É positivo o avanço dos mercados de créditos de carbono
O Globo
Enquanto COP29 cria diretrizes globais,
Senado voltou a adiar regras para negócios no Brasil
O Senado adiou ontem mais uma vez a votação do Projeto de Lei (PL) que regulamenta o mercado de créditos de carbono no Brasil, parado havia nove meses. Ele não é perfeito, mas sem dúvida é um avanço, por formalizar a negociação desses créditos no país. Precisa ser votado rapidamente, pois, devido a mudanças feitas no texto vindo da Câmara no início do ano, precisará ser apreciado pelos deputados novamente. Seria constrangedor para o Brasil, sede da 30ª Conferência do Clima da ONU (COP30) no ano que vem, ficar para trás em assunto tão premente por falta de agilidade do Congresso.
Na esfera internacional, o tema ganhou
impulso nesta semana. Na segunda-feira, representantes dos países reunidos na
COP29, no Azerbaijão, chegaram a um acordo histórico para viabilizar a criação
de um mercado de carbono global sob a supervisão da ONU. Um grupo de técnicos
da Convenção do Clima da ONU ficará responsável por elaborar e supervisionar os
mecanismos e regras criados para permitir negociações de créditos entre
entidades de diferentes países. “Será uma ferramenta para virar o jogo e
destinar recursos ao mundo em desenvolvimento”, disse o ministro do Meio Ambiente do
Azerbaijão e presidente da COP29, Mukhtar Babayev.
Ao estabelecer um preço para as emissões, o
mercado de carbono é a alternativa menos traumática para incentivar a transição
energética e desacelerar o aquecimento global. Empresas com contas gigantescas
de energia, companhias aéreas e indústria pesada dificilmente terão condições
de zerar suas emissões no curto ou no médio prazo. Para cumprir suas metas,
muitas já pagam por créditos de quem emite menos ou se dedica retirar da
atmosfera os gases do efeito estufa. Embora ainda longe da escala desejada, a tendência
é inequívoca. O Banco Mundial estima que 24% das emissões globais já estejam
precificadas. A popularização e o aumento das transações dependem de
transparência e regulação nos mercados domésticos e no internacional.
O Brasil terá muito a ganhar com um mercado
global de carbono. Poucos países têm condições similares para gerar negócios de
remoção de carbono da atmosfera por meio de plantio ou reflorestamento. Por
aqui, não faltam extensas áreas degradadas, clima favorável e empreendedores no
campo. Os mais otimistas argumentam que o país poderá ser uma potência da
economia verde comparável à Arábia Saudita no mundo do petróleo. Mesmo que a
legislação adequada ainda não esteja em vigor, as empresas já têm prosperado com
regeneração ambiental, vendendo créditos pela remoção do carbono a
multinacionais como Microsoft.
Com a chegada de Donald Trump à Casa Branca,
é provável que cresça a resistência dos Estados Unidos à descarbonização da
economia. Mas, ainda que as piores previsões se tornem realidade, a pressão de
consumidores americanos preocupados com o aquecimento global não deverá
diminuir. Independentemente das decisões de Trump a partir do ano que vem, o
Congresso brasileiro precisa aprovar logo a legislação para o mercado local
deslanchar. Noutra frente, o Itamaraty e o Ministério do Meio Ambiente precisam
estar preparados para o avanço da discussão sobre o mercado de carbono global
na COP30. O sucesso do encontro será medido por isso.
Prisão de PMs no Rio demonstra importância
das câmaras corporais
O Globo
Elas gravaram pedido de propina apesar de
policiais acusados de corrupção terem tentado sabotá-las
A Corregedoria da Polícia
Militar do Rio deflagrou na semana passada uma operação que
resultou na prisão de 22 PMs acusados de extorquir dinheiro de comerciantes da
Baixada Fluminense. Para esclarecer os crimes e obter as provas da corrupção,
as câmaras corporais usadas pelos policiais foram fundamentais. O episódio é
mais uma demonstração da relevância desses equipamentos, já adotados ou em fase
de implantação em dez estados. Explica também boa parte da resistência e dos
questionamentos das corporações policiais.
