Enfim,
o governo federal parece dar-se conta de que, para superar a pandemia do novo
coronavírus, não há elixir mágico e é preciso vacinar a população.
Enfim, o governo federal parece dar-se conta de que, para superar a pandemia do novo coronavírus, não há elixir mágico e é preciso vacinar a população. Segundo o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, a vacinação contra a covid-19 deverá começar na próxima quarta-feira, dia 20.
Talvez
esse longo e tortuoso processo para o início da vacinação tivesse sido um pouco
mais breve e retilíneo – gerando menos apreensão na população –, se o
presidente Jair Bolsonaro e o intendente Eduardo Pazuello tivessem assimilado
uma das habilidades previstas para o 7.º ano do Ensino Fundamental na Base
Nacional Comum Curricular. Trata-se de documento de caráter normativo que
define as aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao
longo das etapas e modalidades da Educação Básica.
A
décima habilidade prevista na área de ciências para alunos do 7.º ano (12 anos)
é “argumentar sobre a importância da vacinação para a saúde pública, com base
em informações sobre a maneira como a vacina atua no organismo e o papel
histórico da vacinação para a manutenção da saúde individual e coletiva e para
a erradicação de doenças”. A Base Nacional Comum Curricular, na parte referente
ao Ensino Fundamental, foi aprovada em 2017.
De fato, parece que Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello tiveram dificuldades com a habilidade prevista para a garotada de 12 anos. Ao longo dos últimos meses, por exemplo, trabalharam como se não soubessem que a vacinação contra a covid-19 exige seringa e agulha. Agora, no entanto, parecem ter finalmente captado que a população quer a vacina. E desejam transformá-la em um grande palanque eleitoral.
Antes
mesmo de ser divulgada a data de início da vacinação, o Ministério da Saúde
informou que haverá na próxima terça-feira, dia 19, um evento no Palácio do
Planalto para festejar a vacina. Não sabe se haverá seringa e agulha para todos
– sete Estados não têm estoque suficiente de seringas e agulhas para vacinação
contra a covid-19 –, mas o Ministério da Saúde já definiu qual será o slogan da
cerimônia: “Brasil imunizado, somos uma só nação”.
Depois
de tantas dificuldades colocadas pelo governo de Jair Bolsonaro para a vacinação
contra a covid-19, a ideia de realizar um evento festivo-eleitoral no Palácio
do Planalto soa a escárnio contra a população. Não há notícia de algum governo
no mundo que tenha tido o descaramento de começar a vacinação contra a covid-19
com um evento em sua sede oficial. Em geral, como o bom senso e a saúde pública
recomendam, os esforços estão voltados para vacinar os grupos prioritários. O
evento do dia 19 é mais um sintoma das enormes dificuldades de Jair Bolsonaro e
Eduardo Pazuello para “argumentar a importância da vacinação para a saúde
pública”.
A
corroborar que o Palácio do Planalto vê a vacina como questão
político-eleitoral, o governo federal informou que proibirá a aquisição de
vacinas por empresas para imunização de funcionários. A notícia foi dada no dia
13 por representantes dos Ministérios da Saúde, das Comunicações e da Casa
Civil a empresários, em reunião organizada pela Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (Fiesp).
A
vacinação contra a covid-19 promovida por empresas para seus funcionários pode
reduzir os gastos públicos e agilizar o processo de imunização da população,
além de favorecer o retorno à normalidade da atividade econômica, com
consequências positivas sobre o emprego e o ambiente de negócios. Fornecer ou
não vacina para funcionários é uma decisão unicamente empresarial na qual
governo algum deveria se meter. No entanto, o liberal governo de Jair Bolsonaro
prefere declarar que a vacinação contra a covid-19 é monopólio estatal.
É
impressionante a capacidade do governo de Jair Bolsonaro de transformar até
mesmo aquilo que seria uma boa notícia – a disponibilidade de vacinas contra a
covid-19 para a população –, num grande imbróglio. O penoso quadro revela a
importância de cuidar da educação de todas as crianças, para que todas elas,
sem exceção, desenvolvam as habilidades previstas na idade correspondente. Com
isso serão evitados muitos problemas no futuro.
