Editoriais
Imposto no tribunal
Folha de S. Paulo
Medidas tributárias no ano eleitoral geram
tensão federativa e chegam ao Supremo
À base de voluntarismo, o governo Jair
Bolsonaro (PL) reduziu por decreto o Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI) sobre uma série de produtos. Também apoiou projeto aprovado no Congresso
que modificou a cobrança do ICMS sobre combustíveis, com o objetivo de reduzir
a tributação sobre óleo diesel, gasolina e etanol.
As medidas tornaram-se objeto de
controvérsias, levadas à apreciação do Supremo Tribunal Federal. Liminares
suspenderam o efeito mais polêmico da norma federal a respeito do IPI e
decisões estaduais sobre o diesel.
As duas normas tentavam remediar —de modo
circunstancial, se não eleitoreiro— problemas da conjuntura econômica agravados
por uma carga tributária pesada.
Dada a complexidade do sistema de impostos
e os interesses envolvidos, empresariais, federativos e políticos, decretos e
regulamentações em questão acabaram judicializados. Em decorrência, aumenta a
insegurança jurídica.
A intenção dos decretos do IPI era promover
vendas da indústria e conter preços. Mas a redução de impostos e de preços
ameaçaria a vantagem competitiva das empresas da Zona Franca de Manaus e,
talvez, sua sobrevivência. Dado que a ZFM é assunto constitucional, o ministro
Alexandre de Moraes, do Supremo, concedeu
limitar suspendendo efeitos dos decretos.
Já o ICMS dos combustíveis, conforme o
texto aprovado pelo Congresso, passa a ter alíquota fixa, em valor por litro
uniforme em todos os estados —em vez de um percentual sobre preço, o que
acentua os momentos de encarecimento.
A regra de transição previa uma alíquota
que teria como base o valor do combustível nos 60 meses anteriores. Entretanto
o conselho dos secretários estaduais da Fazenda editou norma para o diesel que
contornava a imposição da lei e evitava uma perda maior de arrecadação. A
manobra foi derrubada
pelo ministro André Mendonça.
As motivações políticas das intervenções nos impostos são evidentes, dadas a revolta contra a inflação e a proximidade das eleições. Isso não quer dizer que elas tenham objetivos errados —a mudança do ICMS, em particular, faz sentido, enquanto o corte do IPI é mais problemático devido ao desequilíbrio orçamentário federal.
Os problemas se deram na execução precária.
Por meio de providências imediatistas, tentou-se dar conta de mazelas de uma
economia estagnada e distorções de um sistema tributário à espera de reforma
faz ao menos um quarto de século, por acomodação politiqueira e interesses
particularistas.
A confluência de atropelo e negligência
costuma resultar em mais complexidade e judicialização. Foi o que ocorreu mais
uma vez.
Criança na escola
Folha de S. Paulo
Prioridade bolsonarista ao ensino
domiciliar passa ao largo do interesse público
Num país de deficiências históricas na
educação, ora agravadas pelo impacto da pandemia, é deplorável que a
administração Jair Bolsonaro (PL) desperdice tempo e energia com uma pauta
essencialmente ideológica para o setor —a regulação do ensino domiciliar.
A fixação de normas para que pais possam
educar os filhos em casa integra a lista de prioridades legislativas do governo
e pode ser votada nesta semana na Câmara dos Deputados. Não bastasse o
descompasso com as prioridades nacionais, o tema acumula controvérsias
pedagógicas e jurídicas.
Embora a prática tenha sido considerada
constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, a corte fixou o entendimento de
que se trata de uma atividade ilegal até que o Congresso a regulamente.
No âmbito estadual, iniciativas nesse
sentido têm sido contestadas e até derrubadas, como ocorreu recentemente no
Paraná, onde o Tribunal de Justiça anulou a lei que legalizava o ensino em
casa.
Os partidários da proposta argumentam que
lhes cabe o direito de decidir como educar os próprios filhos. Em geral, porém,
falta aos genitores formação adequada para ministrar os conteúdos escolares.