No episódio, apelidado “tour da propina”,
policiais do 20º Batalhão (Mesquita) e de outros quartéis deixavam de atender a
população para achacar comerciantes de Nova Iguaçu. Na ronda, exigiam não
apenas dinheiro, mas também mercadorias como cerveja ou frutas. A extorsão
ocorria às sextas-feiras em lojas de material de construção, depósitos de gás,
de bebidas ou ferros-velhos. A sirene das viaturas era acionada para avisar os
comerciantes. Os PMs acusados de corrupção disputavam os pontos de extorsão. Foram
alvos da operação quatro soldados, seis cabos, 11 sargentos e um subtenente.
Eles foram denunciados por corrupção passiva, negativa de obediência e
associação criminosa.
Os crimes começaram a ser investigados depois
de uma denúncia anônima para a Corregedoria. Parte dos acusados tentou
danificar as câmaras corporais para não produzir provas contra si mesmos. Não
deu certo. Alguns aparelhos deixaram de gravar imagens, mas continuaram a
registrar o áudio. Num trecho, um sargento diz com a maior desfaçatez: “Vou
usar câmera sempre que não estiver cometendo crime. Eles podem até parar de
ficar me olhando, que não adianta. Não vou cometer crime com eles me olhando”.
O grupo criminoso despertou suspeita também
pela tentativa de burlar as câmeras corporais, de uso obrigatório no estado do
Rio (deixar de usá-las pode resultar em punição ou até mesmo exclusão). De
acordo com as investigações, alguns policiais nem sequer pegavam as câmeras no
início do trabalho. Outros as escondiam ou destruíam as lentes.
Apesar da resistência de alguns, as câmeras
corporais têm sido cada vez mais usadas. Além do Rio, estão presentes em São
Paulo, Santa Catarina, Bahia, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio Grande do
Norte, Rondônia e Roraima. Na maior parte das ações, não há motivo razoável
para policiais se insurgirem contra o monitoramento. Ele é uma garantia para
eles e para o cidadão. Nas investigações, podem servir tanto para incriminar
quanto para absolver. Como mostra o lamentável episódio do Rio, só deve temê-la
quem não honra a farda que veste.
Governo precisa cortar gastos para conter
ciclo de alta de juro
Valor Econômico
Está assim nas mãos do Executivo conter as
despesas, ajudar o BC a frear a inflação e reduzir o exorbitante custo que já
paga para ampliar suas dívidas
A ata da reunião do Comitê de Política
Monetária, que decidiu por um ritmo maior de juros e elevou a Selic a 11,25%,
mostra uma clara piora do índice de inflação e das expectativas para o IPCA até
2026. Ela não sanciona, porém, projeções extravagantes de elevação dos juros,
que só seriam compatíveis com uma inflação em descontrole, o que não é o caso.
O Banco Central de novo aponta que sem harmonia entre políticas monetária e
fiscal, que hoje andam em direções opostas, não há como cumprir a meta de 3%, nem
como evitar que seu teto seja rompido, como foi em outubro - em 12 meses, o
IPCA atingiu 4,76%.
Há várias nuances na ata em relação ao
documento anterior, nem todas negativas. A atividade econômica e o mercado de
trabalho domésticos, por exemplo, que antes apresentavam “dinamismo maior que o
esperado”, agora apenas “seguem dinâmicos”. Essa constatação pode ou não
indicar tendência. “Alguns indicadores apresentaram sinais incipientes de
moderação, como indicadores de comércio e de rendimentos, sem que se possa
concluir tratar-se de uma inflexão no mercado de trabalho ou no ritmo de
crescimento”, registra a ata.
O período relevante para a política monetária
se deslocou do primeiro trimestre para o segundo de 2026, com uma inflação 0,1
ponto maior - de 3,5% para 3,6%. Esse avanço se deu apesar da projeção de juros
maiores (estimados pelo Focus) de 11,75% ao fim de 2024 e 11,5% em 2025. No
entanto, a projeção do BC seguiu uma taxa de câmbio maior, de R$ 5,60 antes
para R$ 5,75 agora. A maxidesvalorização do real, de 18% no ano até agora,
confirma um dos ingredientes negativos apontados no balanço de riscos, a saber,
o de “conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto
inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente
mais depreciada”.
No documento anterior, identificava-se a
volatilidade do câmbio como resultado das incertezas dos cenários doméstico e
internacional. Agora, são apontados a volatilidade dos preços dos ativos
domésticos e a elevação dos prêmios de risco. Os juros futuros subiram muito,
assim como o preço que o Tesouro tem que pagar por sua enorme dívida, ambos
muito sensíveis às expectativas negativas dos investidores domésticos. Já o
prêmio de risco, mensurado pelo credit default swap, que mede a possibilidade
de calote da dívida brasileira, subiu um pouco e está hoje em 153,47, um dos
menores em cinco anos. Fatores externos, como a eleição de Donald Trump nos
EUA, são relevantes para a alta do dólar, mas antes a moeda americana havia
disparado sem que o fluxo de ingresso de divisas, ainda positivo, respaldasse
mudança tão brusca nas cotações.
A favor de moderação e prudência na dose de
juros a ser aplicada contam também os itens que estão estimulando a inflação, e
os motivos para isso. Alimentos no domicílio e habitação foram determinantes
para o IPCA de outubro, de 0,56%, ao contribuir cada um com mais 0,23 ponto
percentual para o resultado, ou 0,46 ponto. O clima adverso atingiu em cheio a
oferta de alimentos e os preços saltaram 7,8% em 12 meses. Na habitação, um
preço administrado, o da energia, subiu 11%, pela mudança de bandeira para vermelha,
também motivada pela seca em várias bacias hidrográficas do país. Não há muito
que juros bem mais altos possam fazer em relação a choques de oferta.
Mas a inflação resiste a chegar à meta por
razões sólidas. Os gastos do governo impulsionam a demanda e a economia está
crescendo acima de seu potencial. A inflação de serviços, que reflete mais
diretamente esse dinamismo, voltou a registrar índice acima de 5%. “Tem-se
observado uma interrupção no processo desinflacionário, refletindo a redução de
força dos diversos fatores que vinham contribuindo para a desinflação”,
registra a ata. Os bens industriais deixaram de dar sua contribuição para o
IPCA, em decorrência da desvalorização cambial, que começou a ser repassada aos
preços.
O cenário externo não melhorou no intervalo
entre duas reuniões do Copom. De “mais benigno”, voltou a ser desafiador,
somando as incertezas sobre a política monetária do Fed com a mudança da
política econômica no país, com “possíveis estímulos fiscais, restrições na
oferta de trabalho e introdução de tarifas à importação”.
A política fiscal expansionista é um dos
principais atores da cena inflacionária. O BC conta com menor pressão dos
gastos públicos no futuro e com que mudança estrutural no orçamento “pode
inclusive ser indutor de crescimento econômico no médio prazo por meio de seu
impacto nas condições financeiras, no prêmio de risco e na melhor alocação de
recursos”.
Se nada mudar, o BC manterá uma política de
juros mais contracionista, como indicou na ata. Mais que isso, “uma
deterioração adicional das expectativas pode levar a um prolongamento do ciclo
de aperto de política monetária”. Está assim nas mãos do Executivo conter as
despesas, ajudar o BC a frear a inflação e reduzir o exorbitante custo que já
paga para ampliar suas dívidas.
Reformar Previdência militar é insuficiente,
mas crucial
Folha de S. Paulo
Gasto público com fardados inativos, de quase
R$ 50 bi em 2023, é exorbitante e socialmente iníquo; há muito onde cortar
O que não falta no Estado brasileiro são
órgãos, atividades e programas nos quais é possível e desejável cortar gastos
indevidos.
Temos o Poder Judiciário mais caro de que se
tem notícia no mundo; parlamentares dispõem de fatia exorbitante do Orçamento
para emendas de baixa qualidade; setores e corporações influentes recebem
benesses estatais que agravam a vergonhosa concentração da renda.
Nesses e em muitos outros casos, o difícil
não é identificar os excessos, mas reunir condições políticas para
enfrentá-los.