Precedente perigoso – Opinião | O Estado de S. Paulo
Concessão
de descontos a membros da PM na Ceagesp é medida de inspiração miliciana.
Semanas depois de ter feito um agressivo discurso na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), prometendo que não privatizará a empresa, informando que escolheu para dirigi-la um coronel reformado de sua confiança e elogiando a atuação da Polícia Militar (PM) de São Paulo no combate ao crime, o presidente Jair Bolsonaro voltou a cortejar os membros da corporação. Desta vez, ele os brindou com uma medida absurda e ilegal, anunciada no sábado passado, em mais uma de suas costumeiras falas no cercadinho do Palácio da Alvorada. Sob a alegação de que sempre privilegiou bandeiras corporativas nos tempos em que foi deputado, o presidente anunciou que a Ceagesp dará descontos aos “fardados” que fizerem compras em suas instalações. “O policial militar de São Paulo pode comprar agora, fardado ou com documento, o que quiser para sua mesa com desconto de 20%”, afirmou. Em São Paulo, o coronel reformado da Polícia Militar por ele nomeado para a Ceagesp, Ricardo Mello Araújo, confirmou a concessão do benefício. Em nota, também afirmou que o desconto passará a fazer parte da “política da companhia”. Disse, ainda, que esse tipo de “política” é adotado “em muitos países”, sem enumerá-los.
Nem
o presidente nem o coronel reformado, contudo, formalizaram a decisão que
anunciaram. Nem poderiam fazê-lo, por vários motivos jurídicos, dos quais três
merecem destaque.
Em
primeiro lugar, como o Brasil é definido pela Constituição como uma república
federativa e a Polícia Militar pertence ao governo do Estado de São Paulo, o
presidente da República não tem competência legal para agir em áreas e
atividades que não são de sua jurisdição. Apesar de a Ceagesp ser uma estatal
federal, a manutenção da ordem pública em São Paulo é de responsabilidade da
Secretaria da Segurança.
Em
segundo lugar, como os custos dos descontos não serão bancados por órgãos
públicos, mas arcados pelos permissionários da Ceagesp, que terão uma redução
no seu faturamento em um período de crise econômica, o presidente da República
e o coronel reformado que colocou à frente da Ceagesp estão impondo uma
obrigação ilegal à iniciativa privada. Eles não só estão interferindo de modo
abusivo e inconstitucional na economia de mercado, como também revelaram seguir
uma prática tipicamente miliciana, no pior sentido da palavra, quando afirmaram
que o desconto é uma “forma de agradecimento” a quem os protege. A impressão
fica ainda mais reforçada quando o presidente da Ceagesp afirma que, apesar de
a “política de descontos não ser uma imposição a ninguém”, procurará cada
comerciante para que ajude “a quem nos tem ajudado”. Em terceiro lugar, a
Constituição é clara quando afirma que os serviços públicos devem ser prestados
em caráter geral e impessoal.
Como
as Polícias Militares são, além de órgãos policiais, braços armados dos entes
federados, seus membros recebem soldos arrecadados dos contribuintes. Portanto,
não faz sentido, em termos jurídicos, institucionais e morais, esse tipo de
“agradecimento”. O que poderá ocorrer com quem não quiser “ajudar”? O
precedente é perigoso, pois, se a moda pegar, outras corporações do
funcionalismo passarão a reivindicar “ajudinhas” para fazer o que é sua
obrigação funcional, abrindo assim caminho para uma prática generalizada de
chantagem e de perseguição a quem não quiser contribuir.
Por
isso, antes que esse tipo de prática miliciana ou mafiosa se expanda, os órgãos
de fiscalização têm de agir imediatamente. Cabe aos Ministérios Públicos
federal e estadual investigar o que o presidente Bolsonaro chama de cumprimento
de uma de suas “bandeiras corporativistas”. O “desconto a fardados” é um fato
grave num momento em que o presidente Bolsonaro, além das “ajudinhas”
concebidas para aliciar soldados, insufla motins nas Polícias Militares e
flerta com a quebra da autoridade dos governadores sobre essas corporações.
