Sobrevivente
das perseguições, Fiocruz pode dar a primeira foto da vacina a Bolsonaro
A Fiocruz foi
salva da sanha bolsonarista pelo gongo, ou melhor, pela pandemia,
e por essas ironias do destino passou a ser crucial para o presidente Jair
Bolsonaro e sua obsessão em começar a vacinação contra
a covid-19, mesmo que apenas simbolicamente, antes do governador de São
Paulo, João Doria. De perseguida, a Fiocruz passou a ser a salvação
da lavoura presidencial.
Useiro e vezeiro em perseguir instituições de excelência, em praticamente todas as áreas, Bolsonaro deu aval ao ataque do então ministro Osmar Terra à Fiocruz, logo no primeiro semestre do governo, em 2019. Médico e deputado federal em sexto mandato, Terra cismou com uma pesquisa da Fiocruz que custou R$ 7 milhões, envolveu três anos, 500 pesquisadores e 16 mil entrevistados e concluiu que não havia epidemia de drogas no Brasil.
“Não confio nessa pesquisa da Fiocruz”, disse ele sobre um dos orgulhos nacionais, reconhecido no mundo inteiro. Como não confirmava suas certezas pessoais, só podia ser coisa de esquerdistas. E, assim como crê em epidemias fantasiosas, ele nega a pandemia real – e faz a cabeça do presidente. O Ministério da Saúde alertava para 180 mil mortos em dezembro de 2020. Terra apostou em 4 mil e manteve o desdém mesmo depois de contaminado, com sete dias de UTI e 80% do pulmão comprometido.
A
Fiocruz, porém, foi só uma das perseguidas. O presidente é investigado pelo Supremo por interferência política na PF, demitiu o presidente do Inpe por desacreditar nos dados
de desmatamento, promoveu o desmanche de ICMBio e Ibama, pôs um simpatizante do
nazismo na Cultura e um negro racista na Fundação Palmares. Também mirou BNDES,
IBGE, Coaf, Receita, Ancine e o BB, cujo presidente está para cair quatro meses
após a posse. Sem falar na Saúde...
A
Fiocruz sobreviveu e sua presidente acaba de ser reconduzida até 2024, por
causa da pandemia. Nísia Trindade Lima é de áreas diametralmente opostas às que
interessam Bolsonaro: servidora da fundação desde 1987, é doutora em
Sociologia, mestre em Ciência Política, professora e pesquisadora. E tornou-se
fundamental na vacinação contra a covid-19 no Brasil.
A
Fiocruz é responsável pela produção da vacina Oxford/AstraZeneca, a
grande, ou única, aposta do governo federal que, desde o anúncio da vacinação
no dia 25 em São Paulo, passou a ter muita pressa. O primeiro lote, de dois
milhões de doses prontas, deve chegar da Índia neste fim de semana e a foto do
primeiro vacinado pode sair semana que vem. Depende da Anvisa.
A
esse esforço soma-se o do Instituto Butantã, que começou cedo a corrida pelas
vacinas e fez parceria com a Sinovac, da China, para produzir a Coronavac, que
chegou primeiro ao solo nacional, já tem perto de 11 milhões de doses prontas
para aplicação e é resultado do empenho do governo de São Paulo.
A
história da Fiocruz começa em 1900, no Rio, e a do Butantã, em 1901, em São
Paulo, ambas forjadas na guerra contra a peste bubônica que assolava o País.
Ambas merecem respeito, confiança, investimento, orgulho e gratidão de todos os
brasileiros e, se há uma guerra política insana entre Bolsonaro e Doria e o
general Eduardo Pazuello não fala coisa com coisa, é problema lá deles.
A pandemia salvou a Fiocruz de intervenção e a Fiocruz dá a Bolsonaro a chance da primeira foto da vacinação, mas a história vai registrar o que o ministro do STF Ricardo Lewandowski chamou de “incúria” do governo federal e “diligência” do governo de São Paulo. Para nós, cidadãos, que estamos vendo milhões de pessoas vacinadas mundo afora e os mortos chegando a 210 mil no nosso país – até por asfixia, como no Amazonas –, dane-se a guerra política. Viva o Butantã! Viva a Fiocruz! E que venham as vacinas!
Um comentário:
Exelente análise !!!
Parabéns!!!
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