terça-feira, 17 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Imposto no tribunal

Folha de S. Paulo

Medidas tributárias no ano eleitoral geram tensão federativa e chegam ao Supremo

À base de voluntarismo, o governo Jair Bolsonaro (PL) reduziu por decreto o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre uma série de produtos. Também apoiou projeto aprovado no Congresso que modificou a cobrança do ICMS sobre combustíveis, com o objetivo de reduzir a tributação sobre óleo diesel, gasolina e etanol.

As medidas tornaram-se objeto de controvérsias, levadas à apreciação do Supremo Tribunal Federal. Liminares suspenderam o efeito mais polêmico da norma federal a respeito do IPI e decisões estaduais sobre o diesel.

As duas normas tentavam remediar —de modo circunstancial, se não eleitoreiro— problemas da conjuntura econômica agravados por uma carga tributária pesada.

Dada a complexidade do sistema de impostos e os interesses envolvidos, empresariais, federativos e políticos, decretos e regulamentações em questão acabaram judicializados. Em decorrência, aumenta a insegurança jurídica.

A intenção dos decretos do IPI era promover vendas da indústria e conter preços. Mas a redução de impostos e de preços ameaçaria a vantagem competitiva das empresas da Zona Franca de Manaus e, talvez, sua sobrevivência. Dado que a ZFM é assunto constitucional, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, concedeu limitar suspendendo efeitos dos decretos.

Já o ICMS dos combustíveis, conforme o texto aprovado pelo Congresso, passa a ter alíquota fixa, em valor por litro uniforme em todos os estados —em vez de um percentual sobre preço, o que acentua os momentos de encarecimento.

A regra de transição previa uma alíquota que teria como base o valor do combustível nos 60 meses anteriores. Entretanto o conselho dos secretários estaduais da Fazenda editou norma para o diesel que contornava a imposição da lei e evitava uma perda maior de arrecadação. A manobra foi derrubada pelo ministro André Mendonça.

As motivações políticas das intervenções nos impostos são evidentes, dadas a revolta contra a inflação e a proximidade das eleições. Isso não quer dizer que elas tenham objetivos errados —a mudança do ICMS, em particular, faz sentido, enquanto o corte do IPI é mais problemático devido ao desequilíbrio orçamentário federal.

Os problemas se deram na execução precária. Por meio de providências imediatistas, tentou-se dar conta de mazelas de uma economia estagnada e distorções de um sistema tributário à espera de reforma faz ao menos um quarto de século, por acomodação politiqueira e interesses particularistas.

A confluência de atropelo e negligência costuma resultar em mais complexidade e judicialização. Foi o que ocorreu mais uma vez.

Criança na escola

Folha de S. Paulo

Prioridade bolsonarista ao ensino domiciliar passa ao largo do interesse público

Num país de deficiências históricas na educação, ora agravadas pelo impacto da pandemia, é deplorável que a administração Jair Bolsonaro (PL) desperdice tempo e energia com uma pauta essencialmente ideológica para o setor —a regulação do ensino domiciliar.

A fixação de normas para que pais possam educar os filhos em casa integra a lista de prioridades legislativas do governo e pode ser votada nesta semana na Câmara dos Deputados. Não bastasse o descompasso com as prioridades nacionais, o tema acumula controvérsias pedagógicas e jurídicas.

Embora a prática tenha sido considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, a corte fixou o entendimento de que se trata de uma atividade ilegal até que o Congresso a regulamente.

No âmbito estadual, iniciativas nesse sentido têm sido contestadas e até derrubadas, como ocorreu recentemente no Paraná, onde o Tribunal de Justiça anulou a lei que legalizava o ensino em casa.

Os partidários da proposta argumentam que lhes cabe o direito de decidir como educar os próprios filhos. Em geral, porém, falta aos genitores formação adequada para ministrar os conteúdos escolares.