Sem obras para o crescimento – Opinião | O Estado de S. Paulo
Governo tem pouca verba para investir e parte deverá ser gasta com armamento
Estradas
continuarão a esboroar-se em 2021, se a infraestrutura, já muito comprometida,
depender de dinheiro federal para se recompor e, numa hipótese quase
fantasiosa, voltar a se expandir e a se modernizar. A verba para obras e outros
investimentos, estimada inicialmente em R$ 28,6 bilhões, ainda poderá encolher,
por causa da expansão de gastos obrigatórios. Em 15 anos esse foi o menor valor
previsto para a formação de capital fixo para uso público. Mais do que nunca, o
Brasil depende do capital privado para projetos indispensáveis ao funcionamento
do País – como rodovias, ferrovias, portos, estruturas de geração e
distribuição de energia e sistemas de água e saneamento.
Investimentos
em máquinas, equipamentos, instalações, habitação e obras de infraestrutura
fortalecem a economia de duas formas. O efeito imediato ocorre pela mobilização
de mão de obra, muito importante para o aumento do consumo, e pela demanda de
equipamentos, como tratores e guindastes, e de materiais, como cimento,
combustíveis, metais, vidros, plásticos e cerâmicas. O efeito mais duradouro
ocorre pela expansão da capacidade produtiva e da eficiência geral. Com maior
potencial, o País pode crescer mais velozmente, por vários anos, sem pressões
inflacionárias e com menor risco de gargalos nas contas externas.
O
baixo ritmo da economia brasileira, nos últimos dez anos, é em grande parte
explicável pelo baixo investimento e pela baixa eficiência do capital aplicado
pelo governo, com muito dinheiro desperdiçado em obras mal projetadas, mal fiscalizadas,
superfaturadas e com frequência inacabadas. Além de investir mais que a
administração pública, o setor privado tende a usar o dinheiro com eficiência
muito maior, exceto, talvez, no caso de setores empresariais superprotegidos e
favorecidos com grandes benefícios fiscais.
Mesmo
com o esforço maior do setor privado, o valor total investido anualmente vem-se
mantendo, em média, nos últimos 20 anos, na faixa de 17% a 18% do Produto
Interno Bruto (PIB). Em outros países emergentes, incluídos vários latino-americanos,
a razão investimento/PIB tem sido bem maior. Taxas iguais ou superiores a 24%
do PIB foram encontradas com frequência, antes da pandemia, e indicadores ainda
maiores têm sido observados nas economias mais dinâmicas da Ásia.
No
Brasil, o custo do capital, a tributação disfuncional e a instabilidade de
regras têm sido, tradicionalmente, importantes obstáculos ao investimento
privado. Com a redução dos juros básicos, iniciada no fim de 2016, o capital
ficou menos caro e pelo menos esse entrave foi reduzido. Outros fatores, no
entanto, mantiveram a economia em marcha lenta a partir de 2014. O baixo ritmo
de expansão e de modernização da indústria manufatureira foi uma das
características desse período. O agronegócio, no entanto, continuou a investir,
a modernizar-se e a ampliar sua presença no mercado internacional. Poucos
segmentos da indústria – e o aeronáutico talvez seja o melhor exemplo –
exibiram esforço semelhante de modernização e de busca de eficiência.
O
setor público permaneceu amarrado e isso se agravou nos últimos dois anos. O
Orçamento-Geral da União continua engessado, com despesas obrigatórias
consumindo mais de 90% das verbas. Neste ano essa restrição deve aumentar. O
aumento dos gastos com aposentadorias e outros benefícios previdenciários vai
tornar mais comprimida a parcela de recursos para obras e outros gastos
“discricionários”. O mais novo problema apontado pelos técnicos do governo é o
aumento do salário mínimo. O reajuste para R$ 1.100, pouco maior que o previsto
anteriormente, deve consumir R$ 11,6 bilhões a mais do que se previa na
proposta orçamentária.
Além
de escassa, a verba para investimento ainda estará parcialmente comprometida
com gastos militares. Novos tanques e outros armamentos estão entre as
prioridades, segundo orientação do presidente Jair Bolsonaro. Reformas e boa
gestão poderão superar outros problemas. O problema Bolsonaro é mais complicado
e muito mais grave.
