Valor Econômico
Depois de 17 anos suspensa, proposta recebeu sinal verde do STF
O diagnóstico é de 29 anos atrás, mas
permanece atual: a crise do Estado está na raiz das dificuldades econômicas
enfrentadas pelo Brasil durante longos anos, e ela se manifesta como crise
fiscal, com o colapso no modo pelo qual o Estado atua na economia e,
consequentemente, nas deficiências do próprio aparelho estatal.
Ele consta da exposição de motivos da
proposta de reforma administrativa que, depois de suspensa por 17 anos pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), recebeu sinal verde da Corte na quarta-feira
(6).
O equacionamento dessa crise, anotaram os ministros que assinaram o documento enviado à Presidência da República e depois ao Congresso Nacional, será determinante para a retomada do desenvolvimento econômico e o atendimento da população por um serviço público de qualidade. E para isso, portanto, é preciso que se implemente novos formatos organizacionais e institucionais, uma revisão de rotinas e procedimentos no serviço público, além da substituição dos controles formais pela avaliação permanente de resultados. Em outras palavras, o fim do regime único de contratação de servidores públicos.
Dessa forma, as várias esferas de governo
também teriam maior liberdade para a adoção de medidas de redução de seus
quadros de pessoal, desde, claro, que obedecidos critérios que evitem a
utilização abusiva desses instrumentos e perseguições políticas. Além de uma
nova postura profissional por parte do funcionalismo, tais mudanças na
Constituição deveriam assegurar a aplicação do teto de remuneração dos
servidores públicos. A adoção do regime celetista ficaria a critério de cada
esfera de governo.
Já naquela época, outra modificação sugerida
ao texto constitucional tratava da flexibilização da estabilidade do servidor
público. Do ponto de vista histórico, esse instituto foi adotado para combater
o patrimonialismo e o uso da demissão como instrumento político. Mas há como
atualizá-lo, mantendo uma forma rígida de estabilidade apenas para categorias
que desenvolvam funções exclusivas de Estado e prevendo uma forma flexível para
outras carreiras.
No primeiro caso, a dispensa do servidor só
ocorre por falta grave ou por insuficiência de desempenho, mediante processo
administrativo ou judicial. Já a estabilidade flexível comporta, além das
hipóteses anteriores, a possibilidade de desligamento do servidor por
necessidade da administração em razão de excesso de quadros ou devido à
necessidade de restruturação organizacional. Não é exagero dizer que muitos
Estados e municípios enfrentam dificuldades para implementar programas de
governo por causa de excessivos gastos com pessoal.
Enviada ao Congresso em 1995 pelo então
presidente Fernando Henrique Cardoso, a Emenda Constitucional 19 foi aprovada e
promulgada três anos depois. Seus dispositivos valeram até 2007, quando o
Supremo, pressionado por um novo governo e pelo funcionalismo, suspendeu as
suas regras por meio de uma liminar.
A decisão decorreu de uma ação protocolada em
2000 por PT, PDT, PCdoB e PSB, segundo a qual a promulgação havia se dado sem a
aprovação das duas Casas do Legislativo. Na semana passada, contudo, acabou
prevalecendo o entendimento do ministro Gilmar Mendes e a decisão liminar foi
revertida.
Ex-subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa
Civil e ex-advogado-geral da União, Gilmar Mendes acompanhou o caso desde sua
gestação. E já havia votado em 2021, antes de o ministro Nunes Marques pedir
vista. À época, argumentou que teria ocorrido apenas um ajuste redacional em um
texto já aprovado pela Câmara. Portanto, o rito teria seguido todos os
trâmites.
A recente decisão não muda a situação dos
servidores atuais estatutários, pois seus efeitos serão apenas para as
contratações futuras. No Judiciário, por exemplo, acredita-se que não haverá
mais motivos para analistas serem contratados pelo regime único. Nos
municípios, acrescenta-se, é razoável que o cargo de auditor fiscal tenha total
estabilidade - o mesmo não precisaria ocorrer em outros casos. Só isso já seria
capaz de reduzir substancialmente a pressão sobre a Previdência e dar mais
eficiência ao Estado no longo prazo, argumentam.
É possível dizer que, na prática, enfim foi
feita uma reforma administrativa. Porém, há ainda próximos passos a serem
dados: no julgamento, os ministros do Supremo também determinaram que os
Legislativos federal, estaduais e municipais façam leis para criar os cargos e
os respectivos regimes de contratação.
Interessa aos prefeitos recém-eleitos
aderirem a esse esforço. Afinal, medidas de ajuste sempre são bem-vindas em
início de mandato, longe de pressões eleitorais. Também é um bom momento para
que os governos federal e estaduais aproveitem a oportunidade de modernizar a
máquina pública, ainda que sejam conhecidas as resistências de alas do
Executivo em relação à reforma administrativa.
A equipe econômica estava ciente da
movimentação do Supremo, assim como a área jurídica do governo Lula. Inclusive,
a conclusão do julgamento ocorreu após o pedido para que os demais Poderes
firmassem um pacto em busca da recuperação do grau de investimento e em meio às
definições do pacote que visa a sustentabilidade do arcabouço fiscal. O
Congresso, que vinha cobrando do Planalto uma reforma administrativa, deveria
aproveitar a renovação das mesas diretoras para dar impulso às regras que
complementam a iniciativa do Judiciário. Como era de se esperar, a reação do
funcionalismo já começou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário