terça-feira, 17 de maio de 2022

Raphael Di Cunto: Um candidato para você prestar atenção

Valor Econômico

Ignorado, Janones se destaca nas redes e nas pesquisas

Precisamos falar sobre André Janones. Antes que você pule esta coluna, achando que o assunto não vale preciosos minutos no café da manhã, é bom saber alguns dados:

1) Pré-candidato à Presidência, ele tem mais seguidores (bem mais) no Facebook e Youtube que outros pré-candidatos há muito mais tempo na praça. Só perde para o presidente Jair Bolsonaro (PL), reconhecidamente o político que melhor sabe usar as redes sociais no Brasil. No Youtube, 1,39 milhão de pessoas seguem o canal de Janones. O de Lula (PT), 436 mil. No Facebook são quase 8 milhões de seguidores, contra 4,9 milhões do petista. Tem boa presença no Instagram (2 milhões), mas é fraco no Twitter (só 131 mil leitores).

Um adendo. Bolsonaro domina de braçada as redes: 3,6 milhões no Youtube, 19,5 milhões no Insta, 8 milhões no Twitter e 14,5 milhões no Face.

2) Janones tem entre 2% a 3% das intenções de votos nas pesquisas. Não que isso seja indicativo de um grande potencial quando chegar a eleição de fato, mas o apoio ocorreu apesar de ignorado pela imprensa e pelos políticos. Quase não aparece em jornais e TVs. Ontem, uma emissora divulgou no programa matinal a agenda dos presidenciáveis. Teve até o ex-juiz Sergio Moro, que nem mais candidato é, mas nada de Janones. Os políticos também dão pouca atenção. PSDB, MDB e União discutem há meses um nome único para a “terceira via”, mas nunca o procuraram. O PT tenta uma investida, mas para ser apoiado.

3) Numericamente atrás do ex-governador João Doria (PSDB), mas empatado tecnicamente, ele supera o tucano e a senadora Simone Tebet (MDB-MS) (também numericamente) quando um dos dois sai da disputa, diz o Datafolha de março.

4) Os 2% ou 3% são atingidos mesmo com pouca gente o conhecendo. No Datafolha de março, 4% o “conheciam muito bem”, 10% que conhecem um pouco e 20% “só de ouvir falar”. Ou seja, 34% dos brasileiros tinham alguma noção de que ele existia. Nem é preciso citar os dois líderes das pesquisas, mas Ciro Gomes (89%), Doria (80%) e até Eduardo Leite (40%) eram mais conhecidos que ele.

5) Isso tende a mudar até outubro. O Avante lhe garantirá pouco tempo de propaganda eleitoral na TV, mas ele poderá participar de todos os debates.

6) Também por ser desconhecido, a rejeição é baixa. Já há movimentos nas redes de militantes adversários para tentar reverter isso, com comentários de que seria “agressivo”, “despreparado” e monotemático. E a campanha será mesmo de uma tecla só: a defesa do “auxílio emergencial” de R$ 600 para os mais pobres, valor do começo da pandemia e que o projetou nas redes.

Deputado de primeiro mandato, Janones nunca teve protagonismo na Câmara, mas dialoga com um eleitor mais carente, base de Lula e que Bolsonaro tenta conquistar com o auxílio de R$ 400. Todos os deputados tentaram capitalizar os R$ 600, mas só ele de fato conseguiu projeção, com “lives” diárias cobrando os políticos nas redes, desfazendo fake news e defendendo o benefício. A um “podcast” famoso, “protestou” que ninguém pergunta ao rico como ele gasta o que ganha, mas que o pobre é cobrado se fizer churrasco com o auxílio - que “não é esmola, é devolução do que ele paga de impostos”.

A projeção na internet com discurso populista de “defensor do povo” contra os políticos pode dar a impressão de filhote do bolsonarismo, mas suas posições não deixam dúvida de que está mais à esquerda, apesar de refutar rótulos ideológicos dizendo que o brasileiro não está preocupado com isso. Para além de ser um ex-filiado ao PT, sigla que deixou por não concordar com o “formato de seita”, são seus posicionamentos que o alinham mais ao eleitor lulista.

Ele é contra privatizar estatais “se não for realmente necessário” (votou contra as dos Correios e da Eletrobras) e se manifestou contra a maioria das reformas liberais do governo, como as mudanças na Previdência, o marco legal do saneamento básico e a medida provisória (MP) da Liberdade Econômica. Promete taxar grandes fortunas, jatinhos e iates e aumentar dez vezes o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), o irrisório “IPTU do campo”, para pagar o auxílio de R$ 600. Mas diferenciou-se da esquerda ao votar, por exemplo, contra o aumento do fundo eleitoral para R$ 5,7 bilhões e contra a flexibilização da Lei de Improbidade Administrativa.

O discurso de que todo o foco do seu governo será para reduzir a miséria é reforçado pela história pessoal do candidato. Filho de uma doméstica, formado em Direito com bolsa integral numa universidade privada enquanto era cobrador de ônibus. Já com o diploma na mão, dedicava um dia por semana para atender de graça a população mais carente. Um simbolismo forte para o eleitor que vê seu dinheiro definhar enquanto Bolsonaro vai de jet ski a um passeio de lanchas com militantes.

Postos os motivos para prestar atenção à candidatura, é preciso entender que Janones pode ter papel relevante numa campanha tão polarização e ao mesmo tempo fragmentada. Influente nas redes sociais, nem cogita viajar a Paris no segundo turno e pedirá a seus seguidores voto contra o presidente. “Para mim, o [Fernando] Haddad [PT] foi candidato único no segundo turno. O Bolsonaro nunca foi uma opção porque sou defensor da democracia.”

Esse papel depende de o Avante apostar de fato na candidatura. Se for rifado por um partido que precisa de votos para deputado para sobreviver, Janones já ensaiou no “podcast” em setembro a desculpa para retornar à Câmara. “A maior parte do nosso bate-papo eu fiquei frisando o meu papel na Câmara, alguém que fala a linguagem do povo. Não sei se posso colocar em risco essa cadeira. Se eu saio da Câmara, essa galera que não tem voz, que não é ouvida, vai ficar em casa sendo obrigada a ouvir discussão sobre linguagem neutra e voto impresso.”

O projeto do deputado de apenas 38 anos é de longo prazo. Diz que entra na disputa acreditando na vitória eleitoral, que sabe ser improvável. A vitória política, contudo, que é tornar seu nome conhecido com uma mensagem para o eleitor mais pobre, ele acha que já teve para se tornar conhecido para eleições futuras.

 

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