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A importância do senso comum – Editorial | O Estado de S. Paulo
O Brasil não chegará a bom lugar sem um entendimento mínimo sobre uma agenda comum. Nos anos 80, essa coesão foi fundamental para conduzir o País da ditadura para a democracia. Na década seguinte, os brasileiros deixaram suas diferenças de lado para construir um amplo concerto com vista a estabilizar a economia, por meio do Plano Real. Esses edifícios coletivos – o respeito à democracia e a valorização dos fundamentos econômicos – permanecem razoavelmente sólidos desde então exatamente porque não foram fruto do voluntarismo de um líder messiânico ou da visão exclusiva deste ou daquele partido político. Resultam, ao contrário, de um amplo processo de negociação e diálogo, do qual só não participaram os extremistas, à esquerda e à direita, inconformados com a marcha dos acontecimentos e desde sempre incapazes de aceitar a realidade.
Em todos esses momentos, houve dirigentes políticos capazes de mobilizar apoio popular e das elites a essas causas comuns, demonstrando notável capacidade de articulação entre diferentes pontos de vista para fazer o País avançar.
Esse avanço, contudo, parece ter sido interrompido, exatamente porque alguns dos principais líderes políticos atuais, em especial aqueles em posição de comando no País, escolheram o confronto em vez da conciliação – isto é, abandonaram a política e entregaram-se ao jogo de soma zero, em que, para que um jogador ganhe, outro deve necessariamente perder.
É o caso do lulopetismo, que dividiu o País em “nós” e “eles”, tentando inviabilizar progressivamente a política para, em seu lugar, instalar o pensamento único – seja na forma de constrangimento violento dos que pensam diferente dos petistas e não idolatram o ex-presidente Lula da Silva, seja por meio da degradação moral da atividade parlamentar.
O lulopetismo amarga hoje a cadeia, mas em seu lugar surgiu o bolsonarismo, tão deletério para a democracia quanto seu antípoda. O discurso bolsonarista é naturalmente desagregador, o que inviabiliza qualquer tentativa de alcançar um mínimo denominador comum entre os brasileiros. Ademais, o bolsonarismo extrai sua força das bolhas ideológicas alimentadas pelas redes sociais. Nelas, os militantes encerram-se em suas certezas, formando comunidades de milhares de pessoas em que a base da coexistência é a crença fanática naquilo que dizem seus líderes, não sendo admitida qualquer forma de contestação.
Nessas redes, sem as quais o bolsonarismo não teria sucesso, só circulam informações cuja função é confirmar a visão de mundo predominante do grupo. Ao mesmo tempo, muitos dos movimentos que se opõem a Bolsonaro estão igualmente limitados a seus cercadinhos virtuais, que também restringem informações que possam enfraquecer seus argumentos.
Como resultado disso, esses grupos violentamente antagônicos dificilmente conseguirão concordar sobre os fatos do mundo real. Ou seja, o senso comum daquilo que é verdade simplesmente deixa de existir.
Essa situação cria um significativo obstáculo para a democracia e para o exercício do poder e da cidadania. Se a sociedade está dividida de tal maneira que não consegue chegar a um acordo mínimo nem sequer sobre a realidade, então encontram-se inviabilizadas, de saída, quaisquer tentativas de formulação de políticas públicas amplas e efetivas. Afinal, só é possível travar um debate racional a respeito dessas políticas se os dados da realidade forem aceitos por todos os participantes.
Não é por acaso que líderes com vocação autoritária contestam as informações oficiais quando estas contrariam sua “verdade” e mobilizam as redes sociais para denunciar o que chamam de “fake news”. Autênticos democratas, por outro lado, são aqueles que admitem que a verdade não é aquela produzida por seu discurso, e sim pelos fatos da vida, e que esses fatos são passíveis de interpretações as mais diversas. A tarefa dos líderes é aceitar a legitimidade dessas visões distintas e trabalhar para encontrar algum entendimento.
Tal tarefa exige da sociedade que recupere o quanto antes o senso comum do que é a realidade, percebida a partir de informações cuja validade é aceita pela maioria das pessoas racionais. Sem isso, nenhuma governança é possível.
Mais turbulência – Editorial | Folha de S. Paulo
Operação da PF que mirou líder do governo no Senado eleva desconfiança política
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), sobressai como rara liderança funcional aliada ao Palácio do Planalto. Tal condição amplia as repercussões da operação da Polícia Federal que vasculhou os gabinetes do parlamentar e de seu filho, deputado pelo mesmo partido.