Noticia-se
agora que o governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT),
em meio a intermináveis debates internos sobre medidas para reduzir o
astronômico déficit do Tesouro Nacional, cogita
reformar o sistema previdenciário das Forças
Armadas. A empreitada é árdua, mas qualquer avanço nessa seara será
bem-vindo.
Dadas as peculiaridades da carreira, é comum
no mundo que militares disponham de regras especiais de aposentadoria.
Aqui, porém, os privilégios injustificáveis para um país pacífico chegam ao
ponto de prejudicar os investimentos em Defesa.
No ano passado, o contribuinte
brasileiro desembolsou R$ 49,7 bilhões com fardados reformados
ou colocados na reserva —as contribuições da própria corporação para tal
finalidade não passaram de R$ 8,9 bilhões.
Dito de outra maneira, cada militar inativo
recebeu do conjunto da sociedade, em média, R$ 158,8 mil. Trata-se do
equivalente a quase 17 vezes o gasto médio por aposentado do Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS),
que atende a ampla maioria dos trabalhadores do país.
Sob Jair
Bolsonaro (PL), capitão reformado do
Exército, as Forças passaram quase ilesas pela reforma da Previdência de 2019.
Alguns ajustes, como o aumento da alíquota de contribuição de 7,5% para 10,5%,
foram compensados por vantagens salariais que incluem até uma absurda paridade
entre ativos e inativos.
Há muito a alterar, pois, nesse regime de
pensões, não apenas por necessidade fiscal mas para tornar o gasto público mais
justo.
Dadas as tensões políticas e institucionais
em torno do tema, é improvável que o governo petista leve adiante uma proposta
muito ambiciosa. Em qualquer hipótese, medidas pontuais serão insuficientes
para tornar sustentável a trajetória das contas do Tesouro.
Continuará sendo necessário rever normas que
impõem o aumento contínuo de grandes despesas obrigatórias —em áreas sensíveis
como benefícios sociais, saúde e educação— em ritmo igual ou superior ao das
receitas.
Sem isso, não será matematicamente possível
reequilibrar o Orçamento de modo a conter a escalada da dívida pública.
Dada a resistência de Lula e auxiliares em
reconheceram tal fato, restam paliativos de eficácia duvidosa contra o risco de
crise econômica e financeira. A administração petista estará, quando muito,
comprando tempo.
Guerra da Ucrânia se aproxima de um momento
decisivo
Folha de S. Paulo
Putin consolida ganhos em meio à expectativa
dos movimentos de Trump; provável corte no apoio bilionário dos EUA será
determinante
Maior conflito bélico em solo europeu desde o
fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a invasão da Ucrânia pela Rússia do
autocrata Vladimir
Putin completará mil dias na próxima semana.
Se o desenho final do embate ainda está longe
de ser conhecido, é certo que a linha do tempo da carnificina se aproxima de um
de seus momentos decisivos. O presidente russo está na ofensiva.
No leste ucraniano, Putin se posiciona
para tentar
conquistar Donetsk, principal das quatro áreas que anexou
ilegalmente em 2022 —e aquela em que tem menos controle territorial. Ao sul, em
Zaporíjia, militares de Kiev apontam a concentração de forças para um ataque
secundário.
Enquanto isso, a fúria de bombardeios com drones tem degradado as já esgarçadas
defesas aéreas ucranianas, que esperam golpes mais duros com mísseis, sob o
risco de deixar o país no escuro no inverno que se aproxima.
A única cartada de Volodimir
Zelenski no ano, a ocupação de um pequeno pedaço da região
russa de Kursk por forças de elite de Kiev, parece fadada ao fracasso por não
ter drenado energia da frente russa na Ucrânia.
Agora, um contingente
de 50 mil soldados, talvez incorporando os primeiros norte-coreanos
a servir por tratado ao Kremlin, iniciou ofensiva para expulsar os invasores
remanescentes.
Como a Folha mostra nesta semana
na série
"Na Frente Russa", tudo isso ocorre enquanto Moscou consolida
seus ganhos. A reportagem do jornal viajou por 3 das 4 áreas anexadas e pela
Crimeia, absorvida em 2014 por Putin, num roteiro de ida e volta a Moscou de
3.500 km.
