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O Globo
O
dia D da vacinação no Brasil, anunciado finalmente pelo governo, pode vir a ser
D + 1, ou D + 2, vai-se saber, por um problema de logística, que é exatamente a
especialidade que fez o General Eduardo Pazuello ser nomeado ministro da
Saúde depois que dois médicos foram sacrificados no altar do populismo
bolsonariano.
Os adeptos do presidente consideraram sua decisão uma grande sacada, porque,
diziam na época, o que era preciso era uma organização logística de apoio aos
governos estaduais no combate à COVID-19. Pois o avião da Azul que iria ontem
para a Índia para apanhar dois milhões de doses da vacina AstraZenica/ Oxford
atrasou um dia porque esqueceram literalmente de combinar, não com os russos,
mas com os indianos.
Eles estão começando por lá a vacinação nacional, e não têm tempo para atender
os compradores brasileiros. Além do mais, para quem quer começar a vacinação ao
mesmo tempo em todo o país, pelo menos sete estados não têm seringas nem
agulhas neste momento, o que indica que em uma semana dificilmente estarão
equipados.
Até o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski está
exigindo que cada estado oficialize o estoque de seringas e agulhas que tem,
pois no relatório do ministerio da Saúde, que era para garantir que está tudo
sob controle, descobriu essa informação crucial, que pode atrasar a vacinação
nacional. Por absoluta inépcia do governo federal, que não assumiu o papel de
coordenação que lhe cabia na distribuição dos insumos necessários à vacinação
em massa, e também, claro, de governadores que não atentaram para o fato de que
sem agulhas e seringas não poderiam vacinar, mesmo que recebessem as doses do
governo.
O governo só começou a pensar nesses detalhes logísticos da vacinação
recentemente, e ainda não conseguiu comprar agulhas e seringas suficientes.
Bolsonaro resolveu revogar a lei da oferta e da procura, e “denunciou” que o
preço dos insumos ficou muito caro no fracassado leilão promovido pelo
ministério da Saúde, e decidiu que só comprará quando a indústria se adaptar ao
seu orçamento. Esse encarecimento só aconteceu, o ministro da Economia Paulo
Guedes já deve ter explicado, porque o governo demorou a cuidar do assunto,
embora tenha sido alertado seis meses antes para a necessidade de fazer as
encomendas, pois a indústria tinha que se preparar para a demanda. Quando foi
às compras tardiamente, encontrou os preços mais altos.
De qualquer maneira, marcar a data para o início da vacinação nacional é uma
notícia boa, que poderia ter sido dada há muito tempo, não fossem os atrasos
por causa da inépcia do governo. O Brasil tem experiência grande em
distribuição de vacinas, mas como serão duas doses e alguns estados ainda não
estão devidamente equipados, o trabalho pode ficar mais difícil.
Esperamos também pela decisão da ANVISA, que deve anunciar no domingo a
liberação do uso emergencial das vacinas do Butantã e da Fiocruz. A ansiedade é
tão grande que a reunião dos técnicos da ANVISA será transmitida pelo
canal do órgão no Facebook. Provavelmente não será tão emocionante como uma
reunião televisionada do plenário do Supremo, mas como todos nós brasileiros,
que já somos técnicos de futebol e juristas, agora estamos fazendo uma
especialização em infectologia e nos tornando especialistas em vacinas - a
eficácia global da vacina A é maior que a da B, uma imuniza a tantos por cento,
outra vai além -, talvez o voto de cada conselheiro da ANVISA seja acompanhado
de uma torcida.
A do Butantã ficou no meio de uma grande polêmica sobre sua eficácia, e de uma
disputa política entre o presidente Bolsonaro e o governador de São Paulo João
Doria, o que fez com que decisões não muito técnicas tivessem sido tomadas,
como na suspensão das pesquisas devido a “efeito adverso” da Coronavac que nada
tinha a ver com a vacina em si, mas com o voluntário que, tragicamente, se
suicidara.
A irresponsabilidade foi tão grande que o próprio Bolsonaro sugeriu que o
suicídio poderia ter sido provocado por efeitos colaterais da vacina. A
tragédia que está acontecendo em Manaus é exemplar do descaso do governo, que
acredita que a melhor maneira de imunização contra a COVID-19 é todo mundo ser
infectado.
Nas redes sociais, bolsonaristas de todos os quilates, até os que têm mandato,
comemoraram quando a pressão dos comerciantes fez com que o governo do estado
levantasse as proibições. Tratado como “uma vitória do povo", o fim das
restrições levou ao caos atual.
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