- Valor Econômico
Tudo indica que o cenário internacional pesou no diagnóstico do Banco Central
A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central de ir mais fundo no ciclo de corte de juros foi, no geral, bem recebida pelos mercados, mas houve alguns questionamentos de especialistas. Tudo indica que a economia global pesou no diagnóstico do Banco Central. Há certa incompreensão, porém, sobre como esse fator afeta o cenário inflacionário e, sobretudo, o balanço de riscos.
No dia seguinte à decisão, os juros negociados em mercado recuaram, o que significa uma dose adicional de estímulo monetário na economia. Os swaps de 360 dias, que têm uma correlação mais forte com a atividade, caíram de 5,1% ao ano para 4,92% ao ano. Os operadores veem como sustentáveis os juros menores, tanto que derrubaram as taxas futuras em prazos mais longos, como 2023 e 2025.
Alguns analistas econômicos, entretanto, têm manifestado estranhamento com a queda súbita e pronunciada das projeções de inflação do Copom, principal sinalizador das decisões futuras de política monetária. Outros alertam que o balanço de riscos desaconselha movimentos mais ousados nos juros, já que cenário global tornou-se mais incerto ultimamente devido à guerra comercial e a eventos geopolíticos, como o ataque às refinarias na Arábia Saudita.
Uma leitura atenta do comunicado do Copom e dos diversos pronunciamentos feitos pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, desde julho sugere que a evolução da economia global teve um peso importante na definição da estratégia do BC. A explicação mais completa é esperada na jornada de comunicação de política monetária que ocorre nesta semana, com a ata do Copom amanhã e o relatório de inflação na quinta, seguida de entrevista de Campos.
O cenário global pode ter contribuído para reduzir as projeções de inflação. Na atualização do cenário econômico feita no comunicado, o Copom destaca um contexto global de “desaceleração econômica e de inflação abaixo das metas”. Se incorporado nos modelos do Banco Central, isso se traduz num hiato global mais aberto. Mas, provavelmente, as projeções não caíram só por isso: a inflação corrente está baixa, criando uma inércia favorável para 2020; e as expectativas de inflação de mercado recuaram.
Num ambiente amplamente favorável, com núcleos de inflação muito confortáveis e grande ociosidade da economia, talvez a discussão mais importante não seja exatamente se as projeções de inflação comportam juros menores, mas sim se seria prudente baixá-los, dado o balanço de riscos.
O Banco Central estaria subestimando o perigoso ambiente internacional? Esse é um dos três fatores destacados pelo Copom no seu balanço de riscos para a inflação. É necessário, porém, entender como o fator externo entra no arcabouço analítico do BC (algo que vem sendo repetido nos documentos oficiais) e acompanhar a leitura dos dirigentes do colegiado sobre o risco externo (Campos tem falado muito sobre isso ultimamente).
O risco externo é relevante por si só, mas o BC vem repetindo que o que realmente preocupa é a sua eventual interação com o risco de falta de andamento das reformas. Esse risco interno ficou menos latente - no comunicado, o Copom deixou de descrevê-lo como “preponderante”.
Se a desaceleração global for apenas moderada, o efeito líquido para emergentes é favorável, porque BCs de economias avançadas vão prover mais estímulos monetários. Se houver uma queda forte, sofremos com o aumento da aversão ao risco. O difícil é avaliar quando - e se - saímos de uma situação para outra.
Não está sendo fácil para ninguém. Na semana passada, o presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, passou calor na entrevista coletiva em que anunciou um pequeno corte de juros, com projeções mostrando membros do comitê de política monetária americano divididos sobre os próximos passos.
O cenário do Fed é que a economia americana segue crescendo, em parte com o apoio da virada na estratégia de política monetária feita desde o começo do ano. Os pequenos cortes de juros, vem argumentando Powell, são ações preventivas contra o risco de os EUA serem afetados pela desaceleração global. Powell foi questionado várias vezes o que faria se a economia entrar em recessão - disse que vai usar o armamento disponível, mas que a economia americana não havia chegado a essa situação. O Fed sobrevive de reunião para reunião.
Campos, nos seus discursos, mantém um olho bem aberto para esses riscos. Ele tem mencionado preocupação com o alto nível de alavancagem financeira provocada pela década de dinheiro farto e juros negativos. Também tem se mostrando cético sobre a capacidade de instrumentos monetários não convencionais segurar uma eventual queda forte da economia mundial.
Paralelamente a esses riscos, porém, o presidente do Banco Central tem descrito reflexos palpáveis da desaceleração mundial sobre o Brasil. Ele vem sustentando que essa onda tem levado a revisões nas expectativas de crescimento de nossos vizinhos emergentes, como Chile, Colômbia e México - e o Brasil segue o grupo.
No fim, vão se sair melhor os países que tiverem a economia mais bem arrumada. A posição externa brasileira evitou que o Brasil subisse juros no ano passado, como fizeram outros países. Mas a principal proteção será completar o equilíbrio fiscal.
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