no ano passado. É o caso evidente do
Brasil.
Qualquer brasileiro informado conhece os
detalhes omitidos no documento do FMI. Já no ano passado o governo reduziu as
medidas de sustentação econômica e de apoio aos pobres. Essas ações foram
suspensas no primeiro trimestre e parcialmente retomadas a partir de abril, mas
sem derrubar o enorme desemprego. O relatório menciona o aperto monetário, com
elevação de juros, iniciado no Brasil e em vários emergentes, num esforço para
conter as pressões inflacionárias. Hungria, México, Rússia e Turquia também são
citados na exemplificação.
Os autores do estudo recomendam cautela no
uso dessas políticas. O novo surto inflacionário, argumentam, pode ser
passageiro, e seria um erro, nesse caso, comprometer a recuperação da economia
com uma forte elevação dos juros.
Os economistas do FMI poderiam, se
quisessem avançar nos detalhes de cada país, apontar a política recente do Banco
Central do Brasil (BC) como exemplo de cautela. Os aumentos de juros foram
apresentados, até agora, como normalização “parcial” da política monetária,
calculada para manter algum estímulo aos negócios. Mas, diante da evolução dos
preços, tem ficado difícil aceitar, no Brasil, a ideia de uma pressão
“temporária”. Dirigentes do BC mostrarão na próxima semana se mantêm o
diagnóstico favorável. Em caso positivo, elevarão os juros básicos de 4,25%
para 5%. No mercado, muitos apostam num aumento de 1 ponto porcentual.
A avaliação da economia brasileira pelos
técnicos do FMI fica mais clara, no entanto, quando se leva em conta o
crescimento previsto para o próximo ano: 1,9%, taxa muito inferior àquelas
previstas para os países avançados (4,4%), para os emergentes e em
desenvolvimento (5,2%) e para os latino-americanos e caribenhos (3,2%). A
retomada brasileira é vista como voo de uma galinha.
Essa percepção é mantida há vários anos por
economistas do mercado brasileiro e de instituições internacionais. Com baixo investimento
produtivo, escassez de mão de obra qualificada, tributos pouco funcionais e
baixa integração global, o Brasil é visto como incapaz de sustentar por mais de
um ou dois anos um crescimento igual ou superior a 3%.
Para 2022, a mediana das projeções do
mercado aponta crescimento de 2,10%. A visão dos técnicos do FMI coincide, em
vários pontos, com a percepção dos brasileiros. Sem um claro projeto de
crescimento e dominada pelos objetivos eleitorais do presidente Jair Bolsonaro,
a atual política econômica é uma garantia de continuidade da aerodinâmica de
galinha.
Afeganistão entregue à própria sorte
O Estado de S. Paulo
Saída dos EUA do país transmite perigosa mensagem de insegurança a aliados
No dia 14 de abril, o presidente dos
Estados Unidos, Joe Biden, confirmou que levaria a cabo a decisão tomada por
seu antecessor, Donald Trump, de retirar as tropas americanas do Afeganistão.
“Sou o quarto presidente a liderar a presença de soldados americanos no
Afeganistão. Eu não iria, como não vou, entregar esta guerra para um quinto”,
disse Biden em pronunciamento à nação.
No início de julho, o democrata afirmou que
a guerra era “invencível” e fixou o dia 31 de agosto como prazo final para o
último soldado americano deixar o país da Ásia Central. “Eu não enviarei outra
geração de americanos para esta guerra sem nenhuma expectativa razoável de se
chegar a um resultado diferente (do alcançado até agora)”, reforçou Biden.
As palavras e as ações do presidente
americano expressam o sentimento de dois terços da população de seu país,
cansados do conflito mais longevo da história militar dos Estados Unidos. Lá se
vão quase 20 anos desde a deflagração da Operação Liberdade Duradoura, em 7 de
outubro de 2001, menos de um mês após os infames atentados do 11 de Setembro. A
pretexto de impedir que o Taleban desse guarida aos terroristas da Al-Qaeda ou
permitisse que o território afegão servisse como base de treinamento para os
radicais islâmicos, o então presidente George W. Bush ordenou que as tropas dos
Estados Unidos ocupassem o Afeganistão sem data para sair de lá.
