- Blog do Noblat | Veja
Se dissesse o que pensa seria um escândalo
Pouco importa o que o presidente Jair Bolsonaro disser no discurso de abertura, amanhã, de mais uma Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. O que ele pensa de fato a respeito da questão ambiental já disse por aqui muitas vezes. Se repetisse por lá, escandalizaria o mundo. Caso calibre as palavras para dizer o contrário do que pensa, ninguém acreditará.
Na última quinta-feira, em mais uma de suas exibições semanais no Facebook onde fala o que quer a salvo de perguntas embaraçosas de repórteres e sente-se acolhido por ministros e assessores que escala para rirem e apoiarem tudo o que ele propor, Bolsonaro foi mais Bolsonaro ao antecipar o que gostaria de dizer na ONU, mas que não terá tamanha coragem para tal.
Admitiu de saída:
“Tá na cara que eu vou ser cobrado, porque alguns países me atacam de uma maneira virulenta, dizem que eu sou o responsável pelas queimadas. Nós sabemos, pelos dados oficiais, que queimada tem todo o ano. Quer que faça o quê? Tem”.
Em seguida, como de costume, jogou a culpa nos outros:
“Não só o caboclo toca fogo no roçado para plantar uma coisa no tocante à sobrevivência. O índio faz a mesma coisa. Mas tem aqueles que fazem de forma criminosa. Agora, como combater tudo isso sem meios na região Amazônica? (…) É complicado”.
Pode ser complicado. Mas o que Bolsonaro esconde é que seu governo não tem qualquer apreço pela preservação do meio ambiente. Como Trump, ele sequer reconhece que o planeta está mais quente. Bolsonaro aprendeu nas escolas militares que a Amazônia é um depósito de riquezas extraordinárias – e é. E que os demais países querem ocupá-la ou tomá-la do Brasil. Falso!
No passado, alguns chefes de Estado podem até ter pensado assim, hoje não. A Amazônia é do Brasil e de mais oito países por onde ela se estende – inclusive a Guina francesa. À falta de uma guerra há mais de 130 anos, o Exército alimenta o sonho de enfrentar uma em defesa da Amazônia. Ficará só no sonho. Mas ele ocupa a cabeça dos generais, dos seus auxiliares e a do ex-capitão, é claro.
Houve um momento, na curta palinha de Bolsonaro no Facebook, que ele deixou de lado o ensaio que fazia para mostrar-se mais moderado em Nova Iorque e cedeu lugar ao governante tosco que foi até agora e que não pretende deixar de ser por impossível. Então ele afirmou:
“Por que alguns países da Europa batem na gente duramente? O que eles queriam é que eu demarcasse mais duas dúzias de reservas indígenas, mais 30 ou 40 de quilombolas e ampliasse parques ambientais. O incêndio então acabaria imediatamente”.
Bolsonaro pensa ou quer que pensemos que o fogo que destrói a Amazônia, e também parte do Centro-Oeste, foi ateado por gente interessada na demarcação de reservas indígenas, de áreas para quilombolas e na ampliação de parques ambientais. Faz pouco tempo que ele culpou as ONGs nacionais e estrangeiras pelas queimadas e incêndios. Renovou a acusação, portanto.
Não terá peito para repeti-la na ONU. O provável é que se apresente ali como um radical tolerante, embora isso seja uma contradição em termos. O medo de vir a ser apontado mais tarde como o presidente que provocou um boicote internacional aos produtos brasileiros deverá pôr freios à sua retórica incendiária. Seria cobrado pelos que o elegeram. O dinheiro regulará sua fala.
O rolo que espera a volta do capitão
Promessa a perigo
O que fazer com Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE), líder do governo no Senado, alvo, na semana passada, de uma operação da Polícia Federal por ser suspeito de ter embolsado R$ 5,5 milhões da Odebrecht quando foi ministro da presidente Dilma Rousseff?
Se dependesse dos interesses imediatos de Bolsonaro, Bezerra Coelho ficaria onde está. É o que também deseja a maioria dos senadores e boa parte dos deputados de todos os partidos na Câmara. Os parlamentares, porque gostam dele.
