O Estado de S. Paulo
Assim como a PGR joga a resistência
democrática para o Supremo, a Câmara joga para o Senado
Com as relações institucionais,
republicanas e federativas estressadas e esgarçadas, o Senado Federal entrou na
linha de frente das tropas de paz, para evitar uma guerra, barrar
extravagâncias da Câmara e reduzir danos das crises criadas e alimentadas pelo
presidente Jair Bolsonaro. O foco de resistência democrática está tanto no
Supremo quanto no Senado.
A cédula impressa foi derrubada no plenário
Câmara, mas Bolsonaro mantém o discurso fake das fraudes nas urnas eletrônicas
e ameaça pedir o impeachment dos ministros do Supremo Luís Roberto Barroso,
também presidente do TSE, e Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos das
fake news e dos ataques antidemocráticos – que atingem o Planalto e agora o
próprio Bolsonaro. Mas ele que não conte com o Senado para a aventura.
Assim como o presidente da Câmara, Arthur Lira, tem a prerrogativa de acatar pedidos de impeachment contra o presidente da República, o do Senado, Rodrigo Pacheco, tem a de abrir processos contra ministros do Supremo. Já são mais de cem pedidos contra Bolsonaro na Câmara e 17 contra ministros da Corte no Senado, mas nem Lira nem Pacheco demonstram o mínimo interesse em tocar isso adiante. Logo, Bolsonaro está blefando.
É também o Senado quem serve de anteparo
para as maluquices da Câmara na legislação eleitoral. Avisou de véspera que
derrubaria o “distritão” e os deputados acabaram optando por um mal menor, a
volta das coligações partidárias, que caíram em 2017 para entrar em vigor em
2022. A votação em segundo turno na Câmara será hoje, mas as chances de a
proposta vingar no Senado são poucas.
E há duas votações de interesse direto de
Bolsonaro no Senado: a ida do ex-ministro da Justiça André Mendonça para uma
vaga no Supremo e a recondução do procurador-geral da República, Augusto Aras,
para mais um mandato. O “terrivelmente evangélico” Mendonça enfrenta a má
vontade do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre e de parte da Casa. O
terrivelmente bolsonarista Aras enfrenta uma resistência mais difusa.
Aras não deu um “A” após as ameaças de
Bolsonaro de agir contra a realização das eleições e “fora das quatro linhas da
Constituição”. Em guerra com o STF, sofre críticas públicas de subprocuradores
e é acusado de agradar a Bolsonaro o tempo todo porque só pensa naquilo: uma
cadeira no STF. Perdeu a primeira e a segunda, mas investe na terceira, em
2022.
A expectativa é de que Mendonça passe para
o STF e Aras seja aprovado para o segundo mandato na PGR, mas não será um
passeio. Não custa lembrar que Bolsonaro teve de desistir da ideia maluca de
botar Eduardo Bolsonaro, o 03, na Embaixada em Washington, porque iria perder
feio no Senado.
Assim como a PGR joga a resistência
democrática para o Supremo, a Câmara joga para o Senado, onde, aliás, a CPI da
Covid revela ao País o quanto o governo Bolsonaro escancarou suas portas na
pandemia para negociatas grosseiras e picaretas óbvios. Foi por isso que
Bolsonaro deu a “alma do governo” a um senador, Ciro Nogueira, do Centrão, mas
o efeito ainda não é visível a olho nu.
E Rodrigo Pacheco? Apesar de um “certo
delay” (demora em reagir), ele deu um basta para as ameaças às eleições,
defendeu STF, TSE e sistema eleitoral, abriu canais nas Forças Armadas, avisou
que “distritão” e volta das coligações não passam e deixou bem claro: não
contem com ele para impeachment de ministros do STF.
Ou seja: ele tem sido agente de moderação e
uma barreira contra arroubos golpistas. Se é ou não porque está louco para
disputar a Presidência da República, não interessa. O fato é que o Senado e
Pacheco estão, até aqui, na mesma trincheira do Supremo e de crescentes setores
da sociedade, pela Constituição e a democracia. Que assim permaneçam!
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