domingo, 13 de junho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões /Editoriais

EDITORIAIS

Má companhia

O Estado de S. Paulo

Duas pesquisas recentes mostram que a impopularidade do presidente Jair Bolsonaro se consolidou. Levantamento Exame/Ideia indica que 49% dos entrevistados desaprovam o governo de Bolsonaro. Índice semelhante (50%) foi apurado na última pesquisa XP/Ipespe – essa sondagem mostra que a desaprovação do governo vem crescendo de forma consistente e ininterrupta desde outubro do ano passado, quando estava em 31%.

Quando convidados a avaliar o trabalho de Bolsonaro em si mesmo, os entrevistados se mostram ainda mais críticos. Na pesquisa XP/Ipespe, 60% disseram desaprovar o modo como Bolsonaro administra o País, índice que vem subindo desde dezembro do ano passado, quando esteve em 45%. Já na pesquisa Exame/Ideia, a desaprovação do trabalho do presidente é de 50%, também em alta consistente há meses.

É óbvio que essa impopularidade pode diminuir com o efeito de medidas demagógicas e com uma eventual recuperação da economia nos próximos meses, mas está claro que uma parte significativa da população está profundamente insatisfeita com o presidente.

As razões são óbvias. Além do quase meio milhão de mortos em razão da pandemia, o que por si só deveria bastar para arruinar a imagem de qualquer presidente, há uma aflitiva lentidão na vacinação, fruto da incompetência criminosa do governo, como vem mostrando com clareza a CPI da Pandemia. Apenas 11% dos brasileiros receberam as duas doses de vacina, enquanto nos EUA esse índice é de 42% e no Chile, de 45%. 

As imagens de vários países do mundo em que a população começa a experimentar algo próximo da normalidade ampliam a sensação de desalento no Brasil, onde se registram mais de 1,5 mil mortos por dia, a ocupação hospitalar não é inferior a 80% e as impopulares restrições continuam em vigor para evitar novo colapso do sistema de saúde.

Nesse contexto, a vacina, desprezada explicitamente por Bolsonaro, é uma demanda da maioria absoluta dos brasileiros. A pesquisa XP/Ipespe apurou que apenas 5% dos entrevistados dizem que “com certeza” não vão se vacinar, enquanto 88% disseram que ou já se vacinaram ou pretendem se vacinar.

Esse é seguramente um dos aspectos que minam a popularidade de Bolsonaro, mas decerto não é o único. Outro tema sensível abordado na pesquisa XP/Ipespe foi a corrupção, que Bolsonaro se jacta de ter liquidado em seu governo. O levantamento mostra que, em novembro de 2018, após a vitória eleitoral de Bolsonaro, 56% dos entrevistados, confiando nas ruidosas promessas do presidente eleito, esperavam que a corrupção fosse diminuir nos seis meses seguintes, enquanto apenas 17% imaginavam que a corrupção fosse aumentar. Já na mais recente pesquisa, 46% disseram crer que a corrupção vai aumentar, enquanto apenas 16% entendem que vai diminuir.

Isso significa que a percepção de corrupção no País cresceu junto com a impopularidade do presidente, e não parece ser mera coincidência. As inúmeras suspeitas envolvendo a família do presidente, de rachadinhas ao uso da máquina pública para fins privados, contradizem frontalmente o discurso saneador de Bolsonaro. Hoje, quem está com Bolsonaro corre o risco de ser visto como corrupto.

Tal percepção é implacável, mesmo para os que têm boa imagem nacional. A pesquisa XP/Ipespe mostra que as Forças Armadas – de longe a instituição que inspira maior respeito entre os brasileiros – vêm perdendo a confiança dos cidadãos desde que se permitiram envolver com um governo tão nocivo para o País. O levantamento mostra que, em dezembro de 2018, pouco antes da posse de Bolsonaro, 70% dos brasileiros diziam confiar nas Forças Armadas; hoje, essa confiança caiu para 58%.

