O Globo
Numa trapaça do tempo, na mesma semana em que
o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, batalha pela quimera do déficit zero, Lula sancionou
o projeto de lei que alivia 1,2 milhão de jovens inadimplentes do Fundo de
Financiamento Estudantil, o Fies.
O rombo do Fies é um espeto de R$ 54 bilhões,
concebido no período em que Haddad foi ministro da Educação, de 2005 a 2012. Na
teoria, tratava-se de financiar o acesso de estudantes a faculdades privadas.
Na prática, fez a festa dos barões do ensino particular. Pelo seguinte:
O financiamento era concedido sem exigência
real de fiador.
O empréstimo era concedido até mesmo a estudantes que haviam tirado zero nas redações do Enem. (Essa anomalia foi corrigida no breve período em que Cid Gomes ocupou o MEC.)
As faculdades privadas promoveram uma maciça
transferência de alunos para o Fies, passando para a Viúva suas carteiras de
inadimplência. Os lucros dos baronatos bombaram.
Em 2014, Haddad, colocado na prefeitura de
São Paulo, orgulhava-se:
“O Brasil é reconhecido por ter os maiores
grupos econômicos na Educação e não adianta falar que é mérito do empresário,
porque sem o pano de fundo institucional não tem quem prospere. O maior grupo
econômico de Educação do mundo é brasileiro.” Naquele ano, o Fies rendera ao
grupo R$ 2 bilhões, cifra inédita até para a empreiteira Odebrecht.
Haddad orgulha-se do desenho que fez para o
Fies, pois “permitiu que o filho do trabalhador chegasse à universidade.” É
verdade, mas enquanto os barões enriqueceram, mais de um milhão de filhos de
trabalhadores caíram na inadimplência. Se o Fies tivesse sido concebido com
mais rigor, todo mundo ganharia. O barões, contudo, ganhariam menos.
O refresco dado aos inadimplentes perdoa boa
parte das dívidas e é coberto por um Fundo Garantidor sustentado, em tese,
pelas faculdades privadas.
Na prática, a Viúva entrava com até R$ 4,5
bilhões, mas o projeto de lei sancionado por Lula elevou esse mimo para R$ 5
bilhões.
A prepotência de MEC/Inep/Cebraspe
O historiador Capistrano de Abreu (1853-1927)
sugeriu que a Constituição tivesse um só artigo: “Todo brasileiro está obrigado
a ter vergonha na cara.”
Era um exagero demófobo, mas alguma alma
piedosa poderia apresentar uma PEC com o seguinte dispositivo:
“Será demitido todo servidor que, tendo
terceirizado um serviço, responsabilize os outros por eventuais deficiências.”
Se essa PEC estivesse em vigor, seria
demitido o ministro da Educação, Camilo
Santana.
Com a proximidade do dia da prova do Enem,
descobriu-se que 50 mil jovens deveriam fazer o exame em locais a mais de 40
quilômetros de distância de suas casas. Quem garantia que a prova seria
aplicada mais perto era o próprio MEC.
Quando surgiram as queixas, as primeiras
respostas foram burocráticas, até mesmo prepotentes. Passados os dias, viu-se o
tamanho da lambança, e o doutor Santana explicou-se:
“Foi feita licitação que se iniciou ainda no
ano passado, concluída neste ano, e a empresa não foi a mesma que realizou o
Enem nos últimos anos. (...) E o Inep identificou que a empresa cometeu erros.”
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais talvez pudesse ter achado os erros, mas quando se perguntou à
empresa o que aconteceu, ela disse que o Inep é quem responde a demandas da
imprensa sobre o Enem.
Com o Enem, milhões de jovens são
malvadamente atirados em provas nas quais jogam um ano de suas vidas. Fez-se
uma lambança, e tanto o ministro quanto o doutor do Inep dizem que a
responsabilidade foi da empresa terceirizada. Ela, por sua vez, diz que quem
trata do assunto é o Inep.
