Valor Econômico
Ignorado, Janones se destaca nas redes e
nas pesquisas
Precisamos falar sobre André Janones. Antes
que você pule esta coluna, achando que o assunto não vale preciosos minutos no
café da manhã, é bom saber alguns dados:
1) Pré-candidato
à Presidência, ele tem mais seguidores (bem mais) no Facebook e Youtube que
outros pré-candidatos há muito mais tempo na praça. Só perde para o presidente
Jair Bolsonaro (PL), reconhecidamente o político que melhor sabe usar as redes
sociais no Brasil. No Youtube, 1,39 milhão de pessoas seguem o canal de
Janones. O de Lula (PT), 436 mil. No Facebook são quase 8 milhões de
seguidores, contra 4,9 milhões do petista. Tem boa presença no Instagram (2
milhões), mas é fraco no Twitter (só 131 mil leitores).
Um adendo. Bolsonaro domina de braçada as
redes: 3,6 milhões no Youtube, 19,5 milhões no Insta, 8 milhões no Twitter e
14,5 milhões no Face.
2) Janones tem entre 2% a 3% das intenções de votos nas pesquisas. Não que isso seja indicativo de um grande potencial quando chegar a eleição de fato, mas o apoio ocorreu apesar de ignorado pela imprensa e pelos políticos. Quase não aparece em jornais e TVs. Ontem, uma emissora divulgou no programa matinal a agenda dos presidenciáveis. Teve até o ex-juiz Sergio Moro, que nem mais candidato é, mas nada de Janones. Os políticos também dão pouca atenção. PSDB, MDB e União discutem há meses um nome único para a “terceira via”, mas nunca o procuraram. O PT tenta uma investida, mas para ser apoiado.
3) Numericamente atrás
do ex-governador João Doria (PSDB), mas empatado tecnicamente, ele supera o
tucano e a senadora Simone Tebet (MDB-MS) (também numericamente) quando um dos
dois sai da disputa, diz o Datafolha de março.
4) Os 2% ou 3%
são atingidos mesmo com pouca gente o conhecendo. No Datafolha de março, 4% o
“conheciam muito bem”, 10% que conhecem um pouco e 20% “só de ouvir falar”. Ou
seja, 34% dos brasileiros tinham alguma noção de que ele existia. Nem é preciso
citar os dois líderes das pesquisas, mas Ciro Gomes (89%), Doria (80%) e até
Eduardo Leite (40%) eram mais conhecidos que ele.
5) Isso tende a
mudar até outubro. O Avante lhe garantirá pouco tempo de propaganda eleitoral
na TV, mas ele poderá participar de todos os debates.
6) Também por
ser desconhecido, a rejeição é baixa. Já há movimentos nas redes de militantes
adversários para tentar reverter isso, com comentários de que seria
“agressivo”, “despreparado” e monotemático. E a campanha será mesmo de uma
tecla só: a defesa do “auxílio emergencial” de R$ 600 para os mais pobres,
valor do começo da pandemia e que o projetou nas redes.
Deputado de primeiro mandato, Janones nunca
teve protagonismo na Câmara, mas dialoga com um eleitor mais carente, base de
Lula e que Bolsonaro tenta conquistar com o auxílio de R$ 400. Todos os
deputados tentaram capitalizar os R$ 600, mas só ele de fato conseguiu
projeção, com “lives” diárias
cobrando os políticos nas redes, desfazendo fake news e defendendo o benefício. A um “podcast”
famoso, “protestou” que ninguém pergunta ao rico como ele gasta o que ganha,
mas que o pobre é cobrado se fizer churrasco com o auxílio - que “não é esmola,
é devolução do que ele paga de impostos”.
A projeção na internet com discurso
populista de “defensor do povo” contra os políticos pode dar a impressão de
filhote do bolsonarismo, mas suas posições não deixam dúvida de que está mais à
esquerda, apesar de refutar rótulos ideológicos dizendo que o brasileiro não está
preocupado com isso. Para além de ser um ex-filiado ao PT, sigla que deixou por
não concordar com o “formato de seita”, são seus posicionamentos que o alinham
mais ao eleitor lulista.
Ele é contra privatizar estatais “se não
for realmente necessário” (votou contra as dos Correios e da Eletrobras) e se
manifestou contra a maioria das reformas liberais do governo, como as mudanças
na Previdência, o marco legal do saneamento básico e a medida provisória (MP)
da Liberdade Econômica. Promete taxar grandes fortunas, jatinhos e iates e
aumentar dez vezes o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), o
irrisório “IPTU do campo”, para pagar o auxílio de R$ 600. Mas diferenciou-se
da esquerda ao votar, por exemplo, contra o aumento do fundo eleitoral para R$
5,7 bilhões e contra a flexibilização da Lei de Improbidade Administrativa.
O discurso de que todo o foco do seu
governo será para reduzir a miséria é reforçado pela história pessoal do
candidato. Filho de uma doméstica, formado em Direito com bolsa integral numa
universidade privada enquanto era cobrador de ônibus. Já com o diploma na mão,
dedicava um dia por semana para atender de graça a população mais carente. Um
simbolismo forte para o eleitor que vê seu dinheiro definhar enquanto Bolsonaro
vai de jet ski a um passeio de lanchas com militantes.
Postos os motivos para prestar atenção à
candidatura, é preciso entender que Janones pode ter papel relevante numa
campanha tão polarização e ao mesmo tempo fragmentada. Influente nas redes
sociais, nem cogita viajar a Paris no segundo turno e pedirá a seus seguidores
voto contra o presidente. “Para mim, o [Fernando] Haddad [PT] foi candidato
único no segundo turno. O Bolsonaro nunca foi uma opção porque sou defensor da
democracia.”
Esse papel depende de o Avante apostar de
fato na candidatura. Se for rifado por um partido que precisa de votos para
deputado para sobreviver, Janones já ensaiou no “podcast” em setembro a
desculpa para retornar à Câmara. “A maior parte do nosso bate-papo eu fiquei
frisando o meu papel na Câmara, alguém que fala a linguagem do povo. Não sei se
posso colocar em risco essa cadeira. Se eu saio da Câmara, essa galera que não
tem voz, que não é ouvida, vai ficar em casa sendo obrigada a ouvir discussão
sobre linguagem neutra e voto impresso.”
O projeto do deputado de apenas 38 anos é
de longo prazo. Diz que entra na disputa acreditando na vitória eleitoral, que
sabe ser improvável. A vitória política, contudo, que é tornar seu nome
conhecido com uma mensagem para o eleitor mais pobre, ele acha que já teve para
se tornar conhecido para eleições futuras.
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