Não é desprezível, ademais, o risco de que crianças venham a ter uma educação doutrinária que não dê margem ao contraditório e exclua outras visões de mundo.

Mesmo que sejam determinadas regras mínimas para a prática, como faz um dos projetos que tramita na Câmara, estabelecendo a necessidade de matrícula em alguma instituição de ensino e avaliações periódicas, deve-se ter em mente que o papel das escolas não se restringe à transmissão de currículos.

Educadores são unânimes em afirmar a importância da convivência com colegas e professores para o pleno desenvolvimento social e emocional dos estudantes. Assim, a regulamentação deveria limitar a possibilidade do ensino domiciliar apenas a casos excepcionais.

A proposta constitui uma demanda de estratos diminutos da sociedade, e uma ampla maioria a rejeita. Segundo recente pesquisa conduzida pelo Datafolha, quase 80% dos brasileiros discordam, total ou parcialmente, da ideia de permitir que pais tirem os filhos da escola para ensiná-los em casa.

A ninguém escapa que as premências do país são outras —e a elas se soma dar fim ao caos administrativo e ao aparelhamento do Ministério da Educação promovidos pela administração Bolsonaro.

A fila dos pobres não anda

O Estado de S. Paulo

Se funcionasse, o Auxílio Brasil ainda seria um modesto alívio para os problemas agravados pelo desgoverno bolsonariano

Emperrou de novo o Auxílio Brasil, a versão bolsonariana – eleitoreira e ineficaz – do Bolsa Família. Cerca de 1,3 milhão de famílias estão à espera da ajuda, numa fila parada e crescente, segundo estimativa baseada em critérios da Confederação Nacional dos Municípios e do Cadastro Único do Ministério da Cidadania. Em janeiro a administração federal anunciou ter zerado a fila. Mas os novos beneficiários da verba mínima de R$ 400 por mês permanecem à espera. Não havia, até a publicação da notícia pelo Estadão, na segunda-feira, dados oficiais sobre esses candidatos. O poder central evitou, durante meses, tratar do assunto publicamente. Informações de várias fontes indicam, no entanto, o ressurgimento de um problema recorrente na atual administração.

O presidente Jair Bolsonaro propôs em agosto do ano passado, por meio de medida provisória (MP), a substituição do programa Bolsa Família pelo Auxílio Brasil. O Congresso aprovou a proposta em dezembro. A partir daí, o presidente da República, em busca da reeleição, passou a dispor de um grande programa social com seu carimbo. Mas faltava cuidar de alguns detalhes cruciais: garantir recursos para as transferências de renda e administrar as operações. Planejamento, administração e execução, como já ficou evidente muitas vezes, são atividades estranhas ao impropriamente chamado “governo” Bolsonaro. Essa incompatibilidade foi novamente comprovada.

Uma grande fila de famílias candidatas ao Bolsa Família foi noticiada em fevereiro de 2020, começo do segundo ano de mandato do atual presidente. Falou-se, na época, de números em torno de 1 milhão. O assunto reapareceu em fevereiro de 2021, com informações sobre 1,8 milhão de famílias na fila. Em junho, o contingente havia aumentado para 2,2 milhões, de acordo com reportagens publicadas em setembro.

Quando se divulgaram essas informações, o presidente já havia encaminhado ao Congresso a MP sobre o Auxílio Brasil. Enquanto congressista, Bolsonaro foi conhecido por seu agressivo antipetismo, expresso em palavras grosseiras à deputada Gleisi Hoffmann. Igualmente notórias foram suas declarações de desprezo ao Bolsa Família, por ele chamado de “bolsa farelo” e descrito como política destinada a garantir votos de cabresto. O Bolsa Família, disse o deputado Bolsonaro durante o governo de Dilma Rousseff, “nada mais é do que um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no poder”.

O presidente comprovou, durante a pandemia, o potencial político-eleitoral das ações de socorro aos pobres. No ano seguinte ele avançou nas conclusões práticas, propondo a conversão da herança petista em programa a serviço de sua reeleição.

