‘Bancada’ do ministro reúne deputados e senadores de vários partidos, até os de esquerda
Por Andrea Jubé | Valor Econômico
BRASÍLIA - Alvo de fritura do presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Justiça, Sergio Moro, deu a volta no chefe do Executivo e saiu na frente na construção de uma base própria no Congresso, enquanto o governo continua sem sustentação parlamentar sólida para impulsionar as demais reformas.
A “bancada de Moro” cresce e se delineia numa conjuntura cada vez mais clara de dissociação entre lavajatistas e bolsonaristas. Esse time reúne deputados e senadores de vários matizes: PSL, Podemos, do centro, como DEM, PRB, PSD e MDB, e até mesmo da esquerda, como PSB e PDT, todos orbitando em torno de uma agenda comum de combate à corrupção, defesa da Lava-Jato e redução da violência.
Esse bloco de apoiadores quer vincular a imagem à do ministro mais popular do governo, mirando os dividendos políticos, sobretudo a um ano das eleições. Segundo o Datafolha divulgado no começo do mês, Moro tem aprovação de 54% da população, índice 25 pontos acima da nota atribuída a Bolsonaro.
A pesquisa atestou que Moro saiu preservado da crise do vazamento dos diálogos com procuradores da força-tarefa que eclodiu em junho. Até agora, nesse quesito, a derrota foi técnica, com a anulação pelo Supremo Tribunal Federal da sentença em que ele condenou o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine. A decisão abriu precedente para eventual anulação da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O embrião dessa base remonta à votação da reforma administrativa em maio, quando o ministro articulou pessoalmente para manter o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com a pasta da Justiça. Por apenas 18 votos, o órgão foi remanejado para o Ministério da Economia. Mas foi uma derrota com cara de vitória porque 210 deputados - quase a metade da Casa - votaram com Moro. O PSD do ex-ministro Gilberto Kassab, por exemplo, votou em peso com o ministro.
O time de Moro é difuso na Câmara, com pelo menos cem deputados. Número insuficiente, todavia, para barrar a criação da comissão parlamentar de inquérito (CPI) que pretende investigar seus atos na Lava-Jato, endossada por 175 deputados. É no Senado que o desenho da bancada pró-Moro fica mais nítido devido à recomposição de forças na Casa.
A força política de Moro entre os senadores evidencia-se na expansão do Podemos e também do grupo “Muda, Senado”. O bloco suprapartidário dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Lasier Martins (Podemos-RS) começou com 15 e hoje soma 21 titulares.
Em outra frente, o crescimento do Podemos, hoje com 11 titulares, pressionou o MDB, que tem 13 senadores e precisa manter a hegemonia para tentar recuperar a presidência do Senado em 2021. O Podemos é o partido mais identificado com Moro por causa da defesa enfática da Lava-Jato.
O líder do Podemos, senador Alvaro Dias (PR), afirma que o bloco parlamentar de apoio ao ministro é reflexo do amplo respaldo popular. Mas nega que tenha havido convite para Moro se filiar à legenda mirando uma postulação presidencial em 2022. “Não é verdade e só cria turbulência no governo porque começam a colocar o ministro como competidor do presidente”, rechaçou.
Desde a divulgação em junho de mensagens que expuseram a sua proximidade com procuradores da Lava-Jato e colocaram em dúvida a sua imparcialidade como juiz federal, Moro deflagrou um corpo a corpo com parlamentares, em almoços e jantares privados, em busca de apoio político. O objetivo, segundo interlocutores do ministro, seria estreitar os laços com parlamentares em momentos de descontração, com “espíritos desarmados”, a fim de apresentar sua faceta política.
De junho pra cá, Moro participou de jantares com deputados e senadores de vários partidos nas casas do deputado João Roma (PRB-BA), dos senadores Marcos do Val (Podemos-ES) e Lucas Barreto (PSD-AP), para citar alguns. Na quarta-feira, confraternizou com a frente parlamentar evangélica, que só perde em tamanho para a ruralista.
João Roma, que reuniu um grupo suprapartidário em sua casa em torno de Moro em agosto, disse ao Valor que não identifica um “time de Moro” consolidado, mas reconhece que o ministro amealhou uma gama expressiva de apoiadores, que se aproximam dele por causa da popularidade e da agenda. Segundo Roma, Moro quer se desfazer do figurino de juiz e se impor como ministro de uma das pastas mais relevantes do Executivo.
A receptividade política ao juiz que condenou poderosos seria decorrente da maior renovação em 30 anos, com 244 deputados estreantes e fichas-limpas. Moro precisa dessa blindagem, mesmo depois de vitórias parciais, como a manutenção no cargo do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo.
O desafio agora será impedir a instalação da CPI da Lava-Jato, ato que depende do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Um placar superior ao da votação do Coaf, entretanto, deverá marcar a aprovação dos primeiros projetos do pacote anticrime, principal vitrine de Moro.
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