A empresa se chama Cebraspe (Centro
Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos), uma
associação civil sem fins lucrativos. Não busca lucros, mas promove prejuízos e
se comporta como se não tivesse nada a ver com esses eventos.
A lambança da Cebraspe será corrigida com um
novo calendário para os 50 mil jovens prejudicados. Se ninguém vigiar, o
prejuízo irá para a Viúva.
Tempestade em copo d’água
Com tantos problemas para se cuidar, criou-se
uma encrenca com a nomeação da advogada Daniela Teixeira para o Superior
Tribunal de Justiça (STJ).
Ela foi indicada pela Ordem dos Advogados do Brasil, escolhida pelo Tribunal,
indicada por Lula, ouvida pelo Senado, e aprovada.
Em todas as etapas, salvo na da lista feita
pela presidência do Tribunal, ela foi a primeira a ser arrolada. Sua vaga foi a
primeira a surgir. Ela era a primeira da lista enviada por Lula ao Senado, foi
a primeira a falar aos senadores e a primeira a ser aprovada por eles.
Portanto, ela seria a primeira a ser nomeada.
Como essa precedência teria reflexo nas prerrogativas de antiguidade da Corte,
fabricou-se uma tempestade num copo d’água, obstruindo-se o ato final da
nomeação por Lula.
Na pauta, certamente não havia algo mais
importante a tratar.
Montefiore e a guerra
Está na rede um precioso artigo do
historiador inglês Simon Sebag Montefiore, publicado na revista americana
“Atlantic”, intitulado “Decolonization narrative is dangerous and false” (“A
narrativa da descolonização é perigosa e falsa”). Se Deus é brasileiro, alguém
vai colocá-lo em português.
Montefiore escreveu um livro sobre a história
dos judeus e outro sobre Jerusalém. Ele descende de banqueiros que foram sócios
dos Rothschild. Em seu artigo faz uma ardente defesa de Israel na sua guerra
contra os terroristas do Hamas. Faz isso com duas opiniões contundentes:
“Parece impossível, mas a essência (do
conflito) está clara como nunca. Deve-se negociar a existência de um Israel
seguro, ao lado de um Estado Palestino seguro.”
“O governo de Netanyahu é o pior da História
de Israel, por inepto e imoral. Ele promove um ultranacionalismo maximalista
que é equivocado e inaceitável.”
Novembro de 1963
No dia de hoje, há 60 anos, o agente James
Hosty, do FBI, conversou com a dona da casa onde Lee Oswald vivia e ela lhe
disse que o inquilino é um esquerdista “ilógico”.
Amanhã, Oswald irá à biblioteca pública de
Dallas e retirará o livro “O tubarão e as sardinhas”, do ex-presidente
guatemalteco Juan José Arévalo. Em 1954, um golpe estimulado pelos Estados
Unidos havia derrubado seu sucessor.
Nos próximos dias, a Casa Branca baterá o
martelo e decidirá que o presidente John Kennedy estará em Dallas no dia 22. O
Serviço Secreto ainda não decidiu onde ele almoçará. Um dos endereços fica no
caminho do edifício onde Lee Oswald trabalha. A polícia de Dallas diz que não
há suspeitos na cidade.
A revista “Life”, com 30 milhões de leitores,
colocou na sua capa Bobby Baker, o faz-tudo do vice-presidente Lyndon Johnson,
ao tempo em que ele era líder da maioria democrata no Senado. Baker estava
metido em roubalheiras, Johnson ficou milionário na política e a “Life” tem uma
equipe de repórteres no seu rastro.
Kennedy dá pouca atenção ao seu vice. Em dez
meses deste ano, esteve a sós com ele por apenas 53 minutos.
Jacqueline Kennedy informou a uma amiga que acompanhará o marido na viagem ao Texas.
Um comentário:
Viagem para a viagem final.
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