terça-feira, 17 de agosto de 2021

Andrea Jubé - O papel dos mineiros na história das crises

Valor Econômico

Pacheco tem sido comparado ao articulador de JK

Um presidente de partido, envolvido até o pescoço nas articulações pela construção de uma terceira via para a sucessão presidencial, reclamou à coluna do excesso de discrição do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

“O Rodrigo é uma esfinge e, para agravar, uma esfinge mineira”, resmungou.

Comedido e cauteloso, o estilo de Pacheco estimula comparações com políticos mineiros históricos, como Tancredo Neves, que não revelava sequer o time do coração. “Sou torcedor do América, mas admiro o Atlético e o Cruzeiro, assim como todos os outros clubes do Estado”, disse certa vez à revista “Placar”.

Cotado para eventual candidatura a presidente da República, disputado à luz do dia pelo DEM e pelo PSD, Pacheco não se manifesta sobre o assunto e permanecerá em silêncio obsequioso.

Ele afirma aos interlocutores que não pretende deixar a legenda pela qual foi alçado à chefia do Poder Legislativo. Mas como bom político, mantém diálogo com a cúpula do PSD: há algumas semanas, almoçou no Rio de Janeiro com o presidente da sigla, Gilberto Kassab, o prefeito Eduardo Paes e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz.

Em algumas rodas políticas de Belo Horizonte, Pacheco foi comparado ao discreto e habilidoso operador político de Juscelino Kubitschek, o ex-deputado e fundador do PSD José Maria Alckmin. Em comum com Alckmin, Pacheco ainda tem na biografia a atuação na relevante Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, colegiado que presidiu quando era deputado.

Alckmin - tio-avô do ex-governador Geraldo Alckmin -, foi um admirado craque dos bastidores. Barrou comissões de inquérito que a UDN tentou instaurar para desgastar Juscelino.

O episódio evoca a postura de Pacheco, que atuou nas coxias do palco político para não instalar a CPI da Covid, a fim de blindar o presidente Jair Bolsonaro. O argumento era de que a investigação agravaria a crise política. Ao fim, ele teve que cumprir determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).

A atuação mais relevante de José Maria Alckmin, entretanto, foi ao lado do então ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott (depois alçado a marechal), para garantir a posse de JK.

Após a vitória de Juscelino Kubitschek nas eleições de outubro de 1955, setores da sociedade civil e militares, como o comandante da Marinha, Carlos Pena Boto, exortaram a intervenção das Forças Armadas para impedir a posse do ex-governador de Minas Gerais.

A UDN recorreu à Justiça Eleitoral alegando fraude nas eleições - e o voto era impresso. Uma ofensiva encabeçada pelo general Lott, Alckmin, pelo presidente da Câmara, Flores da Cunha, e pelo vice-presidente do Senado, Nereu Ramos, forçou o afastamento do presidente em exercício Carlos Luz, que conspirava contra JK, e assegurou a posse do presidente eleito em janeiro de 1956.

Pelas voltas que o mundo dá, 66 anos depois, Pacheco agora se vê cobrado a reagir com mais pulso diante das recorrentes ameaças do chefe do Executivo à realização das eleições democráticas de 2022.

O professor Cláudio Couto, cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), concorda que Pacheco se enquadre no estereótipo do político mineiro porque evita conflitos, busca sempre contemporizar. Mas pondera que o perfil excessivamente conciliador não é o mais adequado a uma autoridade num cenário de crise institucional.

“Ser conciliador não pode significar ser omisso, senão, ao invés de encarnar o estereótipo do político mineiro, vira a caricatura deles”, alerta o professor da FGV. Couto lembra que em 1964, com a deposição de João Goulart e a instauração do regime militar, até o discreto Tancredo reagiu e gritou no plenário da Câmara: “Canalhas!”

Couto pondera, todavia, que à medida que Bolsonaro subiu o tom das ameaças, Pacheco adotou uma postura mais assertiva. “Patriotas são aqueles que unem o Brasil e não os que querem dividi-lo", afirmou Pacheco ontem, por meio das redes sociais.

Foi uma resposta aos novos ataques do presidente da República ao Supremo Tribunal Federal (STF). No sábado, Bolsonaro disse que proporia ao Senado o impeachment de dois titulares da Corte.

No último dia 10, reportando-se ao desfile de tanques militares na Esplanada, Pacheco afirmou que “nada, nem ninguém, haverá de intimidar as prerrogativas do Parlamento".

Dois dias depois, Pacheco foi instado a se posicionar sobre a controversa reforma eleitoral, que restabeleceu as coligações proporcionais. Ele criticou a decisão da Câmara sem evasivas: “eu considero, sim, que é um retrocesso”. Porém, cauteloso, ponderou que a “tendência” dos senadores é rejeitar a mudança.

Uma semana antes, no dia em que o presidente do Supremo, Luiz Fux, cancelou a reunião dos chefes dos três Poderes, observando que o diálogo institucional pressupõe o “respeito mútuo”, Pacheco havia alertado que “quem pregar retrocesso democrático será apontado como inimigo da nação”.

Rodrigo Pacheco ainda não foi incluído entre os presidenciáveis da terceira via que estão sendo testados em pesquisas e debates públicos. Aliados do mineiro inclusive reforçam que o momento recomenda observação e cautela. “Agitar-se não é agir”, escreveu João Guimarães Rosa, em texto antológico sobre a mineiridade.

Eventual precipitação se prestaria, por ora, a indispor Pacheco com o chefe do Executivo, que vai disputar a reeleição, e a inviabilizar o papel de conciliador que ele se arvorou a desempenhar.

“No regime presidencialista, toda sucessão é uma crise, por sinal a sua pior crise, e quanto mais puder adiá-la, melhor”, disse Tancredo, logo depois de se eleger governador de Minas Gerais. Dois anos depois, elegeu-se presidente.

Guimarães Rosa, que foi amigo próximo de JK, escreveu que o mineiro é liso, escapole, se retarda, emudece, matuta, distorce, engambela, pauteia, se prepara. Mas sabe a hora do bote. “Sendo a vez, sendo a hora, minas entende, atende, toma tento, avança, peleja e faz”.

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