Se o programa deslanchar e for executado com alguma eficiência até o fim do ano, Bolsonaro apenas promoverá, de fato, um pequeno reparo dos estragos causados pelos erros, pelos desmandos e pela enorme incompetência de sua administração. Grande parte da pobreza brasileira, facilmente visível nas grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, e também nas áreas menos desenvolvidas, é produto do bolsonarismo.

Eleito num país ainda afetado pela recessão de 2015-2016, o político Jair Bolsonaro interrompeu a recuperação apenas iniciada, manteve o desemprego muito alto, desperdiçou bilhões com seus aliados e criou ambiente para uma inflação muito acelerada.

O Brasil tem a quarta maior taxa de inflação do mundo, mas entre os países com números piores estão a Argentina, uma economia há muito tempo desarranjada, e a Rússia, com problemas agravados pela guerra e pelas sanções decretadas por grandes potências. Poucas economias capitalistas têm desemprego igual ou superior a 7%, mas a taxa, no Brasil, ainda ficou em 11,1% no primeiro trimestre. O efeito desastroso da combinação de alto desemprego, inflação desatada e juros elevados é amplamente conhecido. O Auxilio Brasil daria algum alívio aos mais atingidos, mas nem esse modesto remédio vem sendo corretamente distribuído. 

Uma democracia capenga

O Estado de S. Paulo

O Orçamento não reflete as grandes prioridades nacionais. A democracia, para gerar os frutos a que se destina, requer muito mais que o indispensável respeito aos seus atributos formais

O Orçamento público talvez seja o termômetro mais bem calibrado para indicar a “saúde” da democracia representativa. É claro que o sufrágio universal, o voto direto e secreto e a realização de eleições periódicas estão na raiz do processo democrático. Mas, ao fim e ao cabo, de que vale tudo isso se a representação política resultante das escolhas dos eleitores nas urnas é pervertida na elaboração e execução de um Orçamento que nem de longe reflete as grandes prioridades nacionais? A democracia, para gerar os frutos a que se destina, requer muito mais do que o indispensável respeito aos seus atributos formais.

Em última análise, o Orçamento é o esteio da administração pública, que se presta, antes de tudo, a cuidar da boa alocação dos recursos públicos de modo a melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. A Constituição determina que cabe ao Poder Executivo planejar e executar essa alocação, após autorização e sob fiscalização do Poder Legislativo. O que se vê, no entanto, é que essa parceria constitucional fundamental foi transformada em verdadeiro conluio entre um presidente da República extremamente fraco do ponto de vista moral e político e um grupo de parlamentares ávidos por capturar recursos do Orçamento em dimensão poucas vezes vista antes na história republicana. Os efeitos dessa tempestade perfeita serão sentidos mesmo após o fim do governo Bolsonaro e da atual legislatura.

Nesse sentido, a democracia representativa no Brasil está doente porque o Orçamento foi capturado por uma casta que o converteu em instrumento de compra de apoio político e enriquecimento ilícito. O “orçamento secreto”, escândalo revelado pelo Estadão no ano passado, é a quintessência do patrimonialismo que há séculos se ergue como muralha intransponível entre o Brasil e seu futuro mais auspicioso.

Se, nos últimos anos, o “orçamento secreto” tem servido para o presidente Jair Bolsonaro comprar o tênue apoio de um grupo de parlamentares a fim de evitar a sua cassação – só isso explica a permanência de Bolsonaro no cargo após cometer crimes de responsabilidade em série –, neste acirrado ano eleitoral as emendas de relator (RP-9), base do esquema, também têm servido para comprar o apoio de prefeitos, tidos como grandes cabos eleitorais.

