- Valor Econômico
Projeto patrocinado por Rodrigo Maia enfraquece democracia
Com a exceção de Jair Bolsonaro, nenhum político brasileiro se beneficiou tanto da avalanche antissistema gerada pela combinação explosiva entre a Operação Lava-Jato, o impeachment de Dilma e a severa crise econômica quanto Rodrigo Maia. Eleito presidente da Câmara em 14/7/2016 após a queda de Eduardo Cunha, desde então o deputado do Rio tem mostrado habilidade para se perpetuar no comando da agenda legislativa e cair nas graças do mercado.
Rodrigo Maia consolidou-se como figura central no tabuleiro político brasileiro ao ocupar dois vácuos de poder. Sobrevivente em uma eleição que ceifou os mandatos de dezenas de figurões da política tradicional, Maia é um dos parlamentares mais experientes na atual legislatura. Em seu 6º mandato federal consecutivo e diante de parlamentares novatos ou de baixo clero, vale o ditado de que “em terra de cego, quem tem um olho é rei”.
Maia também tem ampliado sua estatura política aproveitando-se do novo estilo de governar de Bolsonaro. Ao contrário dos presidentes anteriores, o atual ocupante do Palácio do Planalto abre mão do controle da agenda legislativa no Congresso, e assim Rodrigo Maia tem assumido o protagonismo na condução dos trabalhos, colhendo os louros da aprovação de medidas como a reforma da Previdência.
Tratado como “primeiro-ministro”, queridinho do mercado e cortejado para ocupar chapas presidenciais em 2022, Rodrigo Maia tem posado de estadista ao fazer frente aos arroubos autoritários de Bolsonaro, defender o equilíbrio fiscal e levar adiante propostas legislativas liberalizantes. Nas últimas semanas, porém, o presidente da Câmara revelou a sua face mais retrógrada ao liderar a aprovação do pacote de medidas que fragilizam o controle e a transparência nas eleições.
Rodrigo Maia foi o principal responsável pela articulação em torno do PL nº 11.021/2018, concebido na surdina com os líderes dos maiores partidos (do PT ao PSL, passando por DEM, MDB, PSDB e todo o Centrão) e aprovado em plenário a toque de caixa de um dia para o outro. Em seguida, diante da recusa do Senado em aceitar esse grande retrocesso para a lisura das eleições no Brasil, Maia ignorou a pressão da sociedade e comandou a aprovação de uma versão suavizada do projeto - que ainda assim abre muitas brechas para o mau uso de recursos, a ocorrência de laranjas e a vedação a candidatos ficha-suja.
Ao justificar o projeto de lei, Maia defendeu a manutenção dos valores do fundo eleitoral (que foram de R$ 1,7 bilhão em 2018, além de mais R$ 800 milhões do fundo partidário) afirmando que “nós não podemos achar que todos os políticos têm condições de financiar suas eleições com pessoas físicas, principalmente de renda mais alta”. Na sua visão “o fundo eleitoral dá uma equilibrada mínima no processo eleitoral, [pois] a democracia precisa ter investimento, mas o custo é bem menor do que se a gente estivesse num regime autoritário”.
Rodrigo Maia fala com propriedade sobre financiamento eleitoral. Nas últimas eleições, ele conseguiu captar R$ 1,8 milhão para financiar sua campanha. 40% desse volume veio dos fundos eleitoral e partidário do DEM - e o atual presidente da Câmara foi um dos maiores agraciados no Rio de Janeiro. O restante das suas despesas de campanha foi bancado por três dos maiores investidores eleitorais do país em 2018: Carlos Jereissati, dos grupos Iguatemi e Oi, que doou a Maia R$ 500 mil, Salim Mattar (Localiza, atual secretário especial de Paulo Guedes), com R$ 200 mil e Josué Christiano Gomes da Silva (Coteminas, filho do ex-vice presidente José Alencar), com mais R$ 200 mil.
O presidente da Câmara está certo ao diagnosticar que nosso sistema eleitoral tem um preço alto - nossas eleições são disputadas em territórios muito grandes e a proliferação de partidos frágeis torna a campanha muito personalista, demandando, portanto, muito dinheiro para que um candidato se destaque em meio a milhares de adversários. Porém, ao defender a manutenção do fundo eleitoral e deixar de propor qualquer limite individual às doações de grandes empresários, Maia favorece a si mesmo e a seus pares. Afinal, a falta de regras de governança quanto à aplicação do dinheiro beneficia as oligarquias partidárias (das quais ele faz parte) e a possibilidade de que os mais ricos doem volumes milionários privilegia os candidatos mais bem conectados com as elites econômicas (como o próprio Maia).
Também não se sustenta seu argumento de que as eleições do ano que vem, por serem realizadas em mais de 5 mil municípios, exigem recursos públicos bilionários. Em 2012, quando grupos como Odebrecht e JBS levavam a níveis estratosféricos sua estratégia de injetar recursos em campanhas para obter favores governamentais, as despesas totais de candidatos a prefeitos e vereadores em todo o Brasil giraram em torno de R$ 6 bilhões em valores atuais. Quatro anos depois, com a proibição de contribuições empresariais e ainda antes da criação do fundão eleitoral, foram R$ 3,4 bilhões - uma redução de 44% no custo total das campanhas, sem nenhuma evidência de dano para a democracia.
Enquanto Rodrigo Maia amplia seu prestígio político (suas eleições para presidente da Câmara tiveram, respectivamente, 285, 283 e 334 votos), seu sucesso nas urnas tem minguado: em 2006 ele obteve 235.111 votos e em 2018 apenas 74.232. Esse é um dos motivos pelos quais a maioria da classe política brasileira tanto se movimentou, nas últimas semanas, pela aprovação do projeto de lei que flexibiliza as regras de controle e transparência nas campanhas eleitorais. O fantasma das eleições de 2018 ainda assombra os velhos caciques partidários.
Para firmar-se como um grande estadista, Rodrigo Maia deveria apoiar-se em evidências empíricas e nas boas práticas internacionais para liderar um movimento de aprimoramento de nosso sistema eleitoral. Para renovar verdadeiramente a política, precisamos de maior transparência, democracia partidária e melhores condições de competitividade em nossas eleições - e isso é justamente o contrário do que o PL nº 11.021/2018, aprovado na última semana, oferece.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
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