No caminho, viu a expansão da
presença russa, com obras de infraestrutura e a reconstrução de
ícones da barbárie da guerra, como o porto de Mariupol, cidade bombardeada por
meses. Se a resistência aos russos é maior quão mais a oeste se vai, no leste
amplamente russófono a anexação ganha ares de libertação.
Essas nuances costumam escapar à leitura
ocidental do conflito, mas a eleição de Donald Trump parece
que irá obrigar uma revisão forçada. O republicano já disse querer acabar com a
guerra imediatamente, uma quimera, e todos seus planos já vazados sugerem a
rendição de Kiev.
Talvez não seja tão óbvio, dado que Trump vê
a China,
maior aliada de Putin, como sua rival principal. Há então espaço para
surpresas, mas poucos esperam que o apoio militar bilionário dispensado por Joe
Biden à Ucrânia seguirá o mesmo —o que já é uma sentença de morte para a
abalada resistência de Kiev em si.
O puxão de orelha do Banco Central
O Estado de S. Paulo
Em ata do Copom, BC alerta que, se o governo
acenou com a perspectiva de um ajuste em suas contas, precisa fazê-lo de
maneira estrutural e não só para fechar a fatura de curto prazo
A ata da reunião do Comitê de Política
Monetária (Copom) do Banco Central (BC) que decidiu pela elevação de 0,5 ponto
porcentual na taxa de juros – levando a Selic a 11,25% ao ano – trouxe novas
advertências em relação à credibilidade da política fiscal do governo,
inclusive com referência indireta ao esperado pacote de corte de gastos. O
recado do colegiado foi muito claro sobre a possibilidade de prolongar o ciclo
de alta de juros se for confirmada “uma deterioração adicional” das
expectativas de inflação.
As mudanças no cenário externo, após a
eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, foram
destacadas, mas nada que mudasse o tom das atas anteriores que, como essa,
também falavam em “incertezas econômicas e geopolíticas relevantes”. A novidade
foi a referência explícita a medidas da plataforma de Trump, como estímulos
fiscais e introdução de tarifas de importação. Mas ficou evidente, no
documento, que a atenção da autoridade monetária está mais concentrada nas
questões domésticas.
O possível prolongamento do aperto monetário
foi o principal recado do BC que, embora mais uma vez tenha evitado indicar
seus próximos passos, reafirmou o compromisso de trazer a inflação para o
centro da meta, de 3% ao ano. A desancoragem das expectativas, frisou o BC, “é
um fator de desconforto comum a todos os membros do comitê”, outra mensagem
direta de que a mudança no comando do banco a partir de janeiro, quando a
presidência será ocupada por Gabriel Galípolo, indicado de Lula da Silva, não
significará uma alteração de rota.
Mais uma vez os membros do Copom frisaram que
o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal traz
impactos deletérios sobre “a potência da política monetária”. Mas agora, diante
das indefinições do governo sobre o pacote de cortes orçamentários para
garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal, os diretores do BC enfatizaram
que o mercado financeiro espera medidas que sejam capazes de estabilizar a
dívida. “Mencionou-se que a redução do crescimento dos gastos, principalmente de
forma mais estrutural, pode inclusive ser indutor de crescimento econômico no
médio prazo.”
O alvo dessa mensagem da ata aponta,
obviamente, para o fato de que, se o governo acenou com a perspectiva de um
ajuste em suas contas, que o faça de forma a alicerçar o equilíbrio para o
futuro, e não apenas para fechar a fatura de curto prazo. Uma frustração em
relação aos cortes e a reedição de bloqueios, contingenciamentos e meros
pentes-finos em benefícios assistenciais e sociais tende a piorar muito a
confiança dos investidores em um governo já desacreditado, haja vista o câmbio
e a curva de juros futuros. Ou, como diz a ata, “uma deterioração adicional das
expectativas pode levar a um prolongamento do ciclo de aperto da política
monetária”.
Em outras palavras, o Banco Central está
alertando o governo que o único instrumento de que dispõe para garantir a
manutenção do poder de compra da moeda é a taxa de juros. Se as políticas
econômica e fiscal não derem conta de frear a alta de preços que, como mostrou
a última divulgação do IPCA, já está disseminada, resta ao BC manter a Selic
elevada para segurar a economia e, eventualmente, acelerar o ritmo de alta.
