Sua
ação trouxe à luz o debate que, há tempos, elas tentam evitar
O
presidente dos Estados Unidos é, em tese, o homem mais poderoso do mundo. Entre
outras coisas, ele tem acesso a um aparato de comunicação sem igual:
jornalistas das principais organizações de mídia do planeta cobrem a Casa
Branca 24 horas por dia, ávidos por ver o que faz e ouvir o que tem a dizer.
Seu nome é pronunciado incontáveis vezes por dia em boa parte dos 7.117 idiomas
falados por seres humanos. O que não lhe falta é palanque. Mas Donald J. Trump
considera-se mudo sem as suas redes sociais — e, de certa forma, está mudo
mesmo.
Ele
foi expulso da ágora contemporânea, da praça onde se travam hoje as discussões,
onde se marcam encontros informais e ataques terroristas, passeatas e golpes de
Estado.
Não tem mais conta no Twitter, e suas contas no Facebook, no Instagram, no Snapchat e até no Shopify e Pinterest estão suspensas. O Parler ainda o tolera — mas a rede foi banida das lojas do Google e da Apple e, mais importante, dos servidores da Amazon, o que a tirou efetivamente do ar.
As
redes sociais demoraram muito para tomar uma decisão em relação a Trump e,
quando tomaram, erraram a mão. O que acabaram fazendo foi chamar a atenção para
o poder descomunal que está concentrado em meia dúzia de empresas. Tinham outra
saída? Objetivamente, não: a democracia dos Estados Unidos estava sob ameaça.
Mas a sua ação trouxe à luz, de maneira espetacular, o debate que, há tempos,
elas tentam evitar — afinal, qual é o grau de responsabilidade que têm em
relação ao que é postado nas suas páginas?
Ninguém
ainda descobriu a resposta exata para essa pergunta. As redes sociais são um
fenômeno recente, e estão se desenvolvendo de forma complexa demais para caber
em moldes conceituais e legais antigos. Elas não podem ser responsabilizadas
por tudo o que publicam, mas também não podem ser irresponsáveis socialmente no
grau em que tem sido.
Onde
traçar a linha?
Antes
de convocar seus apoiadores para “protestos selvagens”, Trump escreveu muita
mentira no Twitter, atacou muita gente, gerou muito ódio; a invasão do
Capitólio não foi consequência de apenas 240 caracteres. No dia 26 de maio do
ano passado, o Twitter pela primeira vez marcou dois tuítes de Trump com
advertências sobre a sua confiabilidade: ele estava pondo em questão os votos
enviados pelos correios, e desmoralizando o processo eleitoral. Mas foi pouco,
e foi tarde.
Como
deveriam ter agido?
Ninguém
sabe. Não há fórmula. Não há legislação. Onde fica a fronteira entre a
liberdade de expressão e a ameaça pública? Até que ponto podemos ser tolerantes
com a intolerância?
Uma
boa providência para começar seria proibir chefes de Estado de ter contas
individuais tout court. Quem assume um cargo desses representa um
país, e um país não pode correr o risco, interno ou externo, de ficar submisso
aos caprichos de um único tuiteiro maluco. Trump não é o Fulano Trump, é — até
o próximo dia 20, ou até ser impichado, o que vier antes — o representante
máximo dos Estados Unidos. Assim como Jair Bolsonaro não é (infelizmente)
apenas um bolsonaro qualquer.
As redes sociais concentram poder demais; o que era óbvio agora está escancarado, e a discussão sobre a sua regulamentação está na ordem do dia.
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