- Folha de S. Paulo
Exposição da grande corrupção favoreceu Bolsonaro; a da pequena poderá fraturar sua base
Se a exposição da grande corrupção levou Bolsonaro à Presidência, rachadinhas e delitos conhecidos na literatura como "petty corruption" tem produzido fissuras não triviais na coalizão que lhe deu sustentação.
O Brasil apresenta perfil singular no que se refere à corrupção: inexiste correlação entre a chamada pequena (petty) e a grande (grand) corrupção. Enquanto a primeira é baixa, a segunda é espantosa. Há evidências de baixa exposição à corrupção na interação dos cidadãos com agentes público: é a menor da América Latina, e a percentagem de brasileiros que sofreu tentativas de extorsão de propina aproxima-se da média da OCDE. É verdade que devemos tomar essa conclusão com um grão de sal, porque os indicadores são indiretos e imprecisos.
Os dados disponíveis são estáveis através do tempo: já no primeiro Barômetro da Corrupção, de 2010-2011, a porcentagem de brasileiros que declararam ter pago propina (a policiais, fiscais, provedores de serviço) no ano anterior à pesquisa foi de 4%, baixa se comparada aos 12% da Argentina, 21% do Chile e 31% do México. O motivo foi, em 72% dos casos, a aceleração de serviços, sendo que, desses casos, 3% envolviam um serviço ao qual já se tinha direito. E, neste último caso, os números foram bem mais altos no Chile (41%), na Argentina (24%) e na Colômbia (38%). Outras rodadas da pesquisa vão na mesma direção.
No Projeto de Opinião Pública da América Latina (Lapop) 2017 sobre a vitimização --tentativa de cobrança de propina-- o Brasil vai bem (4,6, ante 23 no México); só Chile e Uruguai têm percentagem é menor.
Evidências sobre grande corrupção são raras, pouco confiáveis e baseiam-se em percepção, não em vitimização. Em surveys com dirigentes de empresas operando em múltiplos países, a Transparência Internacional construiu um Índice de Pagadores de Propina, que estima a probabilidade de empresas das 28 maiores economias conquistarem um negócio no exterior pagando propina. O Brasil ficou com 7,7 --atrás da Coreia do Sul, com 7,9, e da França, com 8,0; e à frente de China, Rússia, Índia e África do Sul, bem como da Argentina, do México, da Turquia e da Itália, entre outros. De modo geral, o Brasil ficou em 14oº, enquanto México, China e Rússia ficaram com as últimas posições (26oº, 27oº e 28oº). Esses dados --coletados em 2013, sem influência do Petrolão-- causam perplexidade.
Susan Rose-Ackerman (Universidade Yale) argumenta que a pequena e a grande corrupção estão correlacionadas. Há duas possibilidades aqui: ou a grande corrupção é subestimada para a maioria dos países, como sugere a exposição de corrupção ciclópica envolvendo a Odebrecht; ou o Brasil é caso desviante.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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