Em outubro, a inflação acumulada em 12 meses
chegou a 4,76%, como mostrou o IBGE, estourando o teto da meta para 2024, de
4,5%. Os diretores do BC mencionaram na reunião que alguns indicadores, como
comércio e rendimentos, apresentam sinais de moderação, mas ainda muito
incipientes, o que não significa que a economia possa estar iniciando uma
inflexão.
Se por um lado o consumo está aquecido por
causa do mercado de trabalho vigoroso, do aumento real dos rendimentos e dos
programas de transferência de renda, por outro, a produtividade não cresce, o
que conduz inevitavelmente à inflação de demanda. A inflação de serviços está
acima do nível pretendido para o cumprimento da meta, e o BC destacou que
seguirá monitorando “o momento e a magnitude do canal de transmissão de
salários para preços”, a despeito do incômodo de Lula da Silva.
A Alemanha precisa se mover, rápido
O Estado de S. Paulo
Coalizão do governo ruiu num momento
temerário: a economia patina, as tarifas de Trump estão a caminho, as defesas
da Ucrânia estão cedendo. Adiantar as eleições é o melhor a fazer
“Quando o presidente dos EUA Donald Trump foi
eleito pela primeira vez em novembro de 2016, muitos países europeus se
juntaram ao redor da chanceler alemã Angela Merkel como a nova líder do mundo
livre”, lembrou a cientista política Liana Fix. “Dessa vez, vão precisar
procurar em outro lugar.” Depois de meses de paralisia externa e fricção
interna, a coalizão “semáforo” entre o Partido Social-Democrata (amarelos), os
Verdes e os Democratas Livres (vermelhos) colapsou.
Após as eleições de 2021, com a fadiga do
governo Merkel, da Democracia Cristã, há 16 anos no poder, os três partidos
declararam “um novo começo”. Um governo de três partidos já era incomum na
história alemã. A aliança entre esses três era improvável. Os liberais
pró-mercado do Democratas Livres (FDP) sempre foram um estranho no ninho
ideológico dos Social-Democratas e Verdes. Logo em 2022, a “geringonça” alemã
foi atingida pela invasão da Ucrânia pela Rússia.
O modelo de negócios alemão dependia do
combustível barato da Rússia, de investimentos e exportações para a China e da
proteção militar dos EUA. A maior economia da Europa se contraiu em 0,3% em
2023 e o FMI prevê crescimento zero em 2024. Enquanto isso, os gastos do
governo cresciam, e as divergências também. Para a ala esquerda, a solução era
aumentar as despesas, suspendendo o teto de gastos e aumentando uma carga
tributária que já está entre as maiores da Europa. O ministro das finanças do
FDP, o fiscalista Christian Lindner, queria exatamente o contrário. O divórcio
foi o mais acrimonioso possível. Antes que Lindner se demitisse, acusando o
plano do chanceler social-democrata Olaf Scholz de “anódino e sem ambição”,
Scholz o demitiu, recriminando seu “egoísmo incompreensível”.
O timing não poderia ser pior. O maior
empregador industrial alemão, a Volkswagen, ameaça cortar mais empregos e
fechar mais fábricas. A extrema esquerda e, sobretudo, a extrema direita
cresceram nas eleições regionais. O orçamento para 2025 ainda não foi aprovado.
As dificuldades orçamentárias do outro pilar da União Europeia, a França, estão
desgastando precocemente o governo recém-formado. As exportações da Europa
podem em breve ser impactadas pelas tarifas prometidas por Trump. As defesas da
Ucrânia estão ruindo, e o apoio vacilante de Washington pode obrigar Kiev a
negociar um acordo de paz desfavorável com a Rússia.
Scholz buscou adiar uma votação de confiança
para janeiro. Mas a Democracia Cristã, o principal partido de oposição e líder
nas intenções de voto, não quis entrar no jogo e exigiu eleições já. Com toda
razão. O momento é ruim, mas é o certo. Não faz sentido prolongar a agonia de
um governo disfuncional, impopular e agora minoritário, enquanto os riscos
externos só fazem acumular. “Não podemos bancar este governo instável por mais
nenhum dia”, disse o secretário da Democracia Cristã, Carsten Linnemann. Os partidos
concordaram em agendar a votação para 16 de dezembro, com eleições (que
deveriam acontecer só em setembro) já em fevereiro. Enquanto isso, o último ato
do governo será concertar o orçamento com a Democracia Cristã.