Bolsonaro não gosta de ninguém – salvo seus familiares, e mesmo assim nem todos. Faz questão de manter distância dos parentes de Michelle, sua mulher. Mantém ao seu lado o ministro do Turismo, suspeito de corrupção, porque ele o carregou ferido em Juiz de Fora.
Mas e eventual substituição de Bezerra Coelho a essa altura poderá ser prejudicial a Bolsonaro e ao governo. Está para ser votada no Senado a reforma da Previdência. Em seguida será votada a indicação de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República.
E, depois, a indicação do garoto Eduardo Bolsonaro para embaixador do Brasil em Washington. É aqui que o bicho pode pegar. O melhor para Bolsonaro e sua família seria ignorar a situação vexaminosa de Bezerra Coelho pelo menos por um tempo.
Mas isso enfraquecerá Bolsonaro junto aos seus devotos que cobram seu compromisso de campanha com o combate à corrupção. Aumentaria a cotação entre os devotos do ministro Sérgio Moro, da Justiça. Ou daria a Moro um pretexto para ir embora.
Façam suas apostas, senhores. A minha: Bezerra Coelho ficará – por mais quanto tempo, não me arrisco a dizer. O Partido da Lava Jato serviu para eleger Bolsonaro, mas não servirá necessariamente para que ele governe. É o que fica claro.
Quem matou Ágatha? E quem autorizou matar?
Um ensandecido no governo do Rio
O que foi inventado, inventado está. Se foi testado e comprovou-se que funciona, copie. Pode não sair barato, mas é o que recomenda o bom senso. O mundo, por exemplo, está cheio de exemplos de inciativas bem-sucedidas de combate ao crime organizado.
Nenhuma delas tem a ver com a licença dada pelo governador do Rio de Janeiro para que a polícia mate à vontade. E não é só porque isso fere os direitos humanos e até mesmo bandidos têm direito à vida. É porque inocentes acabam sendo mortos.
Ainda não se sabe quantos foram mortos desde que a Polícia Militar do Rio foi autorizada a atirar para matar, explicando-se depois. Mas de janeiro até ontem, segundo o aplicativo Fogo Cruzado, 16 crianças foram feridas e pelo menos seis morreram.
A menina Ágatha, de 8 anos de idade, estava no colo da mãe dentro de uma Kombi no Complexo do Alemão quando foi morta por um tiro de fuzil. O governador calou-se nas 36 horas seguintes. Depois disse que tudo será apurado com rigor.
Wilson Witzel age como prometeu antes de ser eleito. Depois de eleito, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, renovou sua disposição para matar bandidos. É um assassino confesso de bandidos e de inocentes, esses tratados como “danos colaterais”.
Um trecho de sua entrevista ao jornal:
Não há consenso sobre a interpretação de que basta o bandido estar de fuzil, sem mirar em alguém, para que se configure ato em legítima defesa.
Se estiver mirando em alguém, tem de receber tiro na cabeça na hora.
Se não há agressão, é legítima defesa sem dúvida?
Também tem de morrer. Está de fuzil? Tem de ser abatido.
Se o senhor dá essa autorização expressa e o policial depois é processado, a responsabilidade não cai no seu colo?
Não vai cair no meu colo nada. Vai cair no colo do Estado. O Estado tem de entender que tipo de segurança pública quer.
O senhor falou em colocar “snipers” em helicópteros. Os moradores das favelas ficam em pânico nessas operações.
E os cinco bandidos de fuzil atirando para tudo quanto é lado não contam, não? A errada é a polícia?
Da polícia o cidadão espera a conduta correta; do bandido, não…
O correto é matar o bandido que está de fuzil. A polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e… fogo! Para não ter erro.
Se matar bandido reduzisse a violência, o Rio seria um paraíso…
Então não está matando, não é? Está deixando de matar.
O que fazer para parar esse governador ensandecido? Inocentes sempre morreram em meio à guerra contra bandidos, mas nunca um governador estimulou a matança. Nunca autorizou policiais a atirarem de helicópteros em comunidades indefesas.
Se você admite que a guerra contra bandidos deva ser travada a qualquer custo e por quaisquer meios – danem-se as leis – , então reze para não ser atingido por uma bala perdida, e para que nenhuma bala perdida atinja quem você ama.
Nenhum comentário:
Postar um comentário