Se a má companhia bolsonarista prejudica uma instituição tão respeitada como as Forças Armadas, o estrago para os já desmoralizados partidos e políticos que dão sustentação ao pior governo da história é muito maior. E o preço desse apoio será cada vez mais salgado: a pesquisa Exame/Ideia mostra que 52% dos entrevistados concordam com a realização de manifestações contra o governo. O mau humor com Bolsonaro veio para ficar.

Defesa da imprensa e da liberdade

O Estado de S. Paulo

Por 10 votos a 1, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o poder público tem o dever de indenizar profissionais de imprensa que sejam feridos por agentes policiais durante a cobertura jornalística de manifestações nas quais haja tumulto ou conflito entre polícia e manifestantes. Além de ser uma questão de estrita justiça individual – o direito de receber indenização pelos danos sofridos –, a decisão do Supremo é importante defesa da liberdade de imprensa.

O recurso referia-se ao caso do repórter fotográfico Alexandro Wagner Oliveira da Silveira, que perdeu 90% da visão do olho esquerdo após ter sido atingido por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar de São Paulo, durante a cobertura de um protesto de professores em maio de 2000. Com repercussão geral reconhecida, o julgamento do STF servirá de parâmetro para casos similares.

O Supremo modificou a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). Segundo o acórdão de segunda instância, o repórter fotográfico não tinha direito à indenização já que, ao cobrir o confronto entre policiais e professores, ele mesmo teria se colocado em perigo.

Num Estado Democrático de Direito, jornalistas devem necessariamente ter o direito de realizar o seu trabalho com segurança. O Estado não pode criar obstáculos à atividade jornalística, muito especialmente quando se trata de informar sobre a atuação do poder público. A sociedade tem o direito de ser informada sobre o que ocorre numa manifestação em que há conflito entre policiais e manifestantes.

O ministro Kassio Nunes foi o único que se opôs à indenização do profissional de imprensa. Segundo o mais recente integrante da Corte, o reconhecimento desse direito significaria atribuir a uma categoria de trabalhadores uma proteção especial, não prevista em lei.

Além disso, para o ministro indicado por Jair Bolsonaro, a agressão de policiais a jornalistas não viola o direito ao exercício profissional tampouco o direito-dever de informação. Eventual dano a um profissional de imprensa seria decorrência de exposição voluntária ao perigo, o que excluiria a obrigação de indenizar.

Felizmente, a maioria do STF tem outro entendimento sobre as garantias constitucionais e os princípios que regem a atuação do Estado. No julgamento, fixou-se a tese de que “é objetiva a responsabilidade civil do Estado em relação ao profissional de imprensa ferido por agentes policiais durante a cobertura jornalística em manifestações em que haja tumulto ou conflito entre policiais e manifestantes”.

Segundo a maioria do plenário, o Estado só não será responsabilizado “nas hipóteses em que o profissional de imprensa descumprir ostensiva e clara advertência sobre acesso a áreas delimitadas em que haja grave risco a sua integridade física”.

Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes lembrou que, nos autos do processo, nada indica a existência de suposta culpa exclusiva da vítima. Ao contrário, os autos revelam que, ao ser atingido por bala de borracha da polícia, o repórter Alexandro Wagner estava no legítimo exercício de sua profissão e em local permitido pela PM.

Na cobertura de manifestações com tumulto ou conflito, é natural que haja risco para os profissionais de imprensa. No entanto, a existência desse risco não pode servir de desculpa para eximir o Estado de indenizar os danos causados por seus agentes de segurança. É inteiramente descabida a atuação estatal que fere jornalistas, merecendo, portanto, rigorosa responsabilização.

A prevalecer o entendimento do TJSP e do ministro Nunes Marques, em caso de conflito entre a polícia e manifestantes, os profissionais de imprensa teriam de abandonar o local. Não é difícil de perceber que essa tese limita o direito à informação, dificulta a transparência e favorece o abuso policial.