Intervenção no BB é mais um ataque ao liberalismo – Opinião | O Globo
Barrar
reforma no banco confirma que Bolsonaro só se preocupa com seus projetos
político-eleitorais
A
ameaça de demissão de André Beltrão da presidência do Banco do Brasil revela a
essência antiliberal de Jair Bolsonaro, que trata empresas estatais, mesmo as
com ações em bolsa dentro e fora do país, como se estivessem subordinadas ao
Planalto, à sua disposição para interferências políticas. Ex-presidente do
HSBC, Beltrão foi levado para o banco pelo ministro da Economia, Paulo Guedes,
para fazer uma gestão profissional. Esbarrou no projeto político e na visão
ideológica de Bolsonaro sobre as estatais.
Assumiu
o cargo em julho para substituir Rubem Novaes, que saiu se dizendo frustrado
por não conseguir fazer privatizações no BB. Não é difícil deduzir de onde
partiam as resistências. Desta vez, Brandão anunciou um necessário plano de
enxugamento do banco, cada vez menos competitivo num setor em rápida evolução.
O plano envolvia um programa de demissão voluntária para afastar 5 mil funcionários,
fechar agências, escritórios e postos de atendimento, 361 unidades ao todo,
gerando economia de R$ 353 milhões ainda este ano. Não faz sentido mesmo manter
guichês e balcões quando, também no BB, cresce o número de operações feitas
pelos clientes de forma digital.
Mas
o programa de reestruturação não é considerado conveniente em meio ao toma lá
dá cá que transcorre em Brasília para Bolsonaro eleger Arthur Lira (PP-AL)
presidente da Câmara dos Deputados. “Quem manda sou eu” é um dos bordões mais usados
por Bolsonaro quando não gosta de alguma decisão tomada em seu governo. Ele
reclama que não foi informado sobre detalhes do plano, aprovado pelo ministro
Paulo Guedes.
Na
quarta-feira, Bolsonaro recebeu a visita de nove deputados e um senador, preocupados
com os efeitos do plano de enxugamento em suas bases. Consta que Paulo Guedes,
além de procurar demover Bolsonaro, tenta substituir Brandão por alguém do
mesmo perfil. O plano de Brandão, diga-se, é até modesto perto da real
necessidade para o país: privatizar a área comercial do BB — não faz sentido o
Estado operar um banco de varejo — e, se necessário, criar uma nova instituição
financeira para as operações de fomento e crédito agrícola operadas pelo banco,
área com que o BB tem ligação tradicional.
Fundado
na chegada da família real portuguesa ao país, em 1808, o BB tem uma longa
história de uso pelos donos do poder. A começar pela primeira falência, em
1821, quando Dom João VI voltou a Lisboa levando nas arcas o dinheiro do banco.
Bolsonaro repete uma tradição secular da manipulação de estatais, sem qualquer
preocupação com os acionistas privados da instituição financeira.
Todos
os bancos têm planos de enxugamento para se adaptar à digitalização do setor,
acelerada pela chegada das fintechs. Mas Bolsonaro se preocupa apenas com seu
projeto político-eleitoral e, no momento, em eleger Lira para controlar a pauta
da Câmara. A queda de braço em torno do BB resulta em mais uma derrota a seu
ministro da Economia, a cada vez menos visível face liberal do governo.
Governos
precisam priorizar volta às aulas presenciais com segurança – Opinião | O Globo
Manter
os alunos afastados da escola provoca prejuízos às crianças — e não só
pedagógicos
Apesar
do significativo aumento de casos de Covid-19 no país a partir de novembro, de
modo geral as atividades não foram paralisadas. Restaurantes, bares, boates,
academias, cinemas, shoppings continuam em funcionamento. Mas a reabertura das
escolas, que permaneceram fechadas a maior parte de 2020, ainda é marcada por
incertezas.
