O Globo
O secretário de Fazenda de São Paulo, e
ex-ministro, Henrique Meirelles, acha que há um perigo real à democracia
brasileira nas ameaças do presidente Bolsonaro. “Aconteceu nos Estados Unidos e
lá as instituições resistiram”. Na gestão da economia, ele define a proposta de
adiamento dos precatórios como “calote técnico” e diz que a credibilidade
fiscal está em risco. Ele foi presidente do Banco Central durante o governo
Lula e disse que teve total autonomia, mas, ao avaliar a candidatura do ex-presidente,
afirmou que “depende de como ele vai se posicionar na área econômica”.
Nessa soma de riscos institucionais,
fiscais e até tributários, Henrique Meirelles disse que o país está afastando o
investidor. O impacto de todas essas incertezas se vê na curva de juros longa.
Em conversa com a coluna, sobre política e economia, ele criticou também a
reforma do Imposto de Renda, porque simplesmente não é a reforma necessária:
— Uma das principais motivações de uma reforma tributária seria diminuir a complexidade e existem dois projetos no Congresso tratando da unificação dos impostos de valor adicionado. Pela primeira vez em 30 anos os estados haviam chegado num acordo sobre isso. O governo deixa isso de lado e faz uma proposta que visa aumentar a arrecadação do governo federal.
A proposta retira dinheiro dos estados, mas
tem também, na visão de Meirelles, outros equívocos:
— No momento em que se taxa os dividendos é
uma falácia dizer que está taxando os super-ricos. O Brasil tem uma grande base
industrial que foi construída com investimento estrangeiro, temos US$ 70 bi de
investimento por ano. São fundos de investimento, fundos de pensão. Não são os
super-ricos. Se uma empresa alemã, japonesa, americana investe no Brasil e tem
100 milhões de acionistas, tem investidor de todo nível de renda. E
investimento precisa de retorno.
Meirelles era presidente do Banco Central
quando o Brasil atingiu o grau de investimento, que depois perdeu. Quando virou
ministro do governo Temer, aprovou o teto de gastos. Acha que o risco está
voltando:
— Nós conquistamos a duras penas,
trabalhando muito, em 2008, o grau de investimento. Isso teve um enorme ganho
para o país. Cai o risco-país, cai a taxa neutra de juros e com isso o BC pode
controlar a inflação com juros mais baixos. Depois perdemos a credibilidade
fiscal com a expansão do gasto público de 2011 a 2016. Foi necessária a
aprovação do teto de gastos. Agora estamos vendo uma combinação de expansão de
gastos e um calote técnico.
Ele nega que o aumento do volume de
precatórios tenha sido um meteoro, porque, se o governo não o esperava é porque
“simplesmente não estava se planejando bem”:
— O meteoro em si dá pra ver. Hoje os
astrônomos conseguem prever com certa antecedência a sua trajetória. Quando o
meteoro veio na época dos dinossauros eles não previram isso. Mas precatórios
não acontecem de repente, como se centenas, milhares de juízes do Brasil
inteiro tomassem decisões simultâneas contra o governo.
Meirelles diz que o estado de São Paulo
fechou 2020 com crescimento de 0,3% e este ano pode crescer mais de 7%, puxado
pela indústria e os setores financeiro e de tecnologia. Sobre as eleições de
2022, não quis dizer em quem votaria num segundo turno, se for entre Lula e
Bolsonaro, porque, segundo conta, “há a possibilidade de haver uma terceira via”.
Lembrou que Lula escreveu a carta aos brasileiros e realmente a cumpriu, pelo
menos nos primeiros anos:
— Agora está cedo para saber o
posicionamento do Lula, porque com essa polarização ele está polarizado à
esquerda, fazendo o discurso tradicional do PT.
Disse que teve total autonomia ao exercer
suas funções de presidente do BC no governo Lula, apesar de a proposta de
independência do BC não ter sido enviada. Acha que no caso de Bolsonaro as
instituições têm defendido a democracia. Mas avalia que risco institucional num
país de democracia recente existe. “Vamos definir até que ponto ele (Bolsonaro)
está falando sério, que vai tentar um golpe, ou se está mobilizando a sua base
radical. Mas se ele está falando, não se pode simplesmente descartar.”
Outro risco que retorna é o da inflação.
Como outros economistas, acha que o Banco Central ficou atrasado no combate aos
efeitos da elevação dos preços. O resultado será o Brasil terminar o ano com
estouro da meta. Diz que, como ex-presidente do BC, não gosta de fazer
previsões sobre a Selic, mas não tem dúvida de que o Copom terá que continuar
elevando os juros.
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