Jair Bolsonaro (PSL) ascendeu à Presidência na esteira das tensões entre o aparato jurídico-policial e o mundo político. No poder, entretanto, trata de enfraquecer os órgãos de controle e investigação.
O advogado do senador insinuou que a operação policial, batizada de Desintegração, seria uma retaliação contra críticas de seu cliente a abusos de instituições como a PF e o Ministério Público. No Congresso, difundiu-se a tese de que as pressões de Bolsonaro sobre nomeações na PF teria provocado uma represália da corporação.
Sejam quais forem as razões dos envolvidos, nota-se o ambiente carregado. Tais desconfianças juntam-se a outras crises intestinas na articulação legislativa do governo, desde a origem em desarranjo.
Deputados da bancada evangélica criticam o recém-chegado ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, encarregado da negociação parlamentar.
O PSL, partido do presidente, ignora o líder do governo na Câmara dos Deputados. No Senado, há embates na cúpula da legenda, que envolvem o próprio filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro (RJ).
Expoentes do Congresso veem com inquietude as atitudes do Planalto. No entorno do presidente, há quem promova campanhas virtuais de ataque aos interlocutores de Bolsonaro no Parlamento.
Não espantam, pois, as dificuldades do governo nesse ambiente, a despeito do avanço da reforma da Previdência. Decretos e vetos são derrubados, medidas provisórias caducam. A indefinição do governo quanto a seus projetos desorganiza ainda mais a negociação política, sem falar das expectativas dos cidadãos e das empresas.
Falta diretriz clara para a reforma tributária, que dirá um projeto —perdeu-se tempo precioso com as idas e vindas em torno da descabida intenção de recriar a CPMF.
Do mesmo modo, não se sabe o que o governo pretende fazer a respeito das dúvidas relacionadas ao limite constitucional para os gastos federais. Na Câmara, há uma proposta para definir os ajustes em caso de descumprimento do teto, mas o Executivo não vai além de especulações sobre o tema.
O consenso básico na agenda nacional era a primazia da reforma previdenciária, que caminha para um desfecho favorável. A incerteza acerca dos próximos passos se agrava com as novas turbulências políticas e a aproximação das eleições municipais de 2020.
Paralisia do Cade exige rápida ação do Senado – Editorial | Valor Econômico
O Cade precisa retomar logo suas atividades, mantendo-se como um órgão de Estado com perfil técnico
Em maio de 2012, quando o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) começou a funcionar sob um novo arranjo institucional, tinha-se a confiança de que o sistema brasileiro de defesa da concorrência passaria a operar com mais rapidez e eficiência. Afinal, a Lei 12.529 de 2011 dava novos poderes e instrumentos à autarquia, como o estabelecimento da exigência de submissão prévia ao Cade de fusões e aquisições de empresas que possam ter efeitos anticompetitivos. A legislação, no entanto, não conseguiu proteger a instituição das inconstâncias da política nacional. Hoje, ela vive uma paralisia inédita em sua história.
O problema ganhou contornos ainda mais críticos a partir do dia 17 de julho, quando acabou o mandato de Paulo Burnier no conselho e o tribunal do Cade passou a ser composto por apenas três integrantes - dois conselheiros e o presidente. Dias antes, Polyanna Vilanova e João Paulo de Resende já haviam deixado seus respectivos cargos e nenhuma substituição estava encaminhada.
A legislação é clara: esse número é inferior ao quórum exigido para a instalação de sessões de julgamento. “As decisões do tribunal serão tomadas por maioria, com a presença mínima de quatro membros, sendo o quórum de deliberação mínimo de três membros”, determina a lei em seu nono artigo. Ou seja, para instalação de uma sessão de julgamento é necessária a presença de quatro membros. Para deliberação, no entanto, basta que haja três membros aptos a votar, pois há casos de impedimento de conselheiros, por exemplo.
Em momentos anteriores, o conselho já atuou com quórum mínimo. Mas desta vez o problema foi além: o Cade teve que suspender os prazos relativos a processos de operações que já se encontram em apreciação no tribunal ou que serão remetidas ao crivo dos conselheiros. Além disso, os atos de concentração aprovados pela Superintendência-Geral desde o dia 2 de julho não poderão ser consumados até o restabelecimento do quórum. Isso se deve ao prazo regimental de 15 dias para o procedimento de avocação por um conselheiro do tribunal.
Felizmente, a Superintendência-Geral segue trabalhando. Cabe a ela desempenhar grande parte das funções antes realizadas pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (Seae), como a investigação e a instrução de processos de combate ao abuso do poder econômico e também a análise de determinados atos de concentração.