Não é desprezível, ademais, o risco de que
crianças venham a ter uma educação doutrinária que não dê margem ao
contraditório e exclua outras visões de mundo.
Mesmo que sejam determinadas regras mínimas
para a prática, como faz um dos projetos que tramita na Câmara, estabelecendo a
necessidade de matrícula em alguma instituição de ensino e avaliações
periódicas, deve-se ter em mente que o papel das escolas não se restringe à
transmissão de currículos.
Educadores são unânimes em afirmar a
importância da convivência com colegas e professores para o pleno
desenvolvimento social e emocional dos estudantes. Assim, a regulamentação
deveria limitar a possibilidade do ensino domiciliar apenas a casos
excepcionais.
A proposta constitui uma demanda de
estratos diminutos da sociedade, e uma ampla maioria a rejeita. Segundo
recente pesquisa conduzida pelo Datafolha, quase 80% dos brasileiros
discordam, total ou parcialmente, da ideia de permitir que pais tirem os filhos
da escola para ensiná-los em casa.
A ninguém escapa que as premências do país são outras —e a elas se soma dar fim ao caos administrativo e ao aparelhamento do Ministério da Educação promovidos pela administração Bolsonaro.
A fila dos pobres não anda
O Estado de S. Paulo
Se funcionasse, o Auxílio Brasil ainda seria um modesto alívio para os problemas agravados pelo desgoverno bolsonariano
Emperrou de novo o Auxílio Brasil, a versão
bolsonariana – eleitoreira e ineficaz – do Bolsa Família. Cerca de 1,3 milhão
de famílias estão à espera da ajuda, numa fila parada e crescente, segundo
estimativa baseada em critérios da Confederação Nacional dos Municípios e do
Cadastro Único do Ministério da Cidadania. Em janeiro a administração federal
anunciou ter zerado a fila. Mas os novos beneficiários da verba mínima de R$
400 por mês permanecem à espera. Não havia, até a publicação da notícia
pelo Estadão, na segunda-feira, dados oficiais sobre esses candidatos. O
poder central evitou, durante meses, tratar do assunto publicamente.
Informações de várias fontes indicam, no entanto, o ressurgimento de um
problema recorrente na atual administração.
O presidente Jair Bolsonaro propôs em
agosto do ano passado, por meio de medida provisória (MP), a substituição do
programa Bolsa Família pelo Auxílio Brasil. O Congresso aprovou a proposta em
dezembro. A partir daí, o presidente da República, em busca da reeleição,
passou a dispor de um grande programa social com seu carimbo. Mas faltava
cuidar de alguns detalhes cruciais: garantir recursos para as transferências de
renda e administrar as operações. Planejamento, administração e execução, como
já ficou evidente muitas vezes, são atividades estranhas ao impropriamente
chamado “governo” Bolsonaro. Essa incompatibilidade foi novamente comprovada.
Uma grande fila de famílias candidatas ao
Bolsa Família foi noticiada em fevereiro de 2020, começo do segundo ano de
mandato do atual presidente. Falou-se, na época, de números em torno de 1
milhão. O assunto reapareceu em fevereiro de 2021, com informações sobre 1,8
milhão de famílias na fila. Em junho, o contingente havia aumentado para 2,2 milhões,
de acordo com reportagens publicadas em setembro.
Quando se divulgaram essas informações, o
presidente já havia encaminhado ao Congresso a MP sobre o Auxílio Brasil.
Enquanto congressista, Bolsonaro foi conhecido por seu agressivo antipetismo,
expresso em palavras grosseiras à deputada Gleisi Hoffmann. Igualmente notórias
foram suas declarações de desprezo ao Bolsa Família, por ele chamado de “bolsa
farelo” e descrito como política destinada a garantir votos de cabresto. O
Bolsa Família, disse o deputado Bolsonaro durante o governo de Dilma Rousseff,
“nada mais é do que um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a
quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no
poder”.
O presidente comprovou, durante a pandemia,
o potencial político-eleitoral das ações de socorro aos pobres. No ano seguinte
ele avançou nas conclusões práticas, propondo a conversão da herança petista em
programa a serviço de sua reeleição.