Com a decisão, o STF reconheceu uma realidade fundamental. Não há liberdade de imprensa se os jornalistas podem ser agredidos impunemente pela polícia.

Retrato da juventude brasileira

O Estado de S. Paulo

A juventude brasileira se encontra num ponto de inflexão. A população jovem nunca foi e nunca será tão grande quanto hoje. São 50 milhões na faixa entre 15 e 29 anos (26% da população), mas nas próximas décadas a tendência, como no resto do mundo, é de redução. No caso do Brasil, há um complicador: a satisfação dos jovens, que já vinha piorando desde a recessão, se agravou com a pandemia. É o que constata o levantamento da FGV Social Jovens: Projeções Populacionais, Percepções e Políticas Públicas.

“Não há melhor preditor do futuro do País que o universo dos jovens de hoje”, lembram os pesquisadores. A ser assim, as perspectivas são nebulosas. Em 2013-14, a autoavaliação dos jovens sobre a satisfação com a vida presente era de 7,2 numa escala de 1 a 10. Esse índice caiu para 6,7 em 2017-19 e na pandemia atingiu 6,4.

Se em 2011-14, 16,8% dos jovens declararam que nos 12 meses anteriores faltou dinheiro para comprar comida, em 2015-18 esse índice subiu para 25,6% e em 2020 chegou a 28%. A satisfação com o sistema educacional, que aumentara de 47% em 2013-14 para 56% em 2017-19, sofreu uma queda espetacular na pandemia, chegando a 41%.

Os brasileiros não estão sozinhos. De acordo com o Relatório Mundial da Felicidade, da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, na pandemia os idosos ficaram um pouco mais felizes e os jovens menos. Mas no Brasil a angústia juvenil foi desproporcional. A queda de 0,8 ponto no índice de satisfação entre 2013 e 2020 foi a 3.ª mais alta em 132 países. Em 2015-18, os jovens brasileiros preocupados chegaram a 44%, ante 35,5% no mundo. Mesmo antes da pandemia, o índice subiu para 50% e em 2020 atingiu o recorde de 59%.

O levantamento mostra que o jovem brasileiro confia menos nas instituições do que a média mundial. A diferença é mais marcante na questão ambiental. Globalmente, a satisfação dos jovens com os esforços ambientais de seus países tornou-se majoritária (56%) em 2015-18. No mesmo período, a dos jovens brasileiros foi de 33%. Em 2019, caiu para 27% e em 2020, para 19%.

Concomitantemente à deterioração das percepções em relação ao presente, há o declínio objetivo da força jovem. Até o fim deste ano a população jovem deverá ficar abaixo dos 50 milhões pela primeira vez desde 2002. A partir da próxima década, o contingente deve cair mais rapidamente, e até o fim do século deve ser reduzido à metade.

O fenômeno é global. Até 2060, o porcentual de jovens deve diminuir 95% no mundo. Isso significa menos força de trabalho e mais gastos com saúde e previdência. O Brasil precisa pensar agora em políticas para lidar com essa transição. Os gastos com educação devem diminuir, mas o sistema previdenciário precisará de reformas periódicas.

Um setor que exige especial atenção são as políticas de imigração legal. Pelas projeções da ONU, a população brasileira, após atingir 229 milhões em meados do século, deve encolher para 181 milhões no final. Já a dos EUA, hoje de 328 milhões, deve aumentar para 434 milhões. Os índices de natalidade são similares. A diferença está na imigração. Apesar das mazelas relativas à discriminação racial no Brasil, o País é uma democracia multiétnica singular. São Paulo, o Estado mais rico e populoso do País, é uma prova viva da vocação nacional para receber imigrantes.

No momento, os 50 milhões de jovens brasileiros fazem com que o País ainda seja relativamente jovem, com média de 33 anos. “O Brasil precisa aproveitar ao máximo esta onda jovem para impulsionar suas transformações sociais e econômicas”, apontam os pesquisadores da FGV.

