Antissemitismo ressurge sob disfarce de ‘antissionismo’
O Globo
Ódio milenar contra os judeus cresce no
mundo. Brasil tem de continuar a dar exemplo positivo de tolerância
Theodor Herzl atribuía o impulso que o levara
a escrever “O Estado Judeu”, texto fundador do sionismo moderno, às
manifestações antissemitas que testemunhara em Paris quando cobria como
jornalista o Caso Dreyfus, julgamento em que um oficial judeu do Exército
francês foi condenado injustamente por traição em 1894. Quase 130 anos depois,
a França — de onde 76 mil judeus foram deportados para campos de extermínio
nazistas — volta a ser palco de uma irrupção perturbadora de atos antissemitas
— 819 incidentes desde os ataques do grupo terrorista Hamas em 7 de outubro até
o início da semana passada, de acordo com o Ministério do Interior francês.
Na Alemanha, aumentaram 240% as denúncias de antissemitismo na primeira semana depois dos ataques, na comparação com o ano anterior. O Reino Unido registrou 805 crimes de ódio contra judeus nas três primeiras semanas de outubro, recorde nesse período. Nos Estados Unidos, a Liga Antidifamação contou 312 casos, alta de 388%. Um relatório feito por entidades judaicas e pelo governo israelense constatou crescimento de 1.180% no discurso antissemita, conclamando a violência contra Israel, sionistas e judeus — 71% veiculado em árabe e 28% em inglês.
No Daguestão, um avião de Israel foi recebido
por uma turba gritando não haver lugar para “matadores de crianças” naquela
região russa, repetindo o absurdo libelo de sangue medieval contra os judeus
(depois, soube-se que o voo transportava russos que tinham ido a Israel buscar
tratamento médico). Em Sydney, Londres, Paris ou Roma, se multiplicam slogans
como “judeus às câmaras de gás”, ataques à bandeira de Israel e pichações de
caráter antissemita. Integrantes de comunidades judaicas têm adotado precauções
para evitar ser identificados como judeus.
Um dos principais palcos do antissemitismo
têm sido as universidades americanas, em especial as de elite. Em Cornell, um
estudante foi detido por publicar ameaças contra alunos judeus. Harvard e Yale
registraram episódios preocupantes. Os autores dessas manifestações costumam
negar o antissemitismo alegando se tratar apenas de protestos contra Israel ou
em defesa da causa palestina. Dizem ser “antissionistas”, não antissemitas. É
um argumento sem o menor cabimento.
Israel pode — e deve — ser criticado. É
perfeitamente legítimo, e até necessário, atacar a política expansionista de
assentamentos ilegais na Cisjordânia, ficar indignado com a presença de
partidos da extrema direita na coalizão governista israelense, protestar em
favor de corredores humanitários na investida violenta contra o Hamas na Faixa
de Gaza — que tem custado uma quantidade enorme de vidas civis inocentes. Não
se pode negar a ninguém o direito de defender um cessar-fogo ou mesmo de pedir
a apuração de crimes de guerra atribuídos aos israelenses. Mas a onda de
“antissionismo” a que o mundo hoje assiste aturdido não se confunde com isso.
O Brasil sempre seguiu um caminho diferente,
de tolerância. Brasileiros de ascendência árabe (cristãos ou muçulmanos) e
judeus vivem lado a lado e irmanados, o mesmo acontecendo com imigrantes de
ambas as origens. Brasileiros não discriminam judeus, brasileiros não
discriminam árabes. Por isso choca profundamente quando algumas lideranças
destoam dessa tradição (ou contribuem para a radicalização). “O Estado de
Israel é uma vergonha para a humanidade, quem mata criança não merece
respeito”, escreveu numa rede social a tesoureira do PT e conselheira de
Itaipu, Gleide Andrade. “Basta desse genocídio. É um crime tantas crianças
palestinas mortas e órfãs. Basta do Estado de Israel”, afirmou noutra postagem
(depois apagou as publicações e se desculpou). Representantes do PSOL queimaram
a bandeira de Israel em manifestação recente. O presidente e líderes do PCO
publicaram panfletos e discursaram em favor do fim de Israel, pedindo palmas a
Hamas e outros jihadistas. Ora, negar aos judeus o direito a um Estado — por que
apenas aos judeus? — ou defender, como fazem manifestantes mundo afora, uma
Palestina “livre do rio ao mar” — significando, geograficamente, o fim de
Israel — não é nada mais que vestir de trajes contemporâneos o ódio milenar aos
judeus.