Muitas
prefeituras já anunciaram para o inicio de fevereiro a volta às aulas. A menos
de um mês do retorno, contudo, faltam planos para a retomada. Pais, alunos e
professores não sabem se as aulas serão presenciais, se continuarão remotas ou
se haverá um sistema híbrido. Por vezes, nem há definição sobre data. Como
mostrou reportagem do GLOBO, de 12 municípios da Região Metropolitana do Rio,
apenas três (Belford Roxo, Magé e Guapimirim) fixaram prazo para o retorno e,
mesmo assim, de forma semipresencial.
Estudos
mostram que manter os alunos afastados das salas de aula traz prejuízos às
crianças, não só pedagógicos, mas também de ordem psicológica e de segurança —
a violência doméstica aumentou na pandemia. Sem falar que amplia o abismo já
existente no ensino do país. Segundo a Secretaria municipal de Educação do Rio,
77 mil alunos, que representam 12% do total, não puderam acessar as aulas
remotas. O ano deles foi perdido. Mesmo entre os 88% que estudaram à distância,
não se sabe o percentual daqueles que efetivamente conseguiram acompanhar as
aulas.
Em
carta enviada na semana passada aos prefeitos e prefeitas recém-eleitos no
Brasil, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) pede que priorizem a
educação e a reabertura segura dos estabelecimentos. “As escolas devem ser as
últimas a fechar e as primeiras a reabrir em qualquer emergência ou crise
humanitária. É fundamental empreender todos os esforços necessários para que as
escolas de educação básica reabram no início deste ano escolar, em segurança”,
diz o documento. O movimento Todos pela Educação também deflagrou uma campanha
com orientações às prefeituras para permitir um retorno seguro às salas de
aula.
Governos
devem aproveitar este início de ano para dar prioridade à educação — o que não
aconteceu em nenhum momento dos 11 meses de pandemia. As crianças não estão
entre os grupos mais vulneráveis ao novo coronavírus. Vários países que
decretaram lockdown devido à segunda onda de Covid-19 mantiveram escolas
abertas.
Os
danos de fechá-las vão além do ano perdido. Teme-se que os estudantes que não
conseguem acompanhar as aulas acabem deixando a escola. Desalentador para um
país em que a educação deveria ser prioridade. Já é fato que a pandemia
comprometeu seriamente o presente. Não se pode deixar que comprometa também o
futuro.
STF moroso – Opinião | Folha de S. Paulo
Novo
foro ainda não deu resultado; corte deve privilegiar papel constitucional
Mesmo
quando não falha, a Justiça certamente pode tardar. Esse parece ser o caso do
Supremo Tribunal Federal, ao menos em temas criminais. Levantamento da Folha mostrou
que, a despeito da limitação do alcance do foro especial adotada em 2018, o
trabalho da corte não se tornou
mais célere.
Foi
justamente para atender à demanda da sociedade por julgamentos mais tempestivos
de autoridades que o foro especial —não raro associado de forma errônea à
impunidade— passou a valer somente em investigações de crimes cometidos durante
o mandato e relacionados ao cargo do acusado.
Mas
a redução de casos em análise no STF não resultou, ao menos até o momento, na
superação de atrasos que se verificam em diferentes fases do processo penal.
Como
mostrou este jornal, o tribunal leva, em alguns casos, mais de três
anos para decidir se aceita ou não uma denúncia da
Procuradoria-Geral da República.
Entre
os 82 inquéritos públicos e em segredo de Justiça que tramitam na corte e miram
60 políticos, 12 aguardam decisão dos magistrados. Em 41 casos, as
investigações estão em andamento.
A
fila abarca um conjunto suprapartidário de nomes, que obviamente cresceu nos
últimos anos em razão da Operação Lava Jato. Cumpre observar que os inocentes
têm mais a perder com a delonga.
O Supremo
peca por falta de transparência na administração do próprio tempo. Seu
presidente tem o poder discricionário de pautar os casos a serem examinados no
plenário do tribunal, que hoje incluem as ações penais.
Há
empecilhos mais estruturais. Diferentemente da Suprema Corte dos EUA, o STF
trata de um amplo leque além da constitucionalidade de leis. O resultado é um
acúmulo exagerado de tarefas.