Uma reportagem do Estadão revelou que prefeituras de diferentes regiões do País negociaram com o Palácio do Planalto a distribuição de R$ 13,1 bilhões oriundos do “orçamento secreto”. Essa dinheirama deverá ser alocada em redutos eleitorais de parlamentares aliados de Bolsonaro, que, assim como o presidente, disputam a reeleição. O objetivo é atrair o apoio de prefeitos de pequenos e médios municípios, onde o gestor municipal tem muito mais poder de influência sobre a escolha dos eleitores.

A prática é inconstitucional e imoral porque, como já foi dito, perverte a representação política ao desvirtuar a alocação de recursos públicos para o atendimento de demandas de aliados do governo de turno, sem qualquer transparência, equidade ou critérios objetivos. Além disso, porque tem o objetivo escancarado de desequilibrar a disputa eleitoral, favorecendo algumas candidaturas em detrimento de outras por meio da alocação privilegiada de recursos do Orçamento.

É improvável que algo aconteça para barrar essa farra com o dinheiro dos contribuintes. O procurador-geral da República, Augusto Aras, já deu mostras cabais de sua indisposição para investigar os malfeitos do atual governo. Por sua vez, os presidentes das Casas Legislativas, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e o deputado Arthur Lira (PP-AL), dificultam como podem a transparência sobre tudo o que envolve o “orçamento secreto”. Só no dia 9 passado o presidente do Congresso cumpriu decisão do Supremo Tribunal Federal de informar à Corte detalhes sobre a distribuição das emendas de relator. Mas ainda não se pode dizer que tudo foi esclarecido, pois aos parlamentares era “facultado” colaborar enviando essas informações. Ou seja, respondeu quem quis.

Ou acaba o “orçamento secreto” ou a sociedade seguirá experimentando uma democracia capenga. 

Um superávit enganoso

O Estado de S. Paulo

Resultados das contas dos três níveis de governo sugerem situação confortável, mas o governo central tem déficit alto

Em março, pelo quinto mês consecutivo, o setor público consolidado (governo central, Estados, municípios e estatais, com exceção de Petrobras e Eletrobras) registrou superávit primário. Esse resultado é a diferença entre receitas e despesas públicas, antes do pagamento de juros, por isso é um importante indicador da capacidade do setor público de administrar adequadamente sua dívida. Em valores, o superávit primário de março alcançou R$ 4,312 bilhões, maior do que o de fevereiro (R$ 3,471 bilhões) e menor do que o de março de 2021 (R$ 4,981 bilhões).

Também no resultado acumulado de 12 meses o quadro aparenta situação muito confortável das finanças públicas. O superávit primário de R$ 122,758 bilhões acumulado em 12 meses até março corresponde 1,37% do Produto Interno Bruto (PIB).

Sob esses números há, porém, algumas indicações no mínimo incômodas sobre a trajetória das contas públicas e suas perspectivas para os próximos meses. A decomposição dos resultados por níveis de governo, por exemplo, mostra uma clara diferença entre a evolução das finanças do governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e INSS) e a das contas dos Estados e municípios.

Se fossem computados apenas os dados do governo central, o resultado seria um déficit primário de R$ 7,811 bilhões apenas em março; ou de R$ 10,022 bilhões no acumulado de 12 meses. Estes são números que comprovam o desequilíbrio das contas do governo central. O resultado consolidado (de todos os níveis de governo) tem sido positivo por causa do desempenho excepcional das contas dos Estados e municípios (superávit primário de R$ 11,882 bilhões em março e de R$ 123,330 bilhões em 12 meses).

A política fiscal do governo do presidente Jair Bolsonaro, se tem alguma identidade, é seu caráter errático. Para beneficiar setores da economia ou grupos sociais de estrito interesse político-eleitoral do presidente, impostos têm sido reduzidos (ou aumentados, quando se trata de onerar eventuais adversários ou por erro de cálculo) nem sempre com a devida projeção sobre o impacto fiscal da medida no futuro. Benefícios bancados com recursos do Tesouro igualmente têm sido distribuídos para determinados segmentos empresariais ou grupos sociais escolhidos sempre com objetivos eleitorais.