A estratégia da Europa e de seu país mais
rico e populoso durante as eleições americanas se resumiu a esperar pelo
melhor, em vez de se preparar para o pior. Agora, não têm tempo a perder. Na
Alemanha, um relaxamento fiscal para fortalecer sua defesa e armar a Ucrânia
para entrar em melhores condições numa eventual negociação pode até ser
necessário, mas deve vir com contrapartidas e um novo plano de crescimento que
o atual governo não tem condições de oferecer. A Europa não pode bancar um
vácuo de poder em Berlim.
Os alemães estão pouco habituados à
fragmentação partidária e à instabilidade política, o risco de um eleitorado
irritado correr para os braços dos extremistas é considerável e formar uma nova
coalizão não será fácil. Mas, quanto mais o tempo passar, mais os riscos vão
aumentar. É incerto se um novo governo oferecerá a renovação que os alemães
querem e a liderança de que a Europa precisa. Mas é certo que este governo não
pode oferecer nem uma coisa nem outra.
A favelização da Amazônia
O Estado de S. Paulo
Região Norte concentra favelas mais
populosas, situação que fragiliza seus habitantes e o meio ambiente
O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) acaba de divulgar um recorte do Censo 2022 sobre favelas. De
acordo com o IBGE, 16,4 milhões de brasileiros moravam em favelas dois anos
atrás, o equivalente a 8,1% da população.
Um “aperfeiçoamento” na operação do Censo
explica – em parte – o expressivo aumento do número de favelas no País. Além do
maior conhecimento territorial, nesta edição, o IBGE deixou de usar a
denominação “aglomerados subnormais” e retomou o termo original que os
brasileiros já conheciam há muito tempo.
Ressalva feita, os números são o que são: o
retrato de um Brasil sem plano de urbanização, sem coleta universal de água e
tratamento de esgoto e sem proteção de seus biomas. Na Região Amazônica, essa
realidade é perceptível com notável clareza.
Se o quadro é estarrecedor em praticamente
todas as regiões, a situação é ainda mais alarmante na Região Norte. Embora
seja a segunda região menos populosa do Brasil, é lá que estão 8 das 20 favelas
com mais habitantes do País – 7 delas apenas em Manaus.
Os dados são a mais recente evidência de que
urge um plano de desenvolvimento sustentável para o Norte do País, cuja
fragilidade expõe a população à criminalidade e o meio ambiente à degradação.
Proporcionalmente, os Estados com mais
moradores residindo em favelas são Amazonas (34,7%), Amapá (24,4%) e Pará
(18,8%). A capital deste último, Belém, será sede da 30.ª Conferência da ONU
sobre Mudanças Climáticas (COP-30), em 2025.
Como este jornal destacou há poucos dias, a
cidade não tem estrutura para receber um encontro dessa envergadura. Ademais, a
tentativa de buscar atender à demanda expressiva para um evento que muda de
anfitrião anualmente pode acabar legando à população elefantes brancos tais
quais os estádios da Copa de 2014, que hoje se encontram praticamente sem uso,
sem resolver problemas estruturais que afetam seu dia a dia.
Não se trata de querer esconder a realidade
do País, cada vez mais visível porque cada vez mais degradado, nem muito menos
de negar à Região Norte a oportunidade de realizar eventos importantes. Mas se
o Brasil quer mostrar ao mundo que é uma liderança ambiental, mais bem o faria
se antes garantisse à população amazônica condições dignas de viver, o que se
traduz em moradia de qualidade, água encanada e esgoto tratado, evitando a
poluição de seus rios e córregos. Não surpreendentemente, estão também na Região
Norte os piores indicadores de acesso a saneamento básico.