Nesse sentido, o País ainda tem um recurso singular: o otimismo. Os indicadores mostram que, apesar das agruras do presente, os brasileiros, em especial os jovens, têm expectativas elevadas em relação à sua satisfação daqui a cinco anos. Se isso aumenta o risco de frustração, é também uma fonte de energia para a transformação. Alavancá-la dependerá de uma mobilização nacional pela melhoria da educação e da atração dos jovens para a vida pública.

Impasses latinos

Folha de S. Paulo

Ascensão de Castillo no Peru é mais um desafio para a democracia na região

A aparente vitória do esquerdista Pedro Castillo para presidente do Peru seleciona uma das duas vertentes do autoritarismo e do obscurantismo que se apresentaram ao eleitorado no segundo turno.

A candidata menos votada, a direitista Keiko Fujimori, representava a corrente fundada pelo pai, Alberto, golpista e ditador nos anos 1990. A filha, às voltas com investigações que podem levá-la de volta à cadeia, questiona os resultados do apertadíssimo escrutínio.

Castillo não se sai melhor no campeonato de credenciais democráticas mínimas. Promete dissolver a corte homóloga ao Supremo Tribunal Federal e instalar um regime centralizador e intervencionista por meio de uma nova Carta.

Nos costumes, o professor de 51 anos vestiria sem necessidade de ajustes o traje bolsonarista: fervorosamente religioso, é contra a legalização do aborto, do casamento homossexual e da eutanásia.

A julgar pela debilidade do poder presidencial no Peru —no último ciclo de cinco anos quatro políticos diferentes ocuparam o posto—, Pedro Castillo, sem maioria no Congresso, terá mais dificuldades para manter-se no cargo do que para subverter as regras do jogo.

Ainda assim, o prenúncio de impasses envolvendo uma figura com claro pendor autocrata requer atenção para uma possível eclosão de violência política no Peru.

A doença global do populismo iliberal incide com particular preocupação nas Américas. A fortaleza democrática dos Estados Unidos pôde resistir com danos mínimos à aventura de Donald Trump.

O Brasil também atravessa a tempestade da aparição de Jair Bolsonaro, adversário ideológico da Constituição de 1988, com relativo aprumo, embora não sem desgastes. Há mais cartilagem e complexidade no tecido institucional brasileiro do que no peruano, no venezuelano ou no boliviano.

Insurreições pretorianas não mais ameaçam a consolidação do Estado democrático de Direito na América Latina. Foi-se, felizmente, o tempo em que as Forças Armadas, nos famigerados “pronunciamientos”, escolhiam vencedores e vencidos nas disputas políticas.

A cartilha do arbítrio em voga, inaugurada aliás por Alberto Fujimori, prega a cooptação paulatina pelo chefe do Executivo das organizações estatais e sociais incumbidas de controlar, limitar e fiscalizar as ações do presidente.

Não há monopólio doutrinário entre filotiranos. À direita —com Keiko e Bolsonaro— e à esquerda —com Castillo e Nicolás Maduro—, exemplares farejam oportunidades para inocular o veneno cesarista.

Como ocorre na biologia, o organismo institucional corre risco de infecção apenas quando o sistema imune da democracia fraqueja.

Enfim se movem

Folha de S. Paulo

Tardiamente, Biden puxa cordão dos ricos para distribuir vacinas a países pobres

Desde que a velocidade sem precedentes da ciência trouxe vacinas efetivas contra a Covid-19 em menos de um ano, uma geopolítica particular foi estabelecida em torno da oferta dos imunizantes.

China e Rússia fizeram lançamentos de fármacos de olho no mercado externo, não só por lucro, mas também para estender sua influência política sem o uso da força das armas ou da coerção econômica. É o chamado “soft power”.

Com efeito, chineses são força dominante no mercado vacinal na América Latina, quintal político dos seus rivais em Washington, e fizeram caridade em locais desassistidos da Ásia e da África.