Como
um tribunal de vocação constitucional, o Supremo não está equipado para levar
adiante processos penais inteiros. Os incentivos institucionais à morosidade,
ademais, são numerosos.
Aqui
podem ser citados os pedidos de vista pelos ministros que extrapolam, sem
punição direta, o prazo regimental, além de dificuldades burocráticas como
lentidão em notificações judiciais.
Esta Folha defende reorientar o
STF para o seu caráter constitucional, reduzindo por lei a sua
competência originária em ações penais.
A
morosidade impõe custo reputacional ao Supremo Tribunal e obstrui o provimento
oportuno da Justiça, alimentando a percepção, correta ou não, de impunidade.
Miopia à francesa – Opinião | Folha de S. Paulo
Macron
fala bobagem sobre soja, mas cerrado merece tanta atenção quanto Amazônia
Qualquer
pessoa com conhecimento sobre commodities entende que o presidente da França,
Emmanuel Macron, falava para seu público interno ao desfechar o ataque
à soja brasileira, na terça-feira (12), numa rede social. Não é só
no Brasil que políticos oportunistas alvejam desafetos estrangeiros para
recauchutar sua imagem doméstica.
A
ideia de que agricultores franceses possam plantar quantidade suficiente do
grão para tornar aquele país autossuficiente é risível, para não falar da clara
impossibilidade de competir em preços com o produto brasileiro.
A
desculpa de que toda a soja exportada seja oriunda de desmatamento na Amazônia
tampouco se sustenta, mas o vínculo entre esse cultivo e a perda de vegetação
natural merece exame mais cauteloso.
O
primeiro ponto a considerar é a existência de uma moratória para a
comercialização de soja proveniente de áreas amazônicas devastadas
recentemente.
Apesar
dela, artigo de pesquisadores do Brasil, da Alemanha e dos EUA publicado há
seis meses no periódico Science estimou que 500 mil toneladas do grão exportado
daqui para a União Europeia podem estar contaminadas por desmatamento ilegal na
Amazônia.
Isso
corresponde a menos de 4% do total embarcado do Brasil para a UE, cerca de 14
milhões de toneladas. Além disso, só uma parte terá sido colhida em áreas
desmatadas ilegalmente, pois mesmo propriedades com passivo ambiental possuem
áreas de cultivo autorizado, e apenas uma pequena parcela terá seguido para a
França.
De
um ponto de vista quantitativo, o ataque de Macron parece insustentável. Dito
isso, há que assinalar o fato de a maior parte da soja brasileira exportada
para a Europa ser oriunda não da Amazônia, mas do bioma cerrado, de onde teria
saído outro 1,4 milhão de toneladas sob suspeita.
A
atenção de Macron e do público se volta para a floresta amazônica, por sua
biodiversidade e pela aceleração das derrubadas no governo de Jair Bolsonaro,
que não faz questão de disfarçar sua agenda antiambiental. Entretanto cumpre
apontar que o cerrado —não menos importante do ponto de vista ecológico— sofre
pressão maior.
A
savana que cobre o Centro-Oeste perdeu 7.340 km² no último ano, ante 11.080 km²
na Amazônia, cuja área é mais de 100% maior. A expansão da soja, assim como a
da pecuária, do milho e do algodão, está na origem dessa devastação mais
pujante e menos valorizada.
O
avanço desordenado da fronteira agrícola pode bem tornar realidade, em alguns
anos, a acusação lançada hoje sem conhecimento de causa por Emmanuel Macron.
Os sinais ruins que deixa a saída da Ford do Brasil – Opinião | Valor Econômico
A
reestruturação da produção automobilística global e as dificuldades em lidar
com ela têm um papel central na decisão da Ford
A
decisão da Ford de encerrar a produção de veículos no Brasil despertou forte
reação no país. As manifestações foram das mais sentimentais às mais ríspidas.
Não faltaram nas redes sociais o desfile de fotos de modelos icônicos de
automóveis, que marcaram os pouco mais de cem anos da marca no país, e a
lembrança da Fordlândia, que a empresa projetou em plena Amazônia.
O
vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que a montadora ganhou bastante
dinheiro no país e deveria ter ficado um pouco mais. O presidente Jair
Bolsonaro, bem ao seu estilo, elevou o tom e disse que faltou à empresa falar a
verdade: teria saído porque não conseguiu mais subsídio. A Ford justificou a
decisão pela necessidade de cortar custos. Indústrias se queixam da elevada
carga tributária brasileira e analistas falam dos desafios que o setor
automobilístico enfrenta em um mundo que demanda cada vez mais máquinas
eficientes e de energia limpa. A realidade tem um pouco de cada um desses
elementos.
Primeira
montadora a se instalar no Brasil, em 1919, a Ford já vinha dando sinais de
mudança de planos no país. Há algum tempo não eram anunciados investimentos
importantes, especialmente em cenário de mudança de paradigma, como a transição
para o automóvel elétrico. A Ford teve bons resultados no início deste século,
se recuperando da queda da produção na década de 1990. Em 2010, chegou a
fabricar 353 mil veículos. Mas voltou a perder espaço no mercado, afetada pela
recessão do segundo mandato do governo de Dilma Rousseff.
Cinco
anos depois, a produção havia encolhido em quase um terço, patamar em que
estacionou, enquanto os concorrentes ganhavam terreno, quando a economia
permitia. Diminuiu ainda mais em 2019 quando anunciou o fechamento da fábrica
de caminhões e do Fiesta, em São Bernardo do Campo (SP). No ano passado,
fabricou 227,2 mil veículos. Ainda assim, e apesar da pandemia, ficou na quinta
posição no mercado, com a significativa participação de 7,14%, à frente de
outras grandes, como a Renault e a Toyota. Agora, vai encerrar ao longo do ano
a produção de veículos em Camaçari (BA) e Horizonte (CE), além da fabricação de
motores em Taubaté (SP).
No
total, estima-se a perda de 5 mil empregos diretos. A conta não envolve os
numerosos empregos indiretos em uma cadeia de produção longa, que inclui produtos
químicos, borracha, metais e componentes eletrônicos.
Bolsonaro
reagiu negativamente ao anúncio da Ford. Segundo ele, o verdadeiro motivo da
saída da empresa do Brasil foi que o governo não aceitou dar mais subsídios. O
presidente informou que a montadora recebeu R$ 20 bilhões em incentivos
públicos. Os números podem não ser exatamente esses, mas as montadoras vêm
recebendo, de fato, muito estímulo ao longo do tempo. Só neste ano o gasto
tributário previsto com o setor automotivo é de R$ 5,9 bilhões. Dados da
Receita Federal mostram que, em dez anos, incluindo este ano, o gasto
tributário com o setor chegou a R$ 48,5 bilhões, em valores correntes, ou R$
56,1 bilhões, a preços de dezembro de 2020 (Valor 14/1). Os valores se referem apenas aos
subsídios federais. Há ainda incentivos regionais, além de não raros estímulos
municipais.
Outras
montadoras encerraram algumas linhas nos últimos dois anos. A Audi suspendeu a
produção no Paraná; e a Mercedes-Benz a de automóveis de luxo. A fusão da Fiat
com a Peugeot, que avançou neste início de ano, também deverá ter
desdobramentos no país.
A
reestruturação da produção automobilística global e as dificuldades da Ford em
lidar com ela têm um papel central em sua decisão. A indefinição da, ou falta
de, política brasileira para o setor - embarcar no carro elétrico, ou em um
híbrido com fonte limpa, como o álcool - joga também um papel importante. O
país está ficando fora do mapa das transformações produtivas que marcarão o
futuro desse mercado. A proteção às montadoras e os subsídios claramente
deixaram de produzir resultados relevantes - o modelo se esgotou.
As escolhas empresariais erradas da Ford produzirão um encolhimento geral da marca no mundo, o que já vinha ocorrendo no Brasil. Anos de recessão, seguidos de crescimento medíocre e, depois, por uma brutal pandemia foram uma soma de golpes difíceis de aparar. Seu problema é o mesmo das que ficam - modernização tecnológica e competitividade. É uma equação que se não for bem resolvida arruinará outras empresas do setor.
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