Em tom menos agressivo, a presidente do PT,
Gleisi Hoffmann, classificou a ação de Israel em Gaza como um “massacre com as
dimensões de um genocídio”. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
embora tenha chamado de terroristas os ataques do Hamas, disse que “aquilo não
é uma guerra, é um genocídio”. Usar o termo genocídio nesse caso não é apenas
incorreto, mas também ofensivo. Incorreto, porque genocídio pressupõe, por
definição, atos praticados “com intenção de destruir, no todo ou em parte, um
grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Como defender que seja essa a
intenção de Israel, quando um quinto dos cidadãos israelenses são etnicamente
palestinos, e a população palestina tem crescido nos territórios ocupados, a
despeito da violência contra ela? E ofensivo, porque, nunca é demais lembrar,
Israel foi erguido sobre as cinzas do Holocausto, maior genocídio da História
recente. O paralelo implícito entre judeus e nazistas é uma manifestação cruel
do antissemitismo contemporâneo. Para que o Brasil fique imune a sentimentos
tão abjetos, é fundamental que nossas lideranças saibam medir as palavras. Elas
têm peso.
Durante muito tempo, o antissemitismo esteve
associado à direita conservadora ou à extrema direita. Ambas continuam a
preocupar. Mas hoje, sob o disfarce do antissionismo, ele se alojou na esquerda
e nos movimentos identitários. É no mínimo contraditório — e merece profunda
reflexão — que militantes tão loquazes no combate a preconceitos contra negros,
mulheres ou gays deem de ombros para o preconceito contra os judeus. A solução
para o conflito no Oriente Médio exige a criação de um Estado palestino, convivendo
lado a lado e em paz com Israel. É nisso que o governo brasileiro deve se
concentrar nos fóruns internacionais. Deve pregar no mundo o ambiente de
tolerância que vivemos aqui. É uma lição que apenas o Brasil pode dar às outras
nações.
Vocação medíocre
Folha de S. Paulo
Descaso com meta fiscal manterá tendência de
regressão frente a economias ricas
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
parece decidido a abandonar formalmente a meta para equilibrar receitas e
despesas em 2024, ao se desobrigar legalmente de atingir o déficit primário
zero. Acredita que
não terá de diminuir investimentos, mas ignora danos já evidentes e
perigos maiores.
Alta no déficit implica aumento de uma dívida
pública que não pararia de crescer, nem mesmo na hipótese de cumprimento das
metas que o governo propôs, ora moribundas. Mas o relaxamento terá implicações
graves em cascata.
O rebaixamento da meta em tese reduz a
possibilidade de seu descumprimento e, portanto, de que o governo se submeta a
sanções previstas em seu chamado arcabouço fiscal. Uma restrição seria o
crescimento menor da despesa em 2025. O acerto de contas com a realidade
ficaria para 2026, ano de eleição, de ajuste improvável.
O relaxamento do plano fiscal antes mesmo do
início de sua implementação elevaria o descrédito do compromisso do governo de
conter sua dívida. Mesmo que já houvesse dúvidas nas projeções do déficit para
2024, a desconfiança na execução do plano se torna cada vez mais certeza da
falta de convicção do governo de que é preciso consertar as contas públicas.