Já o Kremlin viu sua Sputnik V ser aprovada para uso em quase 70 nações, ainda que não tenha conseguido entrar de vez na Europa, seu objetivo político maior.

A Índia, outro grande ator nesse campo, acabou deixando as pretensões externas de lado devido à gravidade da pandemia em seu território. Os chineses também tiveram de olhar para dentro, mas mantiveram seus compromissos externos, e é certo que Nova Déli voltará com força ao palco internacional.

Já os países mais ricos optaram por se proteger primeiro, no que foram alvo de várias críticas.

Nas contas da Organização Mundial da Saúde, um quarto dos 2,3 bilhões de doses de vacinas já aplicadas ocorreu em países do G7, clube das economias mais desenvolvidas que promoveu reunião de cúpula na sexta (11). Essas nações mal somam 10% da população mundial.

A União Europeia fez jus à sua fama de paraíso da burocracia e, tendo fármaco e dinheiro à mão, aplica campanha errática e lenta.

Já os Estados Unidos aceleraram de forma notável o processo, embora haja queda na taxa de imunização, ameaçando a meta do presidente Joe Biden de ver 70% dos adultos vacinados até julho.

De todo modo, coube ao democrata a iniciativa tardia de incentivar seus colegas do G7 a distribuir vacinas para os países mais pobres. Biden prometeu 500 milhões de doses em um ano, meta dobrada na reunião de sexta.

É pouco. Entidades como a ONG britânica Oxfam estimam em 11 bilhões o número de inoculações necessárias para controlar a pandemia. Mas é um começo, e Biden pode ter ultrapassado os seus rivais no jogo da vacina —que, como qualquer governante talvez exceto Jair Bolsonaro sabe, é o único capaz de encerrar o pesadelo presente num mundo interconectado.

É urgente a PEC que veda militar da ativa em cargo civil

O Globo

São curiosas as prioridades do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Não poupou esforços para, com o país em crise fiscal aguda e em plena pandemia, incluir no Orçamento deste ano R$ 18,5 bilhões destinados a interesses paroquiais dos parlamentares, por meio da esdrúxula superemenda do relator. Tenta a todo custo introduzir uma mudança bizarra no sistema eleitoral conhecida como “distritão”, tida por cientistas políticos como a pior entre todas as formas de eleger representantes. Também deu celeridade ao projeto que torna letra morta o licenciamento ambiental e a outro de regularização fundiária, conhecido pelo sugestivo apelido “PL da grilagem”, ambos incentivos evidentes à devastação da Amazônia.

Ao mesmo tempo, Lira deixa em segundo plano questões críticas, como as reformas tributária e administrativa. Pode-se argumentar que seja legislação de tramitação complexa, pois envolve interesses difíceis de conciliar. Não é o caso, porém, de outros projetos essenciais para nossa democracia, como a mudança na Lei de Segurança Nacional ou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de autoria da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), que proíbe militares da ativa de exercer cargos civis na administração pública.

A ideia ganhou força depois que o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, participou de um passeio de motocicletas seguido de comício no Rio de Janeiro ao lado do presidente Jair Bolsonaro — e foi poupado de punição pelo comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, em deferência a Bolsonaro. Além de não ter sido punido, Pazuello foi premiado com um cargo na Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, comandada por outro militar da ativa, o almirante Flávio Rocha. Estima-se que haja 6 mil militares em cargos de confiança no governo Bolsonaro, metade deles em funções civis.

É evidente que as Forças Armadas não devem estar sujeitas ao governo de ocasião. Elas existem para garantir segurança e integridade do Estado, não para servir ao projeto político do governante. Numa democracia que se preza, o exercício do poder civil exige distância da caserna, sob o risco do inadmissível flerte com a ruptura institucional. Não é difícil entender isso num país que sofreu anos de ditadura militar.

É por isso que a Constituição veda a eleição de militares da ativa, exigindo que se afastem (se tiverem menos de dez anos de carreira) ou passem à reserva (se tiverem mais). A PEC propõe estender esse princípio ao exercício de cargos civis no governo. O próprio Alto-Comando do Exército vê a ideia com simpatia. Ela é tão simples, óbvia e necessária que é incompreensível despertar receio entre os parlamentares.

São necessárias 171 assinaturas para que comece a tramitar. Até ontem, apenas 133 deputados a haviam subscrito (a assinatura não implica apoio ao projeto, apenas à entrada em discussão). Mesmo na oposição, a coleta enfrentava resistência. Não haviam assinado dois deputados do PT, 15 do PSB e 10 do PDT, assim como 27 do MDB, 27 do PSDB, 26 do DEM e 8 do Novo. Sob o pretexto de tornar a PEC mais atraente, Lira tenta incluir uma quarentena para candidaturas de integrantes do Judiciário e do Ministério Público. Mas são discussões distintas. O mais urgente é disciplinar o exercício do poder pelas Forças Armadas. A PEC faz isso de modo simples e eficaz. Todo parlamentar preocupado com o futuro da nossa democracia deveria apoiá-la.

É inaceitável investigar emissoras que transmitirão a Copa América

O Globo

É legítimo que se queira investigar a realização da Copa América no Brasil. Do ponto de vista sanitário, não é razoável trazer o torneio para o país num momento em que autoridades de saúde alertam sobre uma terceira onda de contágio. Segundo o boletim mais recente do Observatório Covid-19, da Fiocruz, as UTIs estão com índices críticos de ocupação em 21 das 27 unidades da Federação.

Na segunda-feira, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) encaminhou ao Ministério Público Federal dos estados de Mato Grosso, Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo e do Distrito Federal proposta para investigar possíveis violações do direito à vida e à saúde por parte da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), de governos estaduais, municipais, emissoras e patrocinadores do evento. É totalmente fora de propósito incluir na investigação as emissoras de TV que detêm os direitos de transmissão do torneio ou os patrocinadores que investiram nele.

A PFDC deve conhecer bem o caminho que a Copa América fez até cair de paraquedas nos estádios brasileiros. O torneio deveria ocorrer na Colômbia e na Argentina, que desistiram. A Colômbia, porque está mergulhada numa crise política e social. A Argentina, porque enfrenta um agravamento da pandemia, com aumento de hospitalizações e colapso na rede de saúde.

Foi a desistência dos anfitriões que levou a Conmebol a sondar a CBF. A confederação, então presidida por Rogério Caboclo, procurou o presidente Jair Bolsonaro, que de pronto aceitou abrigar a competição. Nem quis saber de estudo de impacto na saúde dos brasileiros ou de consultar o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. A decisão coube a Bolsonaro. Se ele não quisesse, a Copa América não seria aqui. As emissoras de TV fariam a cobertura fosse na Colômbia, na Argentina ou em qualquer outro lugar. Alguns patrocinadores até desistiram do evento para não associar suas marcas ao uso político que Bolsonaro tenta fazer dele.

Com razão, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) manifestou preocupação com a investigação. Embora reconheça o papel dos órgãos de controle na apuração de eventuais riscos, a Abert chama a atenção para o cerceamento das liberdades: “Qualquer ação de fiscalização direcionada aos veículos de comunicação, que, sabidamente, não são organizadores e não possuem qualquer ingerência na realização do evento, configura flagrante violação à liberdade de programação das emissoras”. Lembra ainda que a divulgação do torneio “se limita a cumprir o dever constitucional dos veículos de comunicação social de levar cultura e entretenimento à população de maneira livre, aberta e gratuita”.

A proposta estapafúrdia de investigar emissoras por cumprir contratos e fazer seu trabalho não pode prosperar num estado democrático de direito. A PFDC tem toda a legitimidade para investigar os impactos da realização da Copa América no Brasil. Mas não pode fazê-lo expulsando de campo as liberdades constitucionais.

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