- Folha de S. Paulo
Silêncio da Marinha e da Aeronáutica sugere
não endosso a Bolsonaro
Desde o golpe assestado em 2018 pelo
general Eduardo Villas Bôas contra
o processo de eleição livre e democrática, com pronta capitulação da maioria do
Supremo Tribunal Federal, são diferentes as posições formais da
Marinha e da Aeronáutica, idênticas, e a do Exército, ante os acontecimentos
políticos, o governo e a própria Constituição. Esse tem sido e será ainda mais,
se mantido, um fator decisivo para a sobrevivência atual e futura da custosa
democracia à brasileira.
Faltam indícios da existência, ou não, de
custo interno para a Aeronáutica e a Marinha. Se algum há, está bem contido e
vale a pena. Para todos os efeitos constitucionais, políticos e de ordem, a
estrita dedicação nas duas Forças ao profissionalismo militar tem sido um
empecilho ao fechamento do circuito golpista.
Pela dimensão, pelo espalhamento por grande
parte do território, o Exército é
desde sempre a força militar preponderante. Mas, para as
intervenções na vida política e nos regimes, a unidade das Forças
Armadas foi o redutor de riscos excessivos aos resultados pretendidos. Na
golpeada segunda metade do século passado, por uma única vez o Exército ousou
agir sozinho contra o poder constituído.
Em 1955, os generais Lott e Denys derrubaram o presidente e seu sucessor que participavam do golpe iminente para impedir a posse de Juscelino. Os dois chefes do Exército fizeram de surpresa contra os comandos da Marinha e da Aeronáutica, agentes do golpismo, o que foi chamado, e era, de golpe da legalidade. O comando da Marinha reagiu, pôs em mar o seu cruzador, povoado de políticos decaídos, mas as contingências não lhe ofereceram mais do que uma rota tranquila até Santos. E, aos intranquilos civis, a refeição sempre sublime da oficialidade de Marinha.
Por menos que sejam conhecidas as ideias
vigentes na Aeronáutica e na Marinha, e por mais que as práticas da política as
desagradassem, o silêncio e a distância que mantêm são sugestões de não endosso
a Bolsonaro.
Convém lembrar que, bem antes disso, já uma
atitude incomum sinalizava a mesma rejeição: o general Villas Bôas, como disse
há tempos, falou ao
Alto-Comando sobre a nota (golpista) que dirigiria ao Supremo,
mas não consultou os outros dois comandantes de Forças. Nem ao menos os avisou.
Só poderia ser assim por previsão de discordância impeditiva. O ambiente já
estava sombrio, pois.
Não há disputa, mas pode haver, se
Bolsonaro e o bolsonarismo acreditarem demais em suas possibilidades de marcha
ilegal. O risco de que tudo degenere é o que Bolsonaro e seu pessoal parecem
supor. Risco de disputa e o seu risco.
A eleição de
Biden cassou o apoio americano, em geral determinante no Brasil, com
que Bolsonaro podia contar ao tempo de Trump. Ao atraso tecnológico das Forças
Armadas, prejudicial e inquietante muito mais para a Marinha e a Aeronáutica
que ao Exército, não convém a reação certa do mundo desenvolvido a promotores
de destruição da Amazônia e de agravamento dos dramas climáticos. Ao
empresariado já bastam os primeiros sinais de hostilidade no mercado externo.
Ainda assim, Bolsonaro quer tentar. É
bastante tapado e envolvido por tapados para ir, irem, adiante. Além disso,
outro componente de sua propensão é mais um risco: o seguimento lógico e reto
da vida nacional conduz, conduzirá, conduziria os Bolsonaro e muitos coautores
dos crimes bolsonaristas a julgamentos e justas condenações à prisão.
A miséria de caráter que povoa as
instituições brasileiras não condiz com um final de justiça, mas Bolsonaro
aprecia tratamentos preventivos tresloucados. No caso, a conquista de poder
bastante para evitar o final lógico e reto em qualquer assunto, e muito mais
nos seus.
Com o silêncio e a distância, Marinha e Aeronáutica estão como configurações militares do regime constitucional democrático. Nunca estiveram com a história tão depositada em seus navios, seus aviões e, comprovem-na, sua dignidade.
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