A descrença se manifesta há meses nas taxas
de juros de prazo superior a dois anos, mais elevadas do que no início de
agosto, quando a Selic começara a baixar.
O entorno do presidente alega que o ceticismo
no cumprimento da meta seria o motivo para abandoná-la. Não entendem a
importância da estabilidade de regras e que programas de redução paulatina de
déficits, como o arcabouço fiscal, perdem eficácia se há procrastinação a
perder de vista.
O efeito imediato do desleixo são taxas de
juros mais altas para governo e empresas, e pagamentos ainda maiores de juros
para os mais ricos, conta já exorbitante.
O aumento do custo de financiamentos se
associa à difusão da incerteza. O crescimento menor do que poderia ter sido
reduz expectativas e a confiança de investir.
A despesa em
obras públicas, se é que serão trabalhos relevantes, não compensa essa espiral
de danos —o país já assistiu a tal filme, no final de Lula 2 e
sob Dilma 1.
Os donos do poder vivem de imediatismos, da
preocupação com interesses particulares —isso quando não são alheios de
princípios econômicos rudimentares.
Não se vê programa de desenvolvimento das
capacidades produtivas do país. Comemoram-se os anos em que o crescimento
esteve próximo da média pífia das últimas quatro décadas, de regressão
brasileira em relação às economias ricas. A mediocridade se torna tradição,
talvez seja uma vocação.
Fósseis e mais fósseis
Folha de S. Paulo
Surgimento de vestígios do passado é benesse
sinistra do aquecimento global
As mudanças climáticas produzem cada vez mais
evidências de sua realidade, pondo por terra questionamentos. A maioria delas
envolve danos para o ambiente e populações, mas em poucos casos —como os da
arqueologia e da paleontologia— podem trazer bônus.
Considere-se o aflorar de
gravuras rupestres antes submersas em rios amazônicos. Não fosse a
seca extrema que transformou rios caudalosos como o Negro e o Solimões em
bancos de areia, a ciência teria pouca chance de reconstituir algo desses povos
que ocuparam a região há milhares de anos.
Verdade que as gravações em rocha reveladas
pelo recuo das águas em Ponta das Lajes, Manaus, já haviam aparecido na
estiagem de 2010. Não foi esse o caso, porém, das inscrições surgidas em
Urucará, quando o rio Uatumã baixou.
Em Anamã (AM), o sítio Costa da Goiabeira deu
à luz urnas funerárias. Perto de Tabatinga, na fronteira com Peru e Colômbia,
ruínas do forte português São Francisco Xavier, do século 18, foram desnudadas
pelo Solimões esquálido.
Não há motivo para quase nenhuma comemoração.
O ganho de conhecimento empalidece diante da tragédia que o fenômeno acarreta
para ribeirinhos, que dependem do rio e da fauna que o habita.
No campo da investigação acadêmica do passado
humano e biológico, de todo modo, cabe algum regozijo com a dádiva duvidosa do
aquecimento global. Não só no Brasil, nem apenas para a arqueologia, mas também
a paleontologia.
A primeira disciplina estuda vestígios de
sociedades e já se beneficia com o derretimento de geleiras, por exemplo, desde
1991. Naquele ano, encontraram-se nos Alpes os bem preservados restos mortais
de um homem que ali vivera 5.600 anos antes, apelidado Ötzi.
Na Escandinávia, o gelo castigado pelo
aquecimento vem fornecendo armas, trenós e roupas do Império Romano e da Idade
Média.
Paleontólogos também são agraciados com
fósseis surgidos a partir do derretimento de geleiras do permafrost (solo
congelado) —como o
filhote de mamute mumificado descoberto no Canadá.
São benesses isoladas da portentosa perturbação do clima global produzida pela queima de combustíveis —note-se a ironia— fósseis. Sem medidas efetivas para arrefecer o aquecimento, talvez arqueólogos e paleontólogos um dia escavarão os vestígios da civilização planetária que erodiu as bases de sua própria manutenção.
O círculo vicioso da polarização
O Estado de S. Paulo
A frustração dos americanos com sua
democracia mostra os efeitos deletérios da polarização: ela leva a um sistema
político disfuncional, que leva à apatia ou à radicalização dos eleitores
A democracia mais longeva, rica e poderosa do
mundo está doente. Segundo pesquisa do Pew Research, só 4% dos norte-americanos
pensam que seu sistema político está funcionando muito bem e 63% têm pouca ou
nenhuma confiança em seu futuro. Quando se pergunta sobre sentimentos a
respeito da política, as respostas mais comuns são exaustão (65%) e raiva
(55%). Em contraste, só 10% se sentem esperançosos e 4%, animados. Conclamados
a sintetizar suas impressões sobre o sistema, só 2% utilizaram termos
positivos. Quase 80% empregaram palavras negativas, como “divisivo” e
“corrupto”. A maioria não foi capaz de identificar qualquer força na política.
A insatisfação é consensual à esquerda e à
direita. Em tudo mais, os americanos estão mais divididos do que no passado.
Mais do que a mera divergência, a hostilidade escalou. Desde 2016, a proporção
dos partidários que consideram o outro lado “imoral” saltou entre os
republicanos de 47% para 72% e entre os democratas, de 35% para 63%, padrão
similar para outros estereótipos negativos, como “desonesto”, “intransigente”,
“burro” ou “preguiçoso”.
Paradoxalmente, essa sociedade cada vez mais
polarizada é altamente crítica da polarização. Quando se avalia qual seria o
maior problema do sistema político, o segundo mais citado – só atrás dos
próprios políticos (31%) – foi a polarização ou falta de cooperação partidária
(22%). A parcela dos que desaprovam os dois maiores partidos do país (3 em 10)
é a maior em 30 anos. Quase 9 em 10 dizem que uma boa descrição da política é:
“republicanos e democratas estão mais focados em combater uns aos outros que em
resolver problemas”.
Tanto quanto a escalada da polarização é
sombria, a insatisfação com ela é promissora. A política é a arte de pactuar
consensos sobre direitos e deveres comuns e a alocação dos recursos públicos.
Mas, quando um lado desumaniza o outro e se sente desumanizado pelo outro, esse
esforço é minado na raiz. Em deliberações sobre quem tem direito a “que” ou a
“quanto”, as pessoas podem separar as diferenças, negociar e se sentir
razoavelmente satisfeitas. Mas, numa política que reforça identidades
existenciais, as discussões versam sobre “quem” elas são. Quando é o modo de
vida que está em jogo, o outro lado é visto não só como equivocado, mas
perigoso, e as concessões são percebidas como traição. A polarização oblitera a
responsividade da política, o que leva ao desencanto com ela, o que leva à
apatia ou ao radicalismo. Dificilmente o leitor brasileiro não se reconhecerá
preso nesse círculo vicioso.
Para desarmá-lo, é preciso reconhecer sua
dinâmica. A política identitária, iniciada pela esquerda com a motivação
legítima de incluir minorias, logo degenerou entre os radicais na obsessão
ilegítima por “desconstruir” e humilhar maiorias. Por sua vez, a reação
legítima dos conservadores a essa truculência degenerou, entre os radicais, em
uma truculência redobrada. Hoje as táticas autoritárias se tornaram mais agudas
na direita reacionária. Nada é mais significativo que um presidente encorajando
simpatizantes a invadir o Congresso para impedir que representantes do povo
legitimassem a vontade do povo expressa nas urnas.
Desconstruir a polarização é tarefa que
exigirá dos partidários à esquerda e à direita reconhecer sua parcela de
responsabilidade. Os conservadores têm uma especial missão de se mobilizar para
derrotar os antidemocratas nas urnas. Mas os progressistas precisam ter claro
que, toda vez que desqualificam pessoas por sua pertença a um grupo (homens,
brancos, héteros, cristãos, etc.), só ampliam o estoque de recrutamento dos
reacionários.
