quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Fundo trilionário para sacralizar a mudança climática - Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*

A busca angustiosa de  soluções   para mitigar o impacto do aquecimento global , que já passou pela ciência, pela economia, por ações pontuais de governos, está sendo introduzida agora  também no espaço da religiosidade.  No Japão,  uma freira católica, Agnes Katsuko Sasagawa, que, nos anos de 1970, na cidade de Akita,   fazia previsões   catastróficas de eventos que vieram a acontecer , está ganhando milhares de seguidores, ao condenar a violência,  a injustiça social e as guerras insensatas. Agora começou a advertir   sobre as questões climáticas e o papel da Amazônia para atenuar o problema.

É intrigante: a gente não sabe se chora ou se acha graça. Recebe ela,  segundo a própria, orientações espirituais   de uma  pequena estátua (de madeira) de Maria, mãe de Jesus, existente na igreja local,  da qual verte ou  vertia sangue e lágrimas.  Nas suas advertências, Sasagawa relata genericamente, como no Apocalipse e até em Nostradamus, as possibilidades  dos desastres naturais, das crises sociais , e  dos  conflitos inesperados entre países  tornarem-se ainda mais frequentes com   o colapso espiritual da humanidade. 

Esse distanciamento do sagrado que, para a religiosa, estaria  associado a vida no universo,    enfraquece  os laços entre  humanos,  interrompendo  esforços pela convivência saudável e  pacífica. Os  efeitos desastrosos são logo sentidos no mundo  natural , com   à destruição  ambiental. Cita especificamente o Brasil . Considera a Amazônia um privilégio  atribuído aos brasileiros pelas deidades universais . 

Reconhece Sasakawa  que os humanos estão "correndo atrás", mas, ambiguamente: enquanto alguns se esforçam solidariamente  para  conservar e proteger os recursos da natureza, outros   destroem levianamente  as pequenas oportunidades de amenizar os  desafios e  ameaças  das mudanças climáticas à  sobrevivência da humanidade , adotando   modelos,   iniciativas  predatórias dos recursos e  comportamentos erráticos. Para os oportunistas, nas reuniões preparatórias da COP-30, que acontecerá em 2025, em Belém,  o tema de destaque não será a emissão de gases-estufa , mas o tal fundo  do clima que, pretende-se ,  seja iniciado com  doações internacionais  da ordem de US$ 20 trilhões,  e chegue a R$ 60 trilhões. 

E, assim, com a atenção concentrada  no fundo trilionário, como uma panaceia, os governos e a sociedade vão  perdendo o contato com o sagrado, e naturalizando  episódios desastrosos para a vida no planeta como as inundações  no Rio Grande do Sul e na Espanha, a seca no rio Amazonas ,  os vulcões e maremotos, a insana invasão da Ucrânia, em que já  morreram mais de 50 mil civis e foram destruídos  milhares de hectares de  terras  produtoras de alimentos. Ninguém consegue também apaziguar as desavenças entre populações irmãs no Sudão, cujo conflito tem gerado  milhares de desabrigados, mortos , crianças famintas  como resultado da destruição de  áreas agrícolas  produtivas.

As gestões laicas,  instáveis e inconsequente  no uso dos recursos naturais pela sociedade , conforme a freira Sasakawa,  acarreta prejuízos humanos e planetários .  O IBGE detectou  120 favelas em cidades brasileiras  abrigando juntas 16, 3 milhões de pessoas . Nos centros de   São Paulo ,  do Rio de Janeiro  existem   150 mil pessoas vivendo em favelas e nas ruas.  Uma única favela em Brasília ( Sol Nascente), a  20 km da praça dos Três Poderes,  reúne 70 mil pessoas. São  16 milhões de  invisíveis, que, sem um solo para se instalar, destroem  e  ocupam biomas do cerrado, matas nativas , terras produtivas.  Vivem  em estado de  pobreza quase  absoluta. Total abandono .   Manaus e Belém (cerca de 200 mil favelados), justamente as que mais devem atrair participantes para a COP-30 , e o Amapá, , são lembradas  como   capturadas não apenas pela penúria, mas ainda   pela transgressão . 

Essas populações abandonadas pelas políticas públicas e que se alimentam uma vez por dia convivem no cotidiano com  grupos criminosos,  traficantes de drogas e  milícias profissionais à serviço a indivíduos  explicitamente predadores dos recursos florestais e minerais descompromissados com a sau proteção . Esse estado de coisas ,  acompanhado de uma violência aberta, banalizou-se    na vida cotidiana dessas comunidades, gerando a indiferença pública e privada.

Nos centros urbanos, que congregam mais de 60 por cento da população do mundo, o modelo industrial vulgarizou  a emissão de gases poluentes destruidores da camada de ozônio que envolve a terra , e a classe média tornou o desperdício de recursos um fato corriqueiro. Isso tudo leva a destruição de áreas naturais e agricultáveis sinalizando para fomes futuras . Efeitos desestabilizadores das condições climáticas no planeta não se inibem diante de tratados e acordos,  seja nos  Estados Unidos, China , Brasil, Rússia, Alemanha, Gran Bretanha. O modelo predatório de que fala a freira Sasagawa tem muitas faces.

À espera da COP-30, são realizados encontros e feitas discussões prévias sobre a transição energética - dos combustíveis fósseis aos bio combustíveis -  caminhando-se  desafiadoramente na contramão dos usos, costumes e produtos da sociedade atual, e dos interesses petrolíferos no mundo (um Oriente Médio inteiro, Rússia e outros). Até parece que esses encontros do clima não estão sendo conduzidos  por quem entende do assunto. A discussão ambiental é residual ou usada para se sonhar com  dezenas de fundos ambientais, que   geram muitos empregos e poucos resultados claros. 

Daqui até novembro do próximo ano o tema COP-30 será a panaceia para a ingovernabilidade e  a justificativa para omissões   ambientais e sociais. Para os não religiosos e oportunistas, sagrado mesmo  é o sonhado fundo trilionário do clima.  Pesquisa do Datafolha revelou  que 46 por cento dos municípios brasileiros ignoram a crise climática, não sabem sequer do que se trata. Segundo Max Weber, para os protestantes, "Time is money". Como o  Brasil é um país católico, vamos seguir a freira Sasakawa, mas ouvir o Papa Francisco, que é adepto de Santo Agostinho, um religioso  ambientalista.

* Jornalista e professor

 

Nenhum comentário: