Lideranças reconhecem falhas na oposição a Bolsonaro e não veem possibilidade de união em 2022
Por Cristiane Agostine | Valor Econômico
SÃO PAULO - Às vésperas de completar um ano da eleição do presidente Jair Bolsonaro, a divisão na centro-esquerda aprofundou-se e não há perspectiva de união. A oposição a Bolsonaro comportou-se como “barata tonta”, ficou na defensiva e presa a disputas partidárias, segundo lideranças desse campo político. O descontentamento de dirigentes de legendas como PSB, PDT e PCdoB com o PT aumentou, e no lugar da construção de uma frente ampla, com uma possível candidatura única à Presidência em 2022, os partidos defendem pré-candidatos próprios. Há pelo menos seis nomes sendo articulados.
Lideranças de partidos de centro-esquerda reconhecem as falhas na oposição ao governo e reclamam da prioridade dada pelo PT à bandeira do “Lula Livre”. Para dirigentes, é um erro ter como foco a liberdade do ex-presidente, e não a discussão de uma agenda de desenvolvimento econômico e social. Em meio a brigas, a oposição já debate como potenciais candidatos presidenciais o ex-governador Ciro Gomes (PDT); o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB); o coordenador da frente de esquerda Povo Sem Medo e do MTST Guilherme Boulos (Psol); o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa (PSB); o ex-candidato presidencial do PT Fernando Haddad (PT) e o governador da Bahia, Rui Costa (PT).
Candidato do Psol à Presidência em 2018, Guilherme Boulos disse que nos primeiros meses do governo a esquerda perdeu a capacidade de reação e ficou perplexa. “A oposição ficou como ‘barata tonta’ no primeiro semestre”, afirmou Boulos. “A esquerda precisa se reconectar com sua base social e ter mais protagonismo. Não pode ficar presa a firulas, a brigas de cúpulas partidárias”, disse. “Precisamos ter uma agenda de enfrentamento, que não fique na defensiva. Não se pode ter uma oposição dócil e bem comportada. Ou que fique só na internet e fazendo bravatas.”
Entre março e maio, Boulos percorreu 15 Estados e neste mês visitará outros oito, mas desconversou sobre a pré-candidatura. “O cenário para 2022 está muito aberto e é preciso fazer o enfrentamento a Bolsonaro agora. Corremos riscos. Pode ser que não sobre muita coisa com todo o retrocesso desse governo.”
Integrante da Executiva nacional do PSB, o ex-deputado Beto Albuquerque afirmou que a “esquerda sofre pelo hegemonismo do PT” e disse que falta “autocrítica”, sobretudo dos petistas. “Não podemos ficar só no discurso extremado, de direita contra esquerda, sem enxergar os defeitos dos [nossos] líderes”, afirmou. “O slogan do ‘Lula Livre’ não nos une. A população não se identifica com isso, num país com mais 28 milhões de desempregados ou subempregados, com retrocessos nos costumes e direitos ameaçados. Não podemos ficar reféns de velhos bordões.”
Para o dirigente do PSB, o candidato da oposição em 2022 não deve ser petista. Albuquerque, no entanto, sabe que essa tese enfrenta resistência. “O PT tem muita dificuldade de apoiar outro candidato e isso é um muro nas nossas relações”, disse. “Para o PT, é cada um por si e todos por ele. O partido tornou-se uma ‘presa’ fácil nas eleições, mas prefere perder a apoiar outro. Precisa assumir que há momentos em que ele não é o remédio para os problemas.”
“PSB, PDT e PCdoB deveriam pensar em um outro caminho e não ficar em torno do PT, senão vamos repetir o cenário de 2018. Não dá para mudar fazendo tudo igual.”
O deputado e pré-candidato à prefeitura paulistana Orlando Silva (PCdoB) disse que “muitos partidos cansaram de serem tratados como satélites do PT” e afirmou que a legenda do ex-presidente Lula precisa “aprender a apoiar” iniciativas contra o governo Bolsonaro em que os petistas não são protagonistas.
No início do mês, nem Haddad nem dirigentes nacionais do PT participaram do lançamento do “Direitos Já”, movimento em defesa da democracia e contra o governo Jair Bolsonaro, em São Paulo, que não tem como bandeira principal o “Lula Livre”. Ciro Gomes e Flávio Dino participaram.
Pré-candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PSB, o ex-governador Márcio França reclamou das divergências e disse que é preciso “focar no que une” a centro-esquerda. “A saída é estreita, mas é 100% pela democracia e pela tolerância”.
As principais críticas dentro da centro-esquerda ao PT e a Lula têm sido feitas por Ciro Gomes, candidato presidencial do PDT em 2018 e vice-presidente nacional do partido. O dirigente tem dito que o campo progressista perderá as próximas eleições se o PT continuar com a estratégia que coloca a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no centro das discussões, e afirmado que não haverá unidade com esse cenário. Em busca de maior projeção para 2022, Ciro tem percorrido Estados desde o começo do ano.
As reclamações de Ciro encontram ressonância não só dentro do PDT e do PSB, mas também do PT. Ligado ao senador Jaques Wagner, o governador da Bahia, Rui Costa, tem defendido que as alianças eleitorais do PT não sejam condicionadas ao “Lula Livre” e defendido uma oposição propositiva, com possibilidade de diálogo com o presidente. Em entrevista à revista “Veja”, o petista divulgou sua pré-candidatura à Presidência em 2022 pelo PT e afirmou que o partido errou ao lançar Fernando Haddad em 2018, em vez de apoiar Ciro.
As declarações de Costa expuseram as brigas dentro do PT sobre os rumos do partido e da esquerda. Em nota, o comando nacional da legenda contestou o governador. Comandada pela deputada Gleisi Hoffmann (PR), a legenda criticou Ciro, descartou um eventual acordo eleitoral e reclamou do lançamento da pré-candidatura de Costa. A direção petista afastou ainda possibilidade de diálogo com Bolsonaro. Jaques Wagner defendeu seu aliado e disse que a nota petista foi “totalmente descabida” por repreender e atacar o governador, que comanda o maior Estado governado pelo partido.
Representante do grupo majoritário do PT, o senador Humberto Costa (PE) minimizou as divergências e disse que a esquerda está unida no Congresso para “derrotar o bolsonarismo”. O senador disse que os partidos de centro-esquerda terão dificuldade para fazer aliança nas principais disputas eleitorais do próximo ano, mas disse que é preciso ter as “mesmas estratégias”.
Há divergências também se o campo progressista deve se aproximar de partidos de centro para fazer oposição. Ao criticar a tentativa de acordo com o Centrão, Boulos fez uma referência à busca sem sentido por um “paraíso perdido”. “Não dá para contemporizar esse governo”, disse. PDT e PSB, no entanto, defendem o “caminho do meio”, como afirmou Beto Albuquerque, do PSB. “Na luta pela democracia e pela liberdade temos que nos juntar ao centro. Mas isso não significa um caminho eleitoral para 2022.”
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