Não que conservadores e progressistas devam
abrir mão de suas divergências sobre a ordem jurídica ou o papel do Estado.
Mas, para que possam disputar votos às suas posições e, a partir deles,
negociar a concretização possível de seus ideais, uma precondição é neutralizar
os radicais de ambos os lados, reduzindo incentivos para que eleitores que se
sentem “excluídos” ou “deixados para trás” ingressem em suas aventuras
autoritárias.
Transição demográfica já afeta emprego
O Estado de S. Paulo
Estudos mostram que queda do desemprego
embute redução da força de trabalho, em parte pelo fim do bônus demográfico, o
que sugere mudança estrutural do mercado de trabalho
Aqueda na taxa de desemprego tem desenhado um
cenário positivo do mercado de trabalho nos últimos trimestres, com aumento da
população empregada no setor formal e redução do desemprego de longa duração.
Porém, um fenômeno, sobre o qual o próprio Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) tem se debruçado, chama a atenção de especialistas pela
mudança estrutural que pode representar: a diminuição da população
economicamente ativa, a chamada força de trabalho.
Durante a fase crítica da covid, as medidas
de isolamento social levaram a uma redução brusca da taxa de atividade. Foi um
efeito mundial, diante da necessidade de conter a pandemia. O problema é que no
Brasil esse indicador não voltou ao nível pré-pandêmico. No segundo trimestre,
estava em 61,6%, dois pontos porcentuais abaixo do último trimestre de 2019, em
grande parte por causa de mudanças na importância de cada grupo etário no
total. A diferença pesa estatisticamente e pode relativizar os resultados sobre
a movimentação do mercado de trabalho.
Ou seja, a taxa de desemprego, que fechou o
mês de agosto em 7,8%, a menor marca desde 2015, pode não estar caindo de forma
tão acentuada quanto parece. Para um determinado nível de ocupação, quanto
menor o número de pessoas na força de trabalho, menor a taxa de desemprego. A
taxa de atividade (ou de participação) mede a relação entre o total de pessoas
em idade de trabalhar (acima de 14 anos, pelos critérios do IBGE) e as que
efetivamente participam do mercado – ocupadas ou dispostas a trabalhar.
Tão ou mais importante do que calibrar
corretamente o ritmo do desemprego, entender o quanto antes a mudança que está
em curso é crucial ao planejamento econômico de médio e longo prazos, em
especial para o cálculo de receitas e despesas previdenciárias. O estudo
Impactos da composição etária na taxa de participação da Pnad, concluído neste
mês pela consultoria econômica LCA, destaca que os dados da taxa de
participação a partir de 2019 refletem, “além dos choques e mudanças de
política”, os efeitos da transição demográfica – após o fim do bônus de ter uma
população majoritariamente jovem e apta ao trabalho.
O estudo desagregou dados da pesquisa do IBGE
e concluiu que pesam os efeitos conjunturais da covid, que acelerou pedidos de
aposentadorias e elevou valores de programas de transferência de renda, por
exemplo. Mas o País também começa a sentir os efeitos da mudança da composição
etária. O fato de que, desde 2019, os pesos entre os diferentes grupamentos por
idade mudaram no cálculo total torna maior o desafio de puxar a taxa de
participação desses grupos à verificada antes da pandemia.
O Relatório de Acompanhamento Fiscal da
Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, de outubro, chegou a uma
conclusão semelhante sobre o aumento da inatividade no mercado de trabalho
brasileiro. “Nota-se um acréscimo de 6,7 milhões de indivíduos fora da força de
trabalho potencial em comparação com o período anterior à pandemia, a maioria
dos quais tem 60 anos ou mais, seguida por pessoas de 25 a 59 anos dedicadas
aos afazeres domésticos e familiares”, diz o relatório.