O mais grave, porém, é o fato de que o desequilíbrio fiscal que os resultados do governo central tornam óbvio tem componentes duradouros, como o crescimento real constante de uma grande parcela das despesas, cujo peso tem crescido ao longo do tempo. Sem medidas profundas de reforma da estrutura de gastos, o que implica custo político elevado, essa tendência poderá, no máximo, ser mitigada, mas não eliminada.

Conjunturalmente, a inflação tem contribuído para dar alguma cor inspiradora nas receitas do governo central, mas a mesma inflação, também por exigir uma política monetária mais dura, acabará por dificultar a atividade econômica. Investimentos e consumo podem ser desestimulados. A receita pode parar de crescer e o custo da dívida pública subirá.

Jabuti das térmicas precisa ser revisto ou criará problemas

O Globo

A escandalosa inclusão, na lei de privatização da Eletrobras, da obrigação de instalar usinas termelétricas onde não há gás nem alto consumo de energia tem criado um problema atrás do outro. Pela estimativa da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), encarecerá a geração da energia em R$ 52 bilhões até 2036, ou 56% além dos R$ 93 bilhões necessários para operar o sistema caso houvesse competição de outras fontes — custo transferido direto para a conta de luz. A medida também fez ressurgir com força em Brasília as pressões para liberar recursos à construção de gasodutos.

Com aval dos caciques do Centrão, voltou à tona a antiga discussão sobre a criação de um fundo estatal, o Brasduto, alimentado com recursos do pré-sal, com o objetivo de financiar os gasodutos necessários a levar o gás às térmicas. Fala-se em destinar recursos da ordem de R$ 100 bilhões, em benefício dos construtores de gasodutos e donos de concessões de gás nessas regiões.

É preciso pontuar primeiro que há argumentos razoáveis em favor do uso do gás na matriz energética brasileira. As térmicas, acionadas diante da necessidade, já se provaram uma forma eficaz de lidar com a intermitência do regime de chuvas das hidrelétricas (responsável pelo recorrente risco de apagão) e de energias renováveis sujeitas a flutuações do sol e dos ventos. As fontes solar e eólica também não prescindem de novas linhas de transmissão para transportar energia do Nordeste, de custo estimado em R$ 50 bilhões.

O Brasil vive uma situação esdrúxula, pois reinjeta no solo o gás que extrai com o petróleo do pré-sal e ao mesmo tempo importa gás natural para suas térmicas, acionadas de modo descontínuo. Apesar da dimensão continental, o país dispõe de uma malha restrita de gasodutos, pouco mais de metade da argentina e menos de 2% da americana. Por fim, entre os combustíveis fósseis, o gás natural apresenta as menores emissões e a maior possibilidade de mitigação pela captura do carbono lançado na atmosfera. Deveria, por todos esses motivos, ser uma tecnologia importante na transição da matriz brasileira para um futuro de energia limpa.

Mas nada disso justifica a lambança do Congresso, que decidiu resolver o problema à revelia dos mecanismos de mercado: obrigou a instalação de térmicas distantes dos centros produtores de gás e quer agora impingir uma extensa malha de gasodutos para alimentá-las. A decisão sobre a melhor tecnologia, que garanta energia ao brasileiro ao menor custo e com o menor impacto ambiental, deveria resultar de estudos técnicos comparativos, referendados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), não da força de pressão política sobre os parlamentares.

Depois de várias tentativas fracassadas para forçar a construção das térmicas, um jabuti foi inserido na lei de privatização da Eletrobras de forma marota, logo no primeiro artigo, para evitar o veto pelo presidente Jair Bolsonaro (que equivaleria a vetar toda a privatização). A solução que resta agora é o Congresso aprovar uma nova lei capaz de lidar com essa barbaridade, garantindo ao país uma matriz energética ao mesmo tempo confiável e eficiente. Os leilões de térmicas, gasodutos e outras tecnologias de geração e distribuição deveriam ser feitos com base em critérios estritamente técnicos e econômicos. Do contrário, o país continuará refém do capitalismo de compadrio, que só traz ineficiência e improdutividade.