Se o programa deslanchar e for executado
com alguma eficiência até o fim do ano, Bolsonaro apenas promoverá, de fato, um
pequeno reparo dos estragos causados pelos erros, pelos desmandos e pela enorme
incompetência de sua administração. Grande parte da pobreza brasileira,
facilmente visível nas grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, e
também nas áreas menos desenvolvidas, é produto do bolsonarismo.
Eleito num país ainda afetado pela recessão
de 2015-2016, o político Jair Bolsonaro interrompeu a recuperação apenas
iniciada, manteve o desemprego muito alto, desperdiçou bilhões com seus aliados
e criou ambiente para uma inflação muito acelerada.
O Brasil tem a quarta maior taxa de inflação do mundo, mas entre os países com números piores estão a Argentina, uma economia há muito tempo desarranjada, e a Rússia, com problemas agravados pela guerra e pelas sanções decretadas por grandes potências. Poucas economias capitalistas têm desemprego igual ou superior a 7%, mas a taxa, no Brasil, ainda ficou em 11,1% no primeiro trimestre. O efeito desastroso da combinação de alto desemprego, inflação desatada e juros elevados é amplamente conhecido. O Auxilio Brasil daria algum alívio aos mais atingidos, mas nem esse modesto remédio vem sendo corretamente distribuído.
Uma democracia capenga
O Estado de S. Paulo
O Orçamento não reflete as grandes prioridades nacionais. A democracia, para gerar os frutos a que se destina, requer muito mais que o indispensável respeito aos seus atributos formais
O Orçamento público talvez seja o
termômetro mais bem calibrado para indicar a “saúde” da democracia
representativa. É claro que o sufrágio universal, o voto direto e secreto e a
realização de eleições periódicas estão na raiz do processo democrático. Mas,
ao fim e ao cabo, de que vale tudo isso se a representação política resultante
das escolhas dos eleitores nas urnas é pervertida na elaboração e execução de
um Orçamento que nem de longe reflete as grandes prioridades nacionais? A
democracia, para gerar os frutos a que se destina, requer muito mais do que o
indispensável respeito aos seus atributos formais.
Em última análise, o Orçamento é o esteio
da administração pública, que se presta, antes de tudo, a cuidar da boa alocação
dos recursos públicos de modo a melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. A
Constituição determina que cabe ao Poder Executivo planejar e executar essa
alocação, após autorização e sob fiscalização do Poder Legislativo. O que se
vê, no entanto, é que essa parceria constitucional fundamental foi transformada
em verdadeiro conluio entre um presidente da República extremamente fraco do
ponto de vista moral e político e um grupo de parlamentares ávidos por capturar
recursos do Orçamento em dimensão poucas vezes vista antes na história
republicana. Os efeitos dessa tempestade perfeita serão sentidos mesmo após o
fim do governo Bolsonaro e da atual legislatura.
Nesse sentido, a democracia representativa
no Brasil está doente porque o Orçamento foi capturado por uma casta que o
converteu em instrumento de compra de apoio político e enriquecimento ilícito.
O “orçamento secreto”, escândalo revelado pelo Estadão no ano
passado, é a quintessência do patrimonialismo que há séculos se ergue como
muralha intransponível entre o Brasil e seu futuro mais auspicioso.
Se, nos últimos anos, o “orçamento secreto”
tem servido para o presidente Jair Bolsonaro comprar o tênue apoio de um grupo
de parlamentares a fim de evitar a sua cassação – só isso explica a permanência
de Bolsonaro no cargo após cometer crimes de responsabilidade em série –, neste
acirrado ano eleitoral as emendas de relator (RP-9), base do esquema, também
têm servido para comprar o apoio de prefeitos, tidos como grandes cabos
eleitorais.
Uma reportagem do Estadão revelou
que prefeituras de diferentes regiões do País negociaram com o Palácio do
Planalto a distribuição de R$ 13,1 bilhões oriundos do “orçamento secreto”.
Essa dinheirama deverá ser alocada em redutos eleitorais de parlamentares
aliados de Bolsonaro, que, assim como o presidente, disputam a reeleição. O
objetivo é atrair o apoio de prefeitos de pequenos e médios municípios, onde o
gestor municipal tem muito mais poder de influência sobre a escolha dos
eleitores.
A prática é inconstitucional e imoral
porque, como já foi dito, perverte a representação política ao desvirtuar a
alocação de recursos públicos para o atendimento de demandas de aliados do
governo de turno, sem qualquer transparência, equidade ou critérios objetivos.
Além disso, porque tem o objetivo escancarado de desequilibrar a disputa
eleitoral, favorecendo algumas candidaturas em detrimento de outras por meio da
alocação privilegiada de recursos do Orçamento.
É improvável que algo aconteça para barrar
essa farra com o dinheiro dos contribuintes. O procurador-geral da República,
Augusto Aras, já deu mostras cabais de sua indisposição para investigar os
malfeitos do atual governo. Por sua vez, os presidentes das Casas Legislativas,
o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e o deputado Arthur Lira (PP-AL), dificultam
como podem a transparência sobre tudo o que envolve o “orçamento secreto”. Só
no dia 9 passado o presidente do Congresso cumpriu decisão do Supremo Tribunal
Federal de informar à Corte detalhes sobre a distribuição das emendas de relator.
Mas ainda não se pode dizer que tudo foi esclarecido, pois aos parlamentares
era “facultado” colaborar enviando essas informações. Ou seja, respondeu quem
quis.
Ou acaba o “orçamento secreto” ou a sociedade seguirá experimentando uma democracia capenga.
Um superávit enganoso
O Estado de S. Paulo
Resultados das contas dos três níveis de governo sugerem situação confortável, mas o governo central tem déficit alto
Em março, pelo quinto mês consecutivo, o
setor público consolidado (governo central, Estados, municípios e estatais, com
exceção de Petrobras e Eletrobras) registrou superávit primário. Esse resultado
é a diferença entre receitas e despesas públicas, antes do pagamento de juros,
por isso é um importante indicador da capacidade do setor público de
administrar adequadamente sua dívida. Em valores, o
superávit primário de março alcançou R$ 4,312 bilhões, maior do que o de
fevereiro (R$ 3,471 bilhões) e menor do que o de março de 2021 (R$ 4,981
bilhões).
Também no resultado acumulado de 12 meses o
quadro aparenta situação muito confortável das finanças públicas. O superávit
primário de R$ 122,758 bilhões acumulado em 12 meses até março corresponde
1,37% do Produto Interno Bruto (PIB).
Sob esses números há, porém, algumas
indicações no mínimo incômodas sobre a trajetória das contas públicas e suas
perspectivas para os próximos meses. A decomposição dos resultados por níveis
de governo, por exemplo, mostra uma clara diferença entre a evolução das
finanças do governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e INSS) e a das
contas dos Estados e municípios.
Se fossem computados apenas os dados do
governo central, o resultado seria um déficit primário de R$ 7,811 bilhões
apenas em março; ou de R$ 10,022 bilhões no acumulado de 12 meses. Estes são
números que comprovam o desequilíbrio das contas do governo central. O
resultado consolidado (de todos os níveis de governo) tem sido positivo por
causa do desempenho excepcional das contas dos Estados e municípios (superávit
primário de R$ 11,882 bilhões em março e de R$ 123,330 bilhões em 12 meses).
A política fiscal do governo do presidente
Jair Bolsonaro, se tem alguma identidade, é seu caráter errático. Para
beneficiar setores da economia ou grupos sociais de estrito interesse
político-eleitoral do presidente, impostos têm sido reduzidos (ou aumentados,
quando se trata de onerar eventuais adversários ou por erro de cálculo) nem
sempre com a devida projeção sobre o impacto fiscal da medida no futuro.
Benefícios bancados com recursos do Tesouro igualmente têm sido distribuídos
para determinados segmentos empresariais ou grupos sociais escolhidos sempre
com objetivos eleitorais.
O mais grave, porém, é o fato de que o
desequilíbrio fiscal que os resultados do governo central tornam óbvio tem
componentes duradouros, como o crescimento real constante de uma grande parcela
das despesas, cujo peso tem crescido ao longo do tempo. Sem medidas profundas
de reforma da estrutura de gastos, o que implica custo político elevado, essa
tendência poderá, no máximo, ser mitigada, mas não eliminada.
Conjunturalmente, a inflação tem
contribuído para dar alguma cor inspiradora nas receitas do governo central,
mas a mesma inflação, também por exigir uma política monetária mais dura,
acabará por dificultar a atividade econômica. Investimentos e consumo podem ser
desestimulados. A receita pode parar de crescer e o custo da dívida pública
subirá.
Jabuti das térmicas precisa ser revisto ou
criará problemas
O Globo
A escandalosa inclusão, na lei de privatização da Eletrobras, da obrigação de
instalar usinas termelétricas onde não há gás nem alto consumo de energia tem
criado um problema atrás do outro. Pela estimativa da Empresa de Pesquisa
Energética (EPE), encarecerá a geração da energia em R$ 52 bilhões até 2036, ou
56% além dos R$ 93 bilhões necessários para operar o sistema caso houvesse
competição de outras fontes — custo transferido direto para a conta de luz. A
medida também fez ressurgir com força em Brasília as pressões para liberar
recursos à construção de gasodutos.
Com aval dos caciques do Centrão, voltou à
tona a antiga discussão sobre a criação de um fundo estatal, o Brasduto,
alimentado com recursos do pré-sal, com o objetivo de financiar os gasodutos
necessários a levar o gás às térmicas. Fala-se em destinar recursos da ordem de
R$ 100 bilhões, em benefício dos construtores de gasodutos e donos de
concessões de gás nessas regiões.
É preciso pontuar primeiro que há
argumentos razoáveis em favor do uso do gás na matriz energética brasileira. As
térmicas, acionadas diante da necessidade, já se provaram uma forma eficaz de lidar
com a intermitência do regime de chuvas das hidrelétricas (responsável pelo
recorrente risco de apagão) e de energias renováveis sujeitas a flutuações do
sol e dos ventos. As fontes solar e eólica também não prescindem de novas
linhas de transmissão para transportar energia do Nordeste, de custo estimado
em R$ 50 bilhões.
O Brasil vive uma situação esdrúxula, pois
reinjeta no solo o gás que extrai com o petróleo do pré-sal e ao mesmo tempo
importa gás natural para suas térmicas, acionadas de modo descontínuo. Apesar
da dimensão continental, o país dispõe de uma malha restrita de gasodutos,
pouco mais de metade da argentina e menos de 2% da americana. Por fim, entre os
combustíveis fósseis, o gás natural apresenta as menores emissões e a maior
possibilidade de mitigação pela captura do carbono lançado na atmosfera.
Deveria, por todos esses motivos, ser uma tecnologia importante na transição da
matriz brasileira para um futuro de energia limpa.
Mas nada disso justifica a lambança do
Congresso, que decidiu resolver o problema à revelia dos mecanismos de mercado:
obrigou a instalação de térmicas distantes dos centros produtores de gás e quer
agora impingir uma extensa malha de gasodutos para alimentá-las. A decisão
sobre a melhor tecnologia, que garanta energia ao brasileiro ao menor custo e
com o menor impacto ambiental, deveria resultar de estudos técnicos
comparativos, referendados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel),
não da força de pressão política sobre os parlamentares.
Depois de várias tentativas fracassadas
para forçar a construção das térmicas, um jabuti foi inserido na lei de
privatização da Eletrobras de forma marota, logo no primeiro artigo, para
evitar o veto pelo presidente Jair Bolsonaro (que equivaleria a vetar toda a
privatização). A solução que resta agora é o Congresso aprovar uma nova lei
capaz de lidar com essa barbaridade, garantindo ao país uma matriz energética
ao mesmo tempo confiável e eficiente. Os leilões de térmicas, gasodutos e
outras tecnologias de geração e distribuição deveriam ser feitos com base em
critérios estritamente técnicos e econômicos. Do contrário, o país continuará
refém do capitalismo de compadrio, que só traz ineficiência e improdutividade.
Destino político de dinheiro do SUS
desequilibrou combate à pandemia
O Globo
À medida que mais informações sobre as emendas do relator são analisadas, mais
claro fica o absurdo do mecanismo que permitiu ao presidente Jair Bolsonaro
comprar apoio no Congresso. No ano passado, o mais letal da pandemia, o Brasil
passou quase quatro meses com mais de 10 mil mortes semanais por Covid-19, uma
tragédia que ficará marcada para sempre na mente de quem a viveu.
Pois justamente em 2021 o Fundo Nacional de
Saúde, fonte de recursos do Ministério da Saúde para bancar compras de
ambulâncias, atendimento médico e construção de hospitais, recebeu R$ 7,4 bilhões em emendas do relator. Num governo
íntegro, os recursos seriam usados para canalizar verbas às políticas públicas
destinadas ao combate à pandemia e ao tratamento da saúde do maior número de
pessoas. Não foi o que aconteceu.
O critério usado para destinar as verbas
foi político. Bolsonaro deixou o Centrão enviar dinheiro a seus redutos
eleitorais. Para entender a distorção, basta um exemplo revelado pelo GLOBO.
São Gonçalo (RJ), cidade de 1,2 milhão de habitantes e base do deputado Altineu
Côrtes, líder do PL na Câmara, partido de Bolsonaro, recebeu R$ 111 milhões em
emendas do relator. A média foi de R$ 92 por habitante. O município do Rio, com
5,5 vezes a população de São Gonçalo, recebeu meros R$ 10 milhões, ou R$ 1,5
por habitante. Há vários outros exemplos similares.
Em qualquer momento, essa disparidade seria
um desatino. No período mais crítico da saúde pública no Brasil em um século,
foi um crime. O próprio mérito da decisão de colocar verbas das emendas do
relator no Fundo Nacional de Saúde entra em xeque quando se aventam as
motivações. É difícil acreditar que a preocupação maior tenha sido a saúde da
população. Emendas parlamentares podem levar anos para chegar aos municípios,
mas na Saúde o envio é mais célere. Também há maior dificuldade de identificar
os gastos. O Fundo Nacional de Saúde reúne várias fontes de recursos, o que
torna mais árduo o trabalho de acompanhar o que foi destinado por deputados e
senadores que se refestelam com as emendas do relator. Tudo isso funciona como incentivo
a desvios.
Mais de uma vez, Bolsonaro tentou imprimir
legitimidade à prática, como se fosse aceitável. No mês passado, disse que
“essa outra parte de emenda [de relator] ajuda a acalmar o Parlamento. O que
eles querem, no final das contas, é mandar recursos para as suas cidades”. Mas,
obviamente, o critério político na distribuição de verba pública não é
inofensivo.
Enquanto o Centrão mandava dinheiro para
seus redutos, milhares morriam em cidades mais populosas, e profissionais de
saúde tentavam fazer o melhor com os recursos disponíveis. Na definição do
colunista do GLOBO Fernando Gabeira, as emendas do relator são “um assalto ao
dinheiro público para fins paroquiais”. Ou ainda piores.
Economia hesita e avança em ritmo bastante
irregular
Valor Econômico
O bom desempenho dos meses atuais poderá
levar o BC a prolongar o aperto monetário para conter a inflação
O nível de atividade surpreendeu neste
início do ano, conforme dados referentes ao primeiro trimestre divulgados neste
mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As previsões
de recessão que chegaram a ser feitas ficaram para trás, embora não se espere
nada exuberante. Agora, a preocupação passou a ser com 2023, que pode ser
atingido mais intensamente pelas medidas de controle da inflação que estão
sendo implementadas pelo Banco Central (BC).