No início de dezembro daquele mesmo ano, o
Taleban perdia o controle sobre Kandahar, a última grande cidade que ainda
dominava. Mas a derrota militar dos radicais nem de longe significou o
florescimento de uma vigorosa democracia no país asiático, nem tampouco o
prenúncio de novos tempos de paz. Logo ficou claro que só haveria, de fato, uma
“liberdade duradoura” enquanto as forças americanas permanecessem no
Afeganistão.
Este talvez tenha sido o principal erro de
avaliação de Biden ao levar adiante o plano de retirada das tropas americanas,
que se revela precipitado. A nesga de estabilidade que havia no Afeganistão
dependia, fundamentalmente, da presença dos militares americanos no país. Não é
por outra razão que eles lá estão há quase duas décadas. Bastou que os soldados
da coalização começassem a ir embora para que o Taleban iniciasse sua marcha
triunfal até Cabul.
Outro erro é a crença entre os americanos e
seus aliados de que as forças militares e policiais afegãs estavam preparadas
e, sobretudo, determinadas a defender seu país por conta própria contra os
radicais islâmicos, em nome de um governo que pouco fez por eles. Os Estados
Unidos gastaram cerca de US$ 88 bilhões para equipar e treinar as forças de
segurança do Afeganistão. Mas, na primeira oportunidade que tiveram para agir,
estas forças ofereceram mínima resistência ao avanço do Taleban.
O anúncio da saída das tropas americanas
deu azo a uma ação fulminante do Taleban para reaver os territórios outrora
perdidos. Uma a uma, as mais importantes cidades afegãs sucumbiram à investida
com pouca ou nenhuma resistência. Em questão de poucas semanas após o início da
ofensiva, o Taleban já ocupava o gabinete do presidente Ashraf Ghani, em Cabul.
Ghani fugiu do país com a mulher e dois assessores.
Biden afirmou que seu país não foi ao
Afeganistão “para construir uma nação” e exortou os líderes afegãos a se
“unirem e conduzirem seu país rumo ao futuro”. Nas atuais condições, as tropas
americanas não deveriam deixar o Afeganistão, pois o Taleban ainda apresentava
um alto grau de risco. O mais espantoso, no entanto, foi o governo americano
ser surpreendido por um avanço tão rápido dos radicais islâmicos, que agora se
põem a combater qualquer traço de civilização que ainda há no país.
A saída precipitada das tropas americanas
do Afeganistão pode ser vista como uma derrota após longo esforço de guerra,
deixa os afegãos entregues à própria sorte e, principalmente, transmite uma
perigosa mensagem de insegurança a outros aliados dos Estados Unidos na região.
Fantasia desfeita
Folha de S. Paulo
Biden foi imprudente ao executar retirada
do Afeganistão e insensível ante caos
Cunhado pelo alemão Ludwig von Rochau no
século 19, o termo “realpolitik” designa o exercício da política baseado em
avaliações cruas da realidade e de seus impactos.
País que cultiva a mística dos pais
fundadores e que supõe representar uma ideia há 245 anos, os EUA nem sempre
foram aderentes à prática, preferindo maquiar suas intenções sob o verniz
invariavelmente hipócrita da correção.
A vertiginosa tomada do Afeganistão pelo
Taleban, grupo extremista islâmico enxotado do poder pelos americanos na
esteira do atentado de 2001, abre um novo e didático capítulo nessa história.
A decisão do presidente Joe Biden de deixar
o país à própria sorte, de resto já tomada por Donald Trump, tinha tantas
justificativas quanto a invasão de 20 anos atrás.
O objetivo primário, desalojar a rede
terrorista Al Qaeda, sob guarida do Taleban, fora conquistado. A morte do
arquiteto do 11 de Setembro, Osama bin Laden, já conta dez anos. Por que ficar?
Cinco gestões de três presidentes lidaram
com o dilema, que custou mais de US$ 2 trilhões e 170 mil vidas, quase todas
afegãs. A questão é que havia um ideal a sustentar, o da reconstrução nacional.
Sempre criticados por sua atitude ao mesmo
tempo imperialista e anticolonial, os EUA adotaram em 2001 a ideia de que
levariam a democracia liberal aos afegãos.
Dois anos depois fariam um experimento
ainda mais radical, no Iraque, onde os efeitos catastróficos se veem até hoje.