Hoje, há 35 casos em estoque na Superintendência-Geral, cujas análises ocorrem normalmente. Por outro lado, 86 atos de concentração aprovados pela Superintendência-Geral não podem ser consumados até o restabelecimento do quórum. O estoque do tribunal é de três processos.
Há casos envolvendo diversos setores da economia. Alguns exemplos: tecnologia, indústria automotiva, saneamento, serviços, indústria farmacêutica, construção civil, mercado financeiro, nutrição animal, insumos agrícolas, energia elétrica, equipamentos para automação, petróleo, mineração, serviços médicos e hospitalares, logística, resseguros, varejo, educação, empreendimentos florestais, telecomunicações e bebidas. Tamanha diversidade e o grande volume de operações travadas são exemplos do complexo ambiente de negócios encontrado no Brasil.
Mesmo assim, a despeito da urgência em se destravar os trabalhos do Cade, as indicações do governo para o conselho acabaram envolvidas na disputa política entre o Executivo e o Parlamento.
Na última semana, contudo, finalmente a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal (CAE) agendou as sabatinas de seis indicados. Está prevista para terça-feira a audiência com os quatro indicados ao cargo de conselheiro. No dia 1º de outubro, serão ouvidos os indicados para a função de superintendente-geral e ao posto de procurador-chefe.
Os senadores têm, agora, a missão de escrutinar célere e cuidadosamente os nomes escolhidos pelo presidente Jair Bolsonaro. Afinal, o Cade precisa retomar logo suas atividades, mantendo-se como um órgão de Estado com perfil técnico. Essa é a expectativa de empresários nacionais, investidores estrangeiros e consumidores.
A insensatez contra os royalties do Rio – Editorial | O Globo
Lei questionada pelo estado no STF pode resultar em perdas de R$ 68,4 bilhões nos próximos cinco anos
Está prevista para o dia 20 de novembro uma decisão do Supremo Tribunal Federal com peso específico sobre o futuro do Estado do Rio de Janeiro, que sobrevive em Regime de Recuperação Fiscal. Será julgada a constitucionalidade das regras de compensações pela extração de petróleo. Elas foram estabelecidas em 2012, na Lei dos Royalties (nº 12.734), e suspensas pelo tribunal, em caráter liminar, a pedido do então governador Luiz Fernando Pezão, hoje preso na Lava-Jato.
É questão urgente e relevante para o Estado do Rio, que pode enfrentar perdas de R$ 68,4 bilhões durante os próximos cinco anos, segundo cálculos da Superintendência de Participações Governamentais da Agência Nacional do Petróleo.
Equivale à soma dos gastos estaduais previstos para este ano com a folha de servidores ativos e o sistema previdenciário do funcionalismo, mais as despesas orçadas com educação, saúde, segurança, Defesa Civil e Administração Penitenciária. Além disso, se perde a ação, o estado seria obrigado a devolver R$ 32 bilhões arrecadados desde 2012.
O Rio sustenta no tribunal que as regras estabelecidas pelo Congresso em 2012 ferem o pacto federativo, pois o pagamento das compensações e a fórmula de cobrança tributária (ICMS) sobre o petróleo no destino — e não na origem — compõem um sistema de relacionamento entre estados produtores e não produtores garantido na Constituição. Portanto, não é possível modificar tal relação por meio de lei ordinária, como se fez na Lei dos Royalties. O que aconteceu em 2012 foi um claro erro político.
Na euforia da época com a exploração do pré-sal, o Legislativo interpretou os royalties como um tributo sobre as atividades petrolíferas. E resolveu usar essas compensações financeiras para redistribuir recursos na Federação, a pretexto de reduzir as desigualdades regionais.
Seria uma sandice lutar contra a melhor partilha de tributos num país tão desigual.
Nesse caso, porém, não há nada disso, até porque o acréscimo de receita para os estados não produtores seria irrisório, cerca de 0,2% para o Rio Grande do Sul, 0,4% para o Paraná e 0,5% para Minas Gerais. Em nome de suposta justiça social, o Congresso plasmou em lei uma insensatez contra os estados produtores de petróleo.
Vulnerou, principalmente, as já combalidas finanças do Rio. No cenário mais otimista, sem anulação parcial da Lei dos Royalties, o governo fluminense ficaria sem caixa para custear as dívidas, salários e aposentadorias dos servidores fluminenses durante a próxima década.
Como o estado já vive em regime falimentar, escasseiam adjetivos adequados para melhor qualificar as possíveis consequências de uma decisão do Supremo negativa aos interesses fluminenses, que são legítimos e inteiramente lastreados na Constituição.
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