- O Globo
Um criminalista, que já advogou para
milicianos, foi parar numa negociação internacional com a Pfizer, indicado pelo
governo. Cem mil brasileiros morreram pelos atrasos deliberados na compra de
vacinas. Com a Covaxin, o governo quis fazer contrato, ainda na segunda fase, e
pagar adiantado. Foi a única a ter um intermediário e era uma empresa ligada a
outra suspeita de fraude. Tudo isso está em um terabyte de informação que a CPI
já acumulou e deve ser avaliado, segundo o senador Alessandro Vieira, por um grupo
de juristas para tipificar os crimes cometidos pelo governo federal na crise
sanitária.
— A CPI conseguiu mostrar que existe uma
lógica por trás de toda esta onda de equívocos do governo federal. O raciocínio
era tentar contaminar o mais rapidamente os brasileiros, buscando a impossível
imunidade de rebanho — disse Vieira.
O presidente Jair Bolsonaro continua nessa mesma trilha, descrita na CPI. Atribuiu ao TCU uma tabela em que metade das mortes de Covid tinha outra causa e foi desmentido pelo tribunal. Em Goiás, disse que as vacinas são “experimentais”, como a cloroquina. No Planalto, afirmou que o “tal" Queiroga estava “ultimando” um parecer para dispensar o uso da máscara. No Espírito Santo, fez uma aglomeração, tirou a máscara, estimulando todos a fazerem o mesmo. E passou a semana preparando a manifestação de motos em São Paulo.
Se os atos são explícitos, por que fazer uma CPI? Desde que a Comissão começou a trabalhar, acumularam-se provas, evidências, linhas de investigação sobre a maneira criminosa com que o governo conduz esta pandemia.
— O governo deliberadamente atrasou a
compra de vacinas. No fim do ano passado, o Brasil poderia ter 4,5 milhões de
vacinas da Pfizer e 45 milhões de coronavac. A nosso pedido, o professor Pedro
Hallal fez uma conta. Uma vez aplicadas as vacinas, no momento em que elas
estiveram disponíveis, no fim do ano e começo de 2021, qual seria a correção de
curva e redução das mortes? Ele estima que 100 mil mortes teriam sido evitadas
e entre 250 mil a 300 mil internações não teriam ocorrido — diz o senador
Alessandro Vieira.
Foi uma semana de muita mentira na CPI. O
ministro Marcelo Queiroga disse que foi dele a decisão de não nomear a médica
Luana Araújo. Havia atribuído, anteriormente, ao Palácio, “afinal, o regime é
presidencialista”. O ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde coronel
Élcio Franco foi desmentido por vídeo enviado por internauta. Ele disse que a
negociação com o Butantan nunca foi interrompida. No vídeo, ele aparece dizendo
“não vamos comprar a vacina da China”. Por que mentem os governistas? Para
blindar o presidente. Só que Bolsonaro repete a mesma conduta temerária que
aumenta as mortes.
Nesse um terabyte da CPI tem a informação
de que a sucessora de uma empresa de nome Global Medicamentos, suspeita de
fraudes na gestão do ex-ministro Ricardo Barros, na Saúde, é a intermediária da
Covaxin. Com essa o governo teve pressa em negociar. O advogado Zoser Plata
Bondim de Araújo, com milicianos na sua lista de clientes, negociou com a
Pfizer, em nome do governo. Dinheiro público foi usado em remédio que não
funciona para o Covid-19.
— Houve uma ação direta do próprio
presidente da República em benefício das empresas que produzem cloroquina em
negociações internacionais. O mundo inteiro correndo atrás de vacinas e o
Brasil dificultando ao máximo a compra. Aquilo que o presidente não fez pela
vacina fez pela cloroquina — diz o senador.
Há muita informação já coletada pela CPI,
há documentos oficiais mostrando os erros e omissões do governo, mas o que pode
fazer a CPI, de fato? Ela encaminhará à Procuradoria-Geral da República.
“Depois de enviar à PGR a lei não prevê mais nada” , me disse um procurador. O
senador acha que, mesmo assim, a CPI tem que fazer o seu papel.
— A gente tem essa compreensão da limitação da CPI. Ela não vai poder fazer denúncia, pedir impeachment. Vai fazer um relatório que será bastante contundente para que a sociedade organizada cobre providências. Vamos avançar para tipificar a conduta de Bolsonaro e construir, mesmo que seja para o futuro, medidas que evitem ter um presidente que claramente descumpre a lei de forma ostensiva. Não criamos mecanismos para isso. Era imprevisível. Agora sabemos que existe.
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