Ali ainda havia petróleo para justificar em termos de “realpolitik” o discurso
civilizatório, porém tudo se resumia a considerações de estabilidade regional
no caso afegão.
Biden resolveu desfazer a fantasia e
colocar sua visão de forma objetiva: os EUA deveriam ter saído de lá há anos,
e os afegãos
que se entendam com o Taleban agora.
Isso foi reforçado numa manifestação,
nesta segunda (16), em que o democrata mostrou empatia nula ante as
cenas dantescas de civis se agarrando ao trem de pouso de aviões americanos.
Eles só queriam deixar a capital afegã,
temendo seu destino nas mãos talebans após aceitarem os termos da presença
ocidental e, às vezes, colaborar com ela.
Biden aposta que os radicais irão se
moderar para encontrar um lugar ao sol no mundo, impedindo a volta do emirado
brutal e santuário de terroristas, ainda que o preço a pagar sejam as cenas
imorais em Cabul e talvez mais um país na esfera econômica da China.
Foi corajoso no plano, imprudente na
execução e insensível ao comentar o estrago. O resultado político é incerto,
mas ele conseguiu uma Saigon para chamar de sua, na repetida analogia com a
retirada do Vietnã, há 46 anos.
Presença eficiente
Folha de S. Paulo
Ao mirar faltas de servidores, projeto de
Doria pode melhorar resultados do ensino público
Assim como o Brasil apresenta resultados em
educação inferiores aos de certos países com gasto público comparável no setor,
o estado de São Paulo perde no ensino médio para unidades da Federação mais
pobres. Esses constituem sinais de que há problemas de eficiência a serem
combatidos.
Boa parte deles exige debate complexo, como
a correta alocação de recursos, ou depende de providências de longo prazo, como
a melhora da formação dos profissionais. Entretanto há ao menos uma distorção
facilmente identificável cujo enfrentamento está ao alcance da gestão cotidiana
—trata-se do absenteísmo dos professores.
Em bom português, os docentes da rede
pública se ausentam do trabalho além do que seria razoável, como está
fartamente demonstrado na literatura.
Segundo levantamento da Secretaria da
Educação paulista, a média de faltas por professor da rede estadual subiu,
entre 2015 e 2018, de 8,1 para 9,5 ao ano, enquanto a duração de licenças
passou de 18,6 para 29,8 dias. Somadas, são quase 40 ausências anuais por
profissional.
A importância de reduzir o absenteísmo no
setor foi mencionada, por exemplo, em extenso trabalho publicado em 2017 pelo
Banco Mundial a respeito da eficiência do gasto público brasileiro. O documento
citava que o índice chegava a 16% em São Paulo e 10% em Pernambuco, ante 5% nos
EUA.
O estudo apontava motivos ambientais para o
fenômeno, como violência, trânsito e estresse, mas também leis permissivas e
mecanismos frágeis de monitoramento.
São corretos, nesse sentido, os objetivos
do governo paulista ao propor, num projeto de ajustes administrativos, regras
mais rígidas para as faltas de servidores.
Entre outras medidas, o texto elimina a
possibilidade de seis ausências abonadas (sem desconto no salário) ao ano e permite
a demissão de funcionários que faltem por 15 dias consecutivos ou 20
intercalados sem justificativa —a norma atual fixa 45 dias intercalados.
Ademais, fica obrigatória a perícia em casos de licenças médicas.
Ainda que as alterações atinjam todo o funcionalismo
estadual, a reação
negativa é particularmente ruidosa entre os professores, dadas a
dimensão, a importância e a organização da categoria.
Há tempo para análise e negociação da
proposta, e não se justifica a oposição intransigente. Os docentes responsáveis
não devem se furtar a debater a melhoria do ensino.
Incertezas começam a reduzir as previsões
de crescimento
Valor Econômico
Deterioração das expectativas fiscais turva
as perspectivas da economia
Durou pouco o clima de quase euforia que
tomou conta dos mercados no mês passado quando se configurou a melhora na
arrecadação e se vislumbrou espaço no Orçamento para turbinar o Bolsa Família a
tempo das próximas eleições. O salto da dívida dos precatórios, no início deste
mês, comparada ao aparecimento de um meteoro pelo ministro da Economia, Paulo
Guedes, jogou água fria na fervura do otimismo. A conta engoliu a margem de
manobra que o governo tinha calculado pela diferença entre o teto de gastos e
as despesas com aposentadorias e colocou um novo desafio fiscal. Guedes fala em
risco de “shutdown” do governo se o parcelamento dos precatórios não for
aprovado.
