O Globo
Enquanto o mercado procura âncoras, ou sinais
de que o governo teme a aceleração da inflação, em um mar revolto, Lula queima
ancoradouros
Chega a ser frustrante voltar ao tema da
macroeconomia de curto prazo. Mas há novos elementos que demandam atenção: a
inflação ganha rigidez e a Fazenda prepara uma reação, no caso, medidas para a
contenção de gastos. O reconhecimento do problema tem muito valor, mas a
resposta poderá ser tímida à luz da grande deterioração da credibilidade do
governo.
A primeira barreira é enfrentar o fogo amigo, em um contexto de conflito interno no partido e com a tensão pré-eleitoral já dando as caras. A divergência não se resume à ideologia quanto ao papel do Estado na economia e à disciplina fiscal. Trata-se também de disputa política.
Além disso, para alguns ministros faz mais
sentido lutar por suas pastas, para se preservarem politicamente, do que
aceitar os cortes que visam conter a inflação.
Em um cenário eleitoral muito incerto para
2026 — o que foi acentuado pelo resultado das eleições municipais —, cada um
busca defender sua viabilidade política individualmente. Já a inflação alta é
problema que cai em outro colo, no caso, do ministro Haddad e do presidente.
Lula, por sua vez, não terá como colocar a
culpa da inflação no Banco Central, mesmo este sendo independente. Esse é um
tema pouco acessível ao eleitor mediano. De quebra, ao criticar a atual gestão,
o presidente passa a imagem de que o próximo BC será seu parceiro na gestão da
economia.
O presidente precisará arbitrar o conflito.
Não se trata de apoiar um ou outro lado do partido, mas de fazer seu cálculo
político para chegar em 2026 com elevada aprovação. Isso independentemente de
ser ou não candidato à reeleição. Afinal, provavelmente ele valoriza o objetivo
de resgatar sua biografia.
Já discuti neste espaço que a estratégia de
expansionismo fiscal do governo — gasta-se mais agora, colhe-se os frutos
eleitorais e, depois da eleição, lida-se com as consequências dos excessos
cometidos — envolve muitos riscos. Ainda que, por vezes, as consequências do
desequilíbrio fiscal tardem a se manifestar, há ingredientes a antecipar a
fatura, complicando a vida do presidente em 2026.
Primeiro, como já amplamente apontado, Lula
inverteu a lógica usual de iniciar mandato de forma conservadora e gastar
munição ao final, visando à competitividade eleitoral. Ele começou seu governo
inflando gastos. O taxímetro da inflação já está rodando.
Segundo, as muitas falas ruidosas do
presidente não cessam. Atacar o “mercado” provavelmente não traz ganhos
políticos que compensem as consequências sobre os preços de ativos,
especialmente depois do desastre econômico no governo Dilma. Vale o ditado “gato
escaldado tem medo de água fria”.
Um exemplo foi ameaçar mudar a meta de
inflação, o que não ocorreu, mas alimentou a crença de que o próximo presidente
do BC, Gabriel Galípolo, não perseguirá a meta de 3%.
Enquanto o mercado procura âncoras — ou
sinais de que o governo teme a aceleração da inflação — em um mar revolto, Lula
queima ancoradouros. Como apontou Marcos Lisboa, aqueles que acreditaram na
responsabilidade fiscal do governo e apostaram na inflação na meta e na queda
dos juros ficaram na mão, sofrendo perdas em seus investimentos. Recuperar a
confiança dos players machucados vai custar mais.
Terceiro, as leituras de inflação recente
acenderam luzes vermelhas. Não é apenas por estar acima da meta (inclusive do
intervalo superior de 4,5%), mas por ter se espalhado na cesta de consumo e por
apresentar maior rigidez.
Pior, há ainda combustível para queimar, a
julgar pelo ritmo de aumento dos salários e pelo comportamento da inflação de
bens finais no atacado, que costuma ser repassada ao varejo.
A inflação no atacado, que já foi aliada,
está escorregando para cima. Com pressão de custos, ainda que modesta em
comparação a momentos passados, a inflação ao consumidor — inclusive de
serviços — ganha força.
A inflação teimosa também se torna mais
sensível a choques, não aceita desaforo.
O risco inflacionário virou certeza
inflacionária, ainda que não caiba falar em descontrole.
O reconhecimento tardio da necessidade de
conter gastos, a demora na sua evolução, os muitos ruídos e o desafio político
poderão resultar em um esforço longe do necessário para aliviar o trabalho do
BC no controle da inflação.
A inflação alta precisa entrar para valer,
com o devido peso, no cálculo político de Lula.
Um comentário:
Valeu!
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