Destino político de dinheiro do SUS desequilibrou combate à pandemia

O Globo

À medida que mais informações sobre as emendas do relator são analisadas, mais claro fica o absurdo do mecanismo que permitiu ao presidente Jair Bolsonaro comprar apoio no Congresso. No ano passado, o mais letal da pandemia, o Brasil passou quase quatro meses com mais de 10 mil mortes semanais por Covid-19, uma tragédia que ficará marcada para sempre na mente de quem a viveu.

Pois justamente em 2021 o Fundo Nacional de Saúde, fonte de recursos do Ministério da Saúde para bancar compras de ambulâncias, atendimento médico e construção de hospitais, recebeu R$ 7,4 bilhões em emendas do relator. Num governo íntegro, os recursos seriam usados para canalizar verbas às políticas públicas destinadas ao combate à pandemia e ao tratamento da saúde do maior número de pessoas. Não foi o que aconteceu.

O critério usado para destinar as verbas foi político. Bolsonaro deixou o Centrão enviar dinheiro a seus redutos eleitorais. Para entender a distorção, basta um exemplo revelado pelo GLOBO. São Gonçalo (RJ), cidade de 1,2 milhão de habitantes e base do deputado Altineu Côrtes, líder do PL na Câmara, partido de Bolsonaro, recebeu R$ 111 milhões em emendas do relator. A média foi de R$ 92 por habitante. O município do Rio, com 5,5 vezes a população de São Gonçalo, recebeu meros R$ 10 milhões, ou R$ 1,5 por habitante. Há vários outros exemplos similares.

Em qualquer momento, essa disparidade seria um desatino. No período mais crítico da saúde pública no Brasil em um século, foi um crime. O próprio mérito da decisão de colocar verbas das emendas do relator no Fundo Nacional de Saúde entra em xeque quando se aventam as motivações. É difícil acreditar que a preocupação maior tenha sido a saúde da população. Emendas parlamentares podem levar anos para chegar aos municípios, mas na Saúde o envio é mais célere. Também há maior dificuldade de identificar os gastos. O Fundo Nacional de Saúde reúne várias fontes de recursos, o que torna mais árduo o trabalho de acompanhar o que foi destinado por deputados e senadores que se refestelam com as emendas do relator. Tudo isso funciona como incentivo a desvios.

Mais de uma vez, Bolsonaro tentou imprimir legitimidade à prática, como se fosse aceitável. No mês passado, disse que “essa outra parte de emenda [de relator] ajuda a acalmar o Parlamento. O que eles querem, no final das contas, é mandar recursos para as suas cidades”. Mas, obviamente, o critério político na distribuição de verba pública não é inofensivo.

Enquanto o Centrão mandava dinheiro para seus redutos, milhares morriam em cidades mais populosas, e profissionais de saúde tentavam fazer o melhor com os recursos disponíveis. Na definição do colunista do GLOBO Fernando Gabeira, as emendas do relator são “um assalto ao dinheiro público para fins paroquiais”. Ou ainda piores.

Economia hesita e avança em ritmo bastante irregular

Valor Econômico

O bom desempenho dos meses atuais poderá levar o BC a prolongar o aperto monetário para conter a inflação

O nível de atividade surpreendeu neste início do ano, conforme dados referentes ao primeiro trimestre divulgados neste mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As previsões de recessão que chegaram a ser feitas ficaram para trás, embora não se espere nada exuberante. Agora, a preocupação passou a ser com 2023, que pode ser atingido mais intensamente pelas medidas de controle da inflação que estão sendo implementadas pelo Banco Central (BC).