A deterioração das expectativas fiscais
turvou as previsões para economia. De nada adiantou o bom resultado do setor de
serviços, que mostrou recuperação em junho pelo terceiro mês consecutivo. O
faturamento do setor subiu 1,7%, após os ajustes sazonais, segundo o IBGE, e
passou a acumular ganho de 2% no segundo trimestre, a quarta taxa trimestral
positiva. O aumento foi bastante disseminado, com difusão de 83,1%, o maior nível
de toda a série histórica, iniciada em janeiro de 2012.
Mas chamou a atenção o avanço dos serviços
prestados às famílias, que aumentaram 8,1% e acumulam alta de 40,3% em três
meses. Ainda assim, o grupo, que reúne serviços de caráter mais presencial,
como alojamento, alimentação e cabeleireiro, está 22,8% abaixo de fevereiro de
2020, antes da pandemia. Em contraponto, os serviços de tecnologia da
informação e da comunicação estão 10% acima do nível pré-crise.
Também tem sido desigual a retomada nos
diversos setores da economia. Aparentemente as famílias não têm recursos
suficientes para gastar em serviços e compra de bens ao mesmo tempo. As vendas
do varejo recuaram em junho em relação maio em 1,7% no conceito restrito e 2,3%
no ampliado, que inclui veículos e material de construção, resultados que
ficaram aquém das expectativas. A indústria empatou em junho com a produção de
maio, quando teve avanço de 1,4% depois de três meses consecutivos de queda. A
preocupação com a falta de insumos prejudica as projeções de crescimento.
O faturamento dos setores de comércio e
serviços está ligeiramente acima do patamar de fevereiro de 2020, ou seja, de
antes da pandemia, em 1,5% e 2,4%, respectivamente. Já a indústria, que em
dezembro havia suplantado esse ponto em 3,3%, recuou ao longo do primeiro
semestre e agora está exatamente no mesmo nível de fevereiro do ano passado. O
IBC-Br, índice de atividade elaborado pelo Banco Central, mostra também a
hesitação da economia. Ao subir 1,14% em junho, sinaliza alta de 0,2% do
segundo trimestre do Produto Interno Bruto.
A questão fiscal constrange o Banco Central
(BC). Por duas vezes na semana passada o presidente do BC, Roberto Campos Neto,
falou dos ruídos gerados no mercado pela dúvida em relação a como será financiado
o novo Bolsa Família e pela proposta de parcelar o pagamento dos precatórios.
As questões voltaram a pressionar o câmbio, pondo lenha na fogueira da
inflação, não mais considerada temporária, pressionada também pela crise
hídrica. Tudo isso levou o Comitê de Política Monetária (Copom) a escancarar a
intenção de elevar a taxa básica de juros acima do patamar neutro, o que terá
impacto negativo no nível de atividade.
O cenário externo não é igualmente
favorável. Parece cada vez mais próximo o momento em que o Federal Reserve
(Fed) vai reduzir os estímulos monetários à economia, com a diminuição da
compra de ativos, o que deve enxugar a liquidez dos mercados. Não só os Estados
Unidos, mas também a China e a União Europeia devem voltar a crescer próximo do
potencial, o que vai reduzir a demanda por commodities e as atividades de
comércio exterior.
Esses fatores, potencializados pela
antecipação do debate eleitoral, e pelas dúvidas em relação à evolução do
combate à pandemia, já provocam uma revisão das previsões de crescimento neste
ano, ainda incipiente, e com mais força para 2022.
O Itaú, por exemplo, que projetava expansão
de 5,8% agora fala em 5,7%. É preciso levar em conta que a herança estatística
neste ano é de 3,6%. Já para o próximo ano, com “carry over” de 1%, as revisões
são mais significativas. O Credit Suisse reduziu a projeção de 2,5% para 2%,
alinhando-se à indicação da pesquisa Focus de 2,04% ontem. Revisões mais fortes
vêm do Itaú, de 2% para 1,5%; e da MB Associados, de 1,8% para 1,4%.
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