O recorte do Censo revela as escolhas que o
País deliberadamente deixou de fazer há décadas e que resultam em déficit
habitacional, desarranjo urbano e desumanização dos indivíduos. Nessa omissão,
diferentes governos de diferentes matizes políticos são sócios, uma vez que
todos, sem exceção, deixaram de priorizar o desenvolvimento sustentável.
Lula da Silva é apenas mais um a ignorar o
fato de que boa parte da população se amontoa em favelas. Mas, ao impor a
realização da COP-30 em Belém, seu governo perde a oportunidade de legar à
população local o desenvolvimento e a preservação que tal evento supostamente
representa.
G20: chance para o protagonismo
Correio Braziliense
Além de se fortalecer globalmente, o Brasil
pode sair do encontro da semana que vem como uma verdadeira liderança do Sul
Global
O Brasil sedia, na próxima semana, o encontro
anual do G20. Entre 18 e 19 de novembro, as 20 principais economias do mundo,
entre outras convidadas, vão discutir o futuro e o presente do planeta no Museu
de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro. Como atual líder do grupo, a partir
de uma presidência que alterna entre os membros todos os anos, o país conduzirá
uma agenda que é uma oportunidade de ouro para se posicionar como protagonista
entre as nações do chamado Sul Global.
A história do mundo como conhecemos é contada
a partir da ótica de quem domina os meios de produção e, por consequência, a
economia. Países colonizados, como o Brasil, dificilmente têm a oportunidade de
se sentar à mesa ao lado de líderes mundiais dos Estados Unidos, da França, do
Reino Unido, da Alemanha e do Canadá, para citar alguns exemplos. Portanto,
reuniões como a do G20 configuram uma chance para sustentar pontos de vista que
favoreçam o Sul Global.
Nesse sentido, o Brasil conta com trunfos que
vão além da momentânea presidência do G20. Historicamente, nosso país é visto a
partir de uma diplomacia pragmática e objetiva, que evita conflitos para ter
bom trânsito em todos os corredores. É a receita para poder se sentar à mesa
com quem quer que seja. A história mostra isso: o último conflito com
participação direta brasileira aconteceu há 150 anos, a Guerra do
Paraguai.
O momento geopolítico, no entanto, se mostra
desafiador até para quem opta pelo pragmatismo. As guerras em curso no
território ucraniano e no Oriente Médio evidenciam riscos diplomáticos para
todas as nações. Mas, onde há risco, há também a possibilidade de se mostrar
influente. No ano passado, a cúpula do G20 deixou a Índia, onde o encontro
ocorreu, com uma declaração final insossa, após muita discordância entre os
países-membros. As divergências pousaram principalmente sobre os tratamentos
antagônicos acerca dos dois conflitos citados.
Enquanto a parte mais rica do bloco — o
chamado G7 — defendia a condenação da Rússia no texto, algo que o Kremlin,
evidentemente, contestava, outra fatia cobrava o mesmo tratamento a Israel,
diante dos constantes ataques aos palestinos na Cisjordânia. Ofensivas essas
que, atualmente, se estenderam também ao Líbano e à Síria.
Neste ano, a partir do histórico heterogêneo
do Itamaraty, o Brasil tem a oportunidade de costurar uma declaração final do
G20 assertiva, que problematize os dois conflitos, mas também outros assuntos
de interesse da população mundial, como o desenvolvimento sustentável, o
combate à desigualdade social e a efetiva participação de todas as nações nos
avanços tecnológicos, a partir de uma maior inclusão digital no que tange à
inteligência artificial.
Além de se fortalecer globalmente, o Brasil
pode sair do encontro da semana que vem como uma verdadeira liderança do Sul
Global. Como destaca o professor Dawisson Belém Lopes, do Departamento de
Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), nosso
país é um dos quatro que figuram no top 10 mundial em tamanho territorial,
população e economia, ao lado dos Estados Unidos, da Índia e da China.
A missão está nas mãos da equipe coordenada
pelo embaixador Mauricio Lyrio, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros
do Ministério das Relações Exteriores (MRE), o sherpa — denominação importada
dos povos e guias que habitam o Himalaia e ajudam alpinistas a chegarem ao topo
do Everest — escolhido pelo presidente Lula para representar o Brasil na
ocasião.
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