O primeiro sinal foi mais tímido e partiu
da indústria, que teve crescimento de 0,3% em março na comparação com fevereiro,
quando já havia ampliado a produção em 0,7%. Mas os resultados ainda fracos
foram insuficientes para recuperar as perdas anteriores. Somente em janeiro, a
produção industrial tinha caído 2%. Repercussões da pandemia, o conflito no
Leste Europeu, o lockdown na China são fatores que influenciam negativamente o
funcionamento da indústria. A produção industrial ainda é 2,1% menor do que
antes da pandemia, em fevereiro de 2020. Apenas o segmento de bens duráveis
está nada menos do que 23,1% abaixo.
Na semana passada vieram os resultados do
varejo, já melhores, com crescimento de 1% em março em comparação com
fevereiro, no terceiro avanço consecutivo. No trimestre, a expansão acumulada
foi de 1,9% em relação ao anterior. Foi o melhor desempenho para o período desde
2017. Com isso, o varejo superou em 2,6% a marca anterior de fevereiro de 2020.
A grande surpresa positiva ficou por conta
dos serviços, que cresceram 1,7% em março em relação a fevereiro, o melhor
desempenho para o mês da série histórica iniciada em 2011. O crescimento
acumulado no 1º trimestre do ano na comparação com o 4º de 2021 é de 1,8%. Os
serviços estão 7,2% acima do nível anterior à pandemia e têm sido puxados por
negócios na área de tecnologia. Já os serviços para as famílias estão 12% abaixo
do patamar de fevereiro de 2020 e foram o único segmento do setor que não
recuperou as perdas causadas pela pandemia.
Esses resultados, especialmente o dos
serviços, animaram a revisão das previsões para o Produto Interno Bruto (PIB).
Se em dezembro havia instituições financeiras e consultorias que esperavam uma
recessão neste ano, há agora estimativa de crescimento de até 1,5%. Não é nada
espetacular, apenas em linha com o ritmo pífio registrado após a recessão de
2015 e 2016 e que caracterizou o período anterior à pandemia.
Além disso, o ano deverá ter um ritmo
bastante irregular. O primeiro trimestre surpreendeu pelo impacto positivo da
reabertura da economia, especialmente sobre os serviços, que representam cerca
de 70% do PIB, e por uma certa estabilização do desemprego. O segundo deve ser
igualmente bom, com crescimento menor, favorecido pela liberação dos recursos
do FGTS e pela antecipação do 13º. salário dos aposentados. São medidas que o
presidente Jair Bolsonaro vem repetindo desde a pandemia para tentar alavancar
sua questionável popularidade e que agora foram renovadas nas proximidades das
eleições presidenciais. O Banco Original estima que se todo o FGTS resgatado
for direcionado para o consumo, o impacto positivo no PIB será de 0,2 a 0,3 ponto
percentual. O número não é maior porque há a expectativa de que o aperto
monetário provocado pela elevação da taxa de juros atinja o pico no segundo
semestre do ano, com repercussão ao longo de 2023 (Valor 13/5).
Ironicamente, o bom desempenho dos meses atuais
poderá levar o Banco Central a prolongar ou até intensificar o aperto monetário
na tentativa de conter a inflação, afetando o desempenho de 2023, quando também
deverá ser cobrada toda a conta dos desmandos fiscais. Há quem tenha cortado
pela metade as projeções para o próximo ano. Além disso, a inflação alta deve
continuar a prejudicar o poder de compra das famílias, ao passo que os
benefícios da reabertura da economia e liberação do FGTS já terão se esgotado,
prejudicando o varejo e refreando os serviços.
Há ainda fatores a respeito dos quais há
grandes dúvidas. Um deles é externo: a evolução do conflito no Leste Europeu
que, de um lado beneficia a produção nacional de commodities agrícolas e
minerais - hoje um dos principais impulsos ao PIB - e, de outro, pressiona mais
a inflação. Ainda na área externa há a hesitação a respeito da condução da
política monetária pelo Federal Reserve para o controle da inflação. O outro é
interno, derivado da esperada turbulência do processo eleitoral e seu potencial
para conturbar a economia e o ânimo do consumidor. Diante de tantas incertezas,
a saída é esperar para ver.
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