O primeiro sinal foi mais tímido e partiu da indústria, que teve crescimento de 0,3% em março na comparação com fevereiro, quando já havia ampliado a produção em 0,7%. Mas os resultados ainda fracos foram insuficientes para recuperar as perdas anteriores. Somente em janeiro, a produção industrial tinha caído 2%. Repercussões da pandemia, o conflito no Leste Europeu, o lockdown na China são fatores que influenciam negativamente o funcionamento da indústria. A produção industrial ainda é 2,1% menor do que antes da pandemia, em fevereiro de 2020. Apenas o segmento de bens duráveis está nada menos do que 23,1% abaixo.

Na semana passada vieram os resultados do varejo, já melhores, com crescimento de 1% em março em comparação com fevereiro, no terceiro avanço consecutivo. No trimestre, a expansão acumulada foi de 1,9% em relação ao anterior. Foi o melhor desempenho para o período desde 2017. Com isso, o varejo superou em 2,6% a marca anterior de fevereiro de 2020.

A grande surpresa positiva ficou por conta dos serviços, que cresceram 1,7% em março em relação a fevereiro, o melhor desempenho para o mês da série histórica iniciada em 2011. O crescimento acumulado no 1º trimestre do ano na comparação com o 4º de 2021 é de 1,8%. Os serviços estão 7,2% acima do nível anterior à pandemia e têm sido puxados por negócios na área de tecnologia. Já os serviços para as famílias estão 12% abaixo do patamar de fevereiro de 2020 e foram o único segmento do setor que não recuperou as perdas causadas pela pandemia.

Esses resultados, especialmente o dos serviços, animaram a revisão das previsões para o Produto Interno Bruto (PIB). Se em dezembro havia instituições financeiras e consultorias que esperavam uma recessão neste ano, há agora estimativa de crescimento de até 1,5%. Não é nada espetacular, apenas em linha com o ritmo pífio registrado após a recessão de 2015 e 2016 e que caracterizou o período anterior à pandemia.

Além disso, o ano deverá ter um ritmo bastante irregular. O primeiro trimestre surpreendeu pelo impacto positivo da reabertura da economia, especialmente sobre os serviços, que representam cerca de 70% do PIB, e por uma certa estabilização do desemprego. O segundo deve ser igualmente bom, com crescimento menor, favorecido pela liberação dos recursos do FGTS e pela antecipação do 13º. salário dos aposentados. São medidas que o presidente Jair Bolsonaro vem repetindo desde a pandemia para tentar alavancar sua questionável popularidade e que agora foram renovadas nas proximidades das eleições presidenciais. O Banco Original estima que se todo o FGTS resgatado for direcionado para o consumo, o impacto positivo no PIB será de 0,2 a 0,3 ponto percentual. O número não é maior porque há a expectativa de que o aperto monetário provocado pela elevação da taxa de juros atinja o pico no segundo semestre do ano, com repercussão ao longo de 2023 (Valor 13/5).

Ironicamente, o bom desempenho dos meses atuais poderá levar o Banco Central a prolongar ou até intensificar o aperto monetário na tentativa de conter a inflação, afetando o desempenho de 2023, quando também deverá ser cobrada toda a conta dos desmandos fiscais. Há quem tenha cortado pela metade as projeções para o próximo ano. Além disso, a inflação alta deve continuar a prejudicar o poder de compra das famílias, ao passo que os benefícios da reabertura da economia e liberação do FGTS já terão se esgotado, prejudicando o varejo e refreando os serviços.

Há ainda fatores a respeito dos quais há grandes dúvidas. Um deles é externo: a evolução do conflito no Leste Europeu que, de um lado beneficia a produção nacional de commodities agrícolas e minerais - hoje um dos principais impulsos ao PIB - e, de outro, pressiona mais a inflação. Ainda na área externa há a hesitação a respeito da condução da política monetária pelo Federal Reserve para o controle da inflação. O outro é interno, derivado da esperada turbulência do processo eleitoral e seu potencial para conturbar a economia e o ânimo do consumidor. Diante de tantas incertezas, a saída é esperar para ver.

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