- Folha de S. Paulo
Nova biografia traz episódios de sua vida
como a amizade com Einstein e os problemas psiquiátricos
Diálogo entre um juiz americano e um
estrangeiro em processo de naturalização:
– Que tipo de governo vocês têm lá?
– Era uma República, mas a Constituição era
tão frágil que acabou se tornando uma ditadura.
– Isso é ruim. É claro que nada parecido
poderia acontecer aqui.
– Pode sim. E eu posso provar.
Essa conversa se deu em 1948 entre o juiz Phillip Forman e o lógico austríaco Kurt Gödel. Como Albert Einstein e Oskar Morgenstern, padrinhos de Gödel na naturalização, rapidamente intervieram para que ele se calasse e não estragasse tudo, não sabemos que tipo de prova seria apresentada. Mas podemos imaginar.
É o que faz Stephen Budiansky em “Journey
to the Edge of Reason” (jornada aos limites da razão), a nova biografia de
Gödel. Para Budiansky, é plausível que Gödel, na trilha da lógica
autorreferencial que o consagrou, tivesse em mente a possibilidade de algum
governante americano alterar as regras que presidem à mudança de regras
—emendas à Constituição—, o que lhe permitiria assumir poderes ditatoriais.
“Journey...” relata esse e outros episódios da
vida de Gödel: a participação no Círculo de Viena, a fuga da Áustria anexada, a
vida em Princeton, a amizade com Einstein, os problemas psiquiátricos.
Obviamente, fala também das contribuições de Gödel para a matemática e a
filosofia, com destaque para os teoremas da incompletude, que mostram
limitações inerentes a todos os sistemas axiomáticos não triviais, como é a
matemática.
É aí que o livro se revela particularmente
útil. Além de trazer um anexo que torna possível acompanhar —e, com certo
esforço, compreender— o passo a passo da prova de Gödel, “Journey...” se põe a
desmitificá-la. Sim, os teoremas da incompletude foram um golpe fatal nos
programas que pretendiam levar as certezas matemáticas à filosofia, mas os
engenheiros podem ficar tranquilos, pois a matemática continua funcionando.
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