Como tarefa básica para nortear políticas
públicas e de planejamento econômico, cabe ao governo direcionar esforços para
identificar se há como reverter o enxugamento da força de trabalho. Como
destacou o relatório da IFI, isso vai depender basicamente da verificação de
fatores conjunturais e temporários. Pode ser, ao contrário, que a inatividade
captada pela Pnad seja o começo de uma alteração estrutural do mercado de
trabalho, e aí seus efeitos serão mais persistentes.
A partir da suspensão das medidas restritivas
adotadas durante a covid, aos poucos as taxas de participação no mercado de
trabalho foram retornando ou até superando os níveis de 2019 em diversas
economias. Entre os 38 países-membros da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), 31 já eliminaram os efeitos da pandemia, e o
aumento médio em relação ao período pré-covid é de 1 ponto porcentual. O Brasil
chegou a ensaiar uma recuperação, mas, ao que tudo indica, ainda precisa fazer
o dever de casa.
O lado B da supersafra
O Estado de S. Paulo
Déficit na infraestrutura de armazenagem
desperdiça boa parte da colheita nacional
A impactante imagem de toneladas de grãos
estocadas em enormes rolos de polietileno perfilados a céu aberto numa
cooperativa de Maringá (PR), que estampou recentemente a capa do Estadão,
não deixa dúvidas sobre o problema que vem se
agravando à medida que a colheita bate recordes. O déficit na logística de
armazenagem é o lado B da supersafra que ofusca o fato de o País figurar entre
os líderes de produção e comercialização global de grãos.
Trata-se de um problema estrutural antigo,
para o qual, ao longo das décadas, são adotadas medidas paliativas, algumas até
desastrosas, mas nenhuma solução definitiva. O silo-bolsa, ou silo bag, que há
cerca de dez anos tem sido uma alternativa para cooperativas e produtores
brasileiros, nem está entre as piores, embora tenha sido desenvolvido para
países de clima frio e seco, e não para regiões tropicais, onde o risco de
fermentação do grão é maior.
Em outubro, a Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab) divulgou como previsão para a safra do ciclo 2023-2024 a
produção de 317,15 milhões de toneladas. Ainda que represente queda de 1,5% em
relação a 2022-2023, é um resultado robusto que esbarra num período de baixa
nos preços das commodities agrícolas – o aumento da produção, aliás, é um dos
fatores que levam à queda de preços. À espera de melhores oportunidades, a
solução é o estoque. Mas não há armazéns suficientes.
Existe consenso sobre a necessidade urgente
de ampliação e modernização da infraestrutura de armazenamento, mas não há
sequer um diagnóstico exato sobre o problema. À reportagem do Estadão,a direção
da Conab informou que ainda está desenvolvendo estudo qualificado “para
compreender melhor o déficit de armazenagem no País” para traçar estratégias de
forma mais efetiva. Há alguns meses, a consultoria Cogo Inteligência em
Agronegócio estimou em R$ 30,5 bilhões as perdas do Brasil neste ano por causa
da falta de silos.
É um desperdício inaceitável de
oportunidades, de recursos e de alimentos. Os cálculos das perdas que a
ineficiência logística acarreta são sempre exorbitantes. A Associação
Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) calculou, por meio
de uma câmara setorial, que apenas para manter o déficit de infraestrutura
deste ano, que especialistas estimam em 115 milhões de toneladas, seria preciso
investir R$ 15 bilhões por ano. Frisando: não para melhorar, mas apenas para
manter a deficiência atual, em paralelo ao aumento da produção.
A força da produção agrícola nacional não é
um fato a ser apenas comemorado como a salvação da lavoura para a economia
nacional; é premente a adoção de medidas de longo prazo para firmar a posição
do País. Não há como resolver o problema no curto prazo.
O País precisa enterrar de vez os paliativos e políticas desastradas do passado – que já teve até queima de café para tentar manter os preços, como fez o governo Vargas nos anos 30 e 40. Debalde, como se sabe.
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