domingo, 13 de junho de 2021

Elio Gaspari - Uma supervia de empulhações

- Folha de S. Paulo / O Globo

Concessionária do transporte ferroviário metropolitano do Rio de Janeiro entrou em regime de recuperação judicial

A Supervia, concessionária do transporte ferroviário metropolitano do Rio de Janeiro, entrou em regime de recuperação judicial. Deve R$ 1,2 bilhão e não tem como pagar. A velha Estrada de Ferro D. Pedro II começou a operar em 1854 e desde então tem sido símbolo de um progresso que não chega. Sua história é um passeio pelo descalabro do sistema ferroviário, pelas maquinações do andar de cima e pelas empulhações oferecidas ao andar de baixo, que paga as contas e viaja em trens ruins.

Ela nasceu privada e, ao longo de 167 anos, viveu num pingue-pongue. Foi uma estatal federal e passou a ser estadual. Era privada, foi estatizada, viu-se privatizada e, novamente estatizada. Em 1998 voltou a ser privatizada e desde então mudou de dono três vezes, passando pelas mãos da empreiteira Odebrecht. A cada movimento, prometia-se um grande futuro aos passageiros. Coisa como uma extensão do Metrô e trens de qualidade transportando um milhão de pessoas por dia.

Desde 2019 a Supervia pertence à empresa Gumi Brasil, controlada por um consórcio da japonesa Mitsui. Suas dificuldades foram atribuídas à perda de passageiros provocada pela pandemia. É verdade, mas não é tudo. Olhando-se para a lista de credores afetados pela recuperação judicial, sente-se um forte cheiro de queimado. A maior vítima é o velho e bom BNDES, com um espeto de R$ 840 milhões (69% do passivo). Sobrou para a Viúva.

O segundo maior credor da Supervia é a Light, que fornece energia aos trens. O milagre da privatização mostrou suas rachaduras já em 2001, quando a Supervia devia R$ 24 milhões à Light. Em 2016, antes do surgimento do coronavírus, a dívida estava em R$39 milhões e a Light pediu à Justiça a falência da empresa.

Os atuais administradores da empresa não são responsáveis pelos lances tenebrosos de sua história, mas a patuleia que paga impostos e tarifas não deve esquecê-los. Durante o mandarinato da Odebrecht, a Supervia administrava também o famoso teleférico do Morro do Alemão, aquele que fez a doutora Christine Lagarde, do FMI, se sentir nos Alpes. Parado, tornou-se uma ruína e seu patrono, o ex-governador Sérgio Cabral, está na cadeia. Em 2009, a milícia de seguranças da empresa chicoteou passageiros em estações congestionadas e seu diretor de marketing e recursos humanos explicou: “Quem segura as portas é marginal. (...) Pode ter havido excessos. (...) Quem abre a porta é marginal, é crime. (...) Todos os passageiros que cumprem as regras são excelentemente tratados. Aqueles que são marginais, prendem a porta e fazem baderna não podem ter o mesmo tipo de tratamento”.

No mundo das ferrovias existem dois bons negócios. Um deles é vender passagens. O outro é fornecer equipamentos. Se os maiores credores da Supervia fossem esses fornecedores, seria o jogo jogado.

No rastro do pedido de recuperação judicial da Supervia, a Fetranspor, guilda das empresas de ônibus do Rio, puxou o argumento da perda de receita pela pandemia. Sustentam que o governo deve garantir o equilíbrio econômico-financeiro das companhias para assegurar a continuidade dos serviços. (Maganos da Fetranspor passaram temporadas na cadeia, mas essa é outra história.)

Assim é a vida do carioca. Faltam vacinas, o transporte público encarece e é ruim, mas abundam avanços nas tarifas e ataques à bolsa da Viúva.

A diplomacia de Bolsonaro

Quando Joe Biden venceu a eleição americana, Jair Bolsonaro levou mais de um mês para felicitá-lo.

Sua diplomacia acreditava na lorota de Donald Trump, que dizia ter sido roubado.

Quatro dias depois da eleição de Pedro Castillo, o capitão disse que “perdemos agora o Peru”, pois a seu juízo “só um milagre” reverterá a derrota de Keiko Fujimori.

Demorou para reconhecer um resultado e apressou-se para admitir o outro.

Nomeando Marcelo Crivella para a representação do Brasil na África do Sul, Bolsonaro entra para os anais da diplomacia como o primeiro chefe de Estado a nomear um embaixador que está proibido de deixar o país pela Justiça.

O capitão ganhou uma

Depois de ter sido chamado de Bolsonero pela revista Economist, o capitão ganhou uma, na Inglaterra.

O British Museum abriu a exposição “Nero, o homem atrás do Mito”.

O imperador romano é dado por doido. Nero teria cantado durante o incêndio de Roma, em julho de 64. Coisa de milicianos da História, pois ele não estava na cidade.

Depois que Nero se matou, Roma foi governada por três generais num só ano. Nasceu assim a expressão “anarquia militar”.

De Waal e os Camondo

Depois de ter publicado o magnífico “A Lebre dos Olhos de Âmbar”, o inglês Edmund de Waal, veio com um novo livro. É “Letters to Camondo” (“Cartas para Camondo”).

De Waal é um exímio ceramista e refinado intelectual. Nos dois livros, lida com a história de seus ancestrais, os banqueiros judeus Ephrussi e Camondo. Milionários em Viena e em Paris, foram empobrecidos e perseguidos pelos colaboracionistas franceses.

Quem já viu o quadro “Azul e Rosa”, de Auguste Renoir no Masp, achará suas duas meninas no livro. Elizabeth, a de vestido rosa, foi presa em 1944, aos 66 anos, e morreu em Auschwitz. Alice, a de azul, tornou-se Lady Cavendish e viveu até aos 89 anos.

Num capítulo, em doze páginas, De Waal expõe sem um único adjetivo o que foi a perseguição aos judeus na França. Em 1942 eles foram proibidos de sair à noite e de ter bicicletas.

A edição brasileira sairá no ano que vem.

Boa ideia

A Caixa Econômica está estudando uma boa ideia: um subsídio para policiais militares que venham a comprar casa própria.

Esses policiais ganham mal. Contudo, sabe-se que Fabrício Queiroz, chevalier servant da família Bolsonaro, e Adriano da Nóbrega, o miliciano que chefiava o Escritório do Crime, estiveram na Polícia Militar do Rio. A iniciativa precisa de uma saída de emergência.

Se o policial se meter em falsos tiroteios, milícias ou serviços de segurança para contraventores, perde o subsídio e compensa a Caixa.

Sem isso, a iniciativa poderá virar um ProMilícia.

Madame Natasha

Madame Natasha chefia uma milícia para defender o idioma, usa carro blindado e veste capacete de escafandro, mais um colete à prova de balas.

Ela concedeu uma bolsa de treinamento ao ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, coronel Élcio Franco, aquele que usava brochinho de caveira apunhalada. Ele foi à CPI e disse que a terceira fase dos testes de imunizantes era um “cemitério de vacinas”.

No dia da fala do coronel a Covid matou 2.334 pessoas.

Natasha acredita que ele podia ter dito “arquivo de vacinas”.

O tal de Queiroga

Bolsonaro não improvisa. Ao chamar o “nosso ministro da Saúde” de “um tal de Queiroga”, mostrou-lhe o cabo do punhal.

Juca disse tudo

O repórter Juca Kfouri disse tudo:

“Cova America”.

Nenhum comentário: