- O Estado de S. Paulo
Na semana da “Black Friday”, o Congresso resolveu liquidar parte de seus problemas. A Comissão de Fiscalização da Câmara rejeitou por 17 a 3 um pedido de explicações ao ministro Geddel Vieira Lima, acusado de usar o cargo em proveito próprio. A manobra foi conduzida pelo líder de Temer, e suscitou debate familiar entre deputados: “é tua mãe”, “a prostituta da tua mulher”, “vagabundo”. Pelo que passa em outros plenários, uma pechincha.
Para a base, cada vez mais aliada de si própria, a repetida insistência de Geddel com o ex-ministro da Cultura para que o Patrimônio Histórico (Iphan), a ele subordinado, liberasse a construção de um prédio de 30 andares em área preservada de Salvador não precisa de explicação. Não importa que Geddel tenha comprado apartamento no prédio, nem que seus parentes advoguem em favor da construção junto ao Iphan. Está tudo em casa.
A base de Temer também conseguiu derrubar pedidos de convocação de Geddel em outras comissões. Ao mesmo tempo, o próprio presidente dizia, ao empossar o novo ministro da Cultura, que “com (Roberto) Freire, vamos salvar o Brasil”. Não explicou de quem nem de quê.
Enquanto isso, na Comissão de Ética da Presidência da República, o único conselheiro indicado pelo governo Temer se declarou impedido de opinar sobre o escândalo Geddel. Explicou que decidiu se afastar depois da repercussão de seu pedido de vista sobre o processo do ministro. O conselheiro de ética é advogado da associação das construtoras na Bahia. Obras do acaso.
No dia em que o Supremo autorizou inquérito contra Romero Jucá para apurar se houve crime de corrupção passiva e prevaricação ao defender interesses de empresas que devem tributos, o líder do governo Temer no Senado avisou que a nova anistia para outros sonegadores, aqueles que mantêm dinheiro não declarado no exterior, está pronta para ser votada. Agora, também parentes de políticos poderão repatriar dólares. Chega de discriminação.
O projeto está sendo tocado a jato porque é um “ganha-ganha”: ganham quem tem francos suíços, o Tesouro, governadores e os parentes de políticos que se esqueceram de declarar dólares. Além de ajudar a parentela, espera o governo que a nova lei gere uma receita extraordinária de R$ 30 bilhões em 2017 – que serviria não só para abater o déficit federal, mas também para refrescar a situação desesperadora dos cofres estaduais.
E quem perde? Não seja um estraga-prazeres.
Em outra comissão, deputados pegaram carona no projeto do Ministério Público com medidas para supostamente combater a corrupção e entreabriram uma porta para anistiar crimes de caixa 2 eleitoral e, com sorte, lavagem de dinheiro. Todos os envolvidos dizem que não é bem assim, que o substitutivo ao projeto original não cria brechas. Claro.
Todo esse alvoroço brasiliense, a pressa para aprovar ou reprovar tantas propostas num mesmo dia transformou o Congresso em um mercado de trocas e barganhas maior que o de costume. Em Brasília, a “Sexta-feira negra” caiu na quarta.
Há uma explicação para tanta urgência. A delação de dezenas de executivos da Odebrecht, que até outro dia era a maior empreiteira brasileira, está sendo homologada. É o horror.
Se eles contarem tudo o que sabem, se os procuradores fizeram todas as perguntas que precisam ser feitas, se os magistrados ouvirem a história odebrechtiana sem omissões, fará pouca diferença se houve ou não advocacia administrativa no caso Geddel/Iphan, se o inquérito sobre Jucá no Carf vai andar, e mesmo se deputados conseguirão anistiar o caixa 2.
As delações da Odebrecht têm potencial para zerar o jogo brasiliense, com repercussões em governos estaduais e prefeituras de todo o Brasil. São potencialmente tão devastadoras que, suspeita-se, nem Jesus salva.
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