Depois de quase uma década, os mercados financeiros estão prevendo um período de inflação em alta e a eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos é quase toda a explicação para isso. Ainda que seu programa econômico contenha premissas contraditórias entre si e a resultante ainda impossível de prever, o ambiente, segundo os preços dos ativos, sofreu mudança radical. Eles estão mudando para sinalizar que a era da inflação baixa e dos juros perto do zero ou negativos estão com os dias contados. Ontem, o rendimento dos títulos do Tesouro americano de 10 anos atingiu 2,49%, o maior em 16 meses e a cotação do dólar, em relação a uma cesta de moedas, foi a maior desde 2003. Juros em alta e desvalorização das moedas locais tem sido uma combinação desestabilizadora para os países emergentes. O "interregno benigno" apontado pelo Banco Central do Brasil em suas últimas atas, está prestes a se encerrar.
Antes da vitória de Trump, os mercados estavam prevendo uma era de farta liquidez a perder de vista. Os investidores estiveram mais certos que o Federal Reserve ao não sancionar as previsões de altas de juros do banco e no vigor da recuperação da economia americana que lhes servia de base - e, desde dezembro, só houve uma alta, de 0,25 ponto. Como a curva dos juros americanos após a eleição apontou abruptamente para cima, as apostas começam a indicar agora que o Fed, a quem atribuiam precipitação ao querer apertar a política monetária antes do tempo, corre o risco de ficar para trás se mantiver a intenção de comandar um ciclo de aperto bastante moderado e dilatado no tempo.
O pacote de cortes significativos de impostos, que beneficiará as empresas, a classe média alta e os mais ricos, é o principal fator de estímulo ao crescimento do programa de Trump, se for levado adiante. Os republicanos sempre pregaram isso e é bastante provável que, com sua maioria na Câmara e no Senado, ele seja aprovado. Um cálculo do JP Morgan sobre os efeitos prováveis do pacote do novo presidente indica que a redução de impostos para consumidores e empresas pode elevar o PIB em 1,2 ponto percentual, enquanto que os gastos com defesa (US$ 50 bilhões ao ano) e infraestrutura (US$ 100 bilhões anuais) contribuiriam com mais 0,7% do PIB (Gavyn Davies, "Financial Times", 11 de novembro) até 2018 - um ponto percentual adicional ao PIB ao ano em relação ao nível corrente. Por outro lado, quase dobraria o déficit público de 3,2% para 6% ao fim de uma década.
Se efetivado, gastos em infraestrutura e redução de impostos darão um empurrão em uma economia que já está perto do pleno emprego e que, pelas condições observadas pelo Federal Reserve nas atas da reunião de novembro, deve crescer acima do potencial em 2017 e 2018. A ata acenou com um aumento de juros para a reunião de dezembro o que, após a vitória de Trump, tornou-se 100% certeza, segundo o que mostram os índices futuros de juros.
Mas como os mercados tendem a exagerar movimentos, é plausível que Trump ponha fervura em uma atividade ainda morna, o que abre espaço, pelo menos até que seus planos se tornem oficiais e sejam detalhados, para que o Fed não precise disparar novos aumentos de juros de imediato. Parece evidente, porém, que a paisagem idílica do Fed pré-Trump, de que a "inflação ficará marginalmente menor que 2% em 2019", como consta da ata, ficou para trás.
Não só o que Trump fará é vital para o Fed calibrar a política monetária, como o que o Fed fizer poderá estragar os desígnios de Trump. Uma elevação mais rápida dos juros tenderá a frear o crescimento e encarecer a dívida americana. Stephen Bannon, nomeado estrategista-chefe de Trump, por exemplo, conta com megaprojetos de infraestrutura a serem financiados a custos perto de zero, como hoje, mas isto não será mais viável. A ascensão de Trump elevou em 0,6% os juros dos Tesouro de 10 anos em duas semanas. E o dólar em alta não favorece a produção doméstica.
A inflação pode subir também pelo atrito entre políticas contraditórias, das quais a campanha de Trump esteve repleta. Com um protecionismo delirante, ela subirá mais rápido. Igualmente importante, o risco político subiu com Trump no comando dos EUA. Incertezas e volatilidade aumentarão na passagem do afrouxamento monetário para o fiscal, com custos que não devem ser desprezíveis para todas as economias.
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