Valor Econômico
Política industrial não combina com juro
alto e câmbio valorizado
Na terça-feira passada, destacamos aqui a
perda de protagonismo dos industriais brasileiros na discussão da política
econômica nas últimas décadas, algo concomitante ao avanço do processo de
desindustrialização no país. Ficou claro que esse processo, iniciado nos anos
1980, continuou inclusive nos 13 anos de governos petistas, a despeito de sua
orientação ideológica no sentido de incentivar a indústria nacional.
Um valoroso trabalho acadêmico sobre esse
assunto traz luzes para que se possa enxergar as relações do setor industrial
com os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. As conclusões do
trabalho são relevantes num momento em que Lula lidera as pesquisas e tem
chance de voltar à Presidência.
Por que azedaram as relações entre os
governos do PT e os industriais, apesar do viés nacionalista do partido? O
trabalho acadêmico (*),
de 200 páginas, de autoria do pesquisador e mestre em sociologia (USP) Pedro
Micussi Pinto, responde a essa pergunta.
Micussi, atualmente especialista em desenvolvimento industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), disse à coluna que, segundo a pesquisa empírica, a principal divergência entre as propostas dos empresários e os programas dos governos do PT, de 2003 a 2016, se deu na política macroeconômica.
De início, houve uma avaliação
crescentemente positiva dos empresários em relação aos programas industriais. O
primeiro - Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) -,
de 2003, foi visto como “tímido”. O último, o Plano Brasil Maior (2011),
mereceu aplausos.
Enquanto isso, a política macroeconômica,
principalmente em relação às taxas de câmbio e aos juros, foi fortemente
criticada ao longo dos 13 anos de governo. Isso acabou minando, observa o
sociólogo, as próprias chances de sucesso das políticas industriais executadas.
“É como se dissessem: ‘O que vale política industrial se juros altos e o câmbio
sobrevalorizado asfixiam o setor?’.”
O professor Micussi e colaboradores na USP
tomaram como objeto de estudo as opiniões emitidas pelo Instituto de Estudos
para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o principal “think tank” da
indústria, e de seus conselheiros. Analisaram documentos e reportagens na
imprensa e entrevistaram empresários.
Na terça-feira passada, neste espaço,
mencionamos que o Iedi representa uma honrosa exceção entre as organizações
empresariais ao não se render ao discurso neoliberal radical dominante no
mercado financeiro e pelo qual o Estado deve se abster de oferecer incentivos ao
desenvolvimento.
A pesquisa de Micussi mostra que o próprio
Iedi, com divergências internas, adotou uma reorientação ao longo dos 13 anos
petistas no sentido da defesa de políticas de abertura comercial. Isso seria,
em parte, decorrência da perda de influência política dos industriais em razão
da queda da participação do setor no PIB nacional. Sem poder sustentar sua
estratégia de desenvolvimento baseada na defesa ampla da empresa nacional, a
indústria passou a defender políticas que, pelo menos, beneficiassem um
conjunto de empresas integradas nas novas cadeias globais de valor.
Claramente, segundo a conclusão da
pesquisa, a indústria, representada pelo Iedi, elaborou e defendeu, de início,
nos 13 anos petistas, uma agenda de desenvolvimento industrializante que
desvinculava os interesses dos industriais daqueles do setor financeiro. Ao
abandonar pautas protecionistas, porém, essa agenda sofreu importante
transformação. Por fim, ao longo do governo Dilma, esses empresários
manifestaram crescente insatisfação com a Nova Matriz Macroeconômica, que se
mostrou equivocada, e com o custo da mão de obra, o que explica sua atuação no
momento do impeachment. Deposta Dilma, no curto governo Michel Temer,
conseguiram a aprovação da reforma trabalhista, com o objetivo de elevar a
produtividade da empresa brasileira.
Segundo Micussi, aos olhos de muitos
industriais, no que se refere à política econômica, os governos do PT foram
muito mais de continuidade que de ruptura em relação ao período Fernando
Henrique Cardoso. Por isso, o processo de desindustrialização não foi
revertido, apesar das históricas ligações do partido com o universo industrial.
No ano da posse de Lula, 2003, a indústria tinha 16,9% do PIB. Treze anos
depois, 2016, quando Dilma sofreu impeachment, a fatia tinha caído para 11,7%.
Toda essa discussão só faz sentido porque
está no ar a possibilidade da eleição de Lula em outubro. À luz do que dizem os
empresários, Micussi observa que um eventual novo governo petista, para
estancar a desindustrialização, precisará obrigatoriamente rever o desenho da
política macroeconômica. Embora a reativação de políticas industriais
(escanteadas no atual governo e hoje adotadas em economias desenvolvidas) seja
importante, será fundamental reverter a política de juros altos e apreciação da
moeda. Essa política foi, na opinião dos empresários da grande indústria, a
principal responsável pela desindustrialização brasileira.
Algumas análises sociológicas indicam a
existência no Brasil de uma certa concordância entre os setores produtivos e
financeiros da economia, porque os capitalistas industriais se tornaram também
rentistas, o que os leva a justificar a manutenção de juros elevados mesmo em
condições como a atual, dominadas pela inflação de demanda. “Apesar da
proliferação de polêmicas sobre esse tema, ele ainda não entrou no debate
eleitoral”, lamenta Micussi. “É sinal da força que o setor financeiro tem para
ditar a agenda econômica do país e, talvez, do que nos aguarda em um eventual
novo governo petista.”
A pesquisa acadêmica do sociólogo Micussi,
de qualquer forma, deixa claro que existe sim, no país, uma enorme parcela do
empresariado industrial, mais ou menos coesa, que compartilha uma determinada
visão sobre o capitalismo brasileiro e defende a interação do Estado com a indústria
para a promoção de desenvolvimento. Resta saber se essa parcela terá força e
coragem suficientes para retomar o protagonismo na discussão macroeconômica no
país.
(*)“Empresário industrial e governos do PT: o caso do IEDI (2003-2016)”, dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP, sob orientação do professor doutor Alvaro Comin.
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