- O Estado de S. Paulo
Bolsonaro racha o País e juristas da CPI
separam o que é só grotesco do que é crime do presidente
Ao entrar num avião lotado, sem ter por que
nem para que, o presidente Jair Bolsonaro colheu uma cena e
um momento do Brasil: um grupo estridente ao fundo, gritando “fora, Bolsonaro!”,
“genocida” e “assassino” e um outro, próximo à cabine do piloto, tirando fotos
e reagindo com “mito, mito, mito”. No centro da aeronave, porém, a grande
maioria dos passageiros permaneceu sentada em seus assentos, em silêncio, só
observando.
Mais do que um ato populista, de campanha
antecipada, Bolsonaro fez a papagaiada com um intuito: radicalizar a divisão da
sociedade brasileira, rachar o País entre os dele, que são machos, não usam
máscara, tomam cloroquina e andam de avião e moto, e todos os demais,
“maricas”, de máscaras, que deviam viajar “de jegue”.
A diferença é que o grupo “dele” é armado: militares, policiais, milícias, civis adoradores de revólveres e tiros, tudo embolado com a velha política e religiões que nadam em dinheiro. Do outro lado, em meio a bandeiras vermelhas, tem de tudo, da esquerda à direita, mas, se houver armas, estão mais para peixeiras do que fuzis.
Só há um ponto comum entre machos e
“maricas”, os do avião e do jegue, os das motos e do juízo, os dos fuzis e das
peixeiras, os da terra plana e da ciência, os da Amazônia e das cinzas, os da
institucionalidade e das sombras, os com máscara e sem máscara: as vacinas! Aí
não tem mito nem ideologia, é botar o braço na mira.
Bolsonaro teve sucesso em tumultuar,
confundir e dividir os cidadãos quanto a isolamento social, máscaras e
cloroquina, na contramão da ciência e do mundo civilizado, mas perdeu
feio quando atirou despudoradamente contra as vacinas.
Pesquisas, filas e declarações de Norte a Sul mostram, sem sombra de dúvidas,
que o brasileiro quer se vacinar. E sabe que este é um... direito.
Se jamais recuou no resto, o presidente foi
obrigado a capitular na vacina, sua grande e única inflexão na pandemia. E não
foi pela ciência ou consciência, mas por oportunismo. Além de a população
exigir imunização, há o fator João Doria, que não incomoda só com
suas “calças apertadinhas”, mas pela audácia de sair na frente, bancar a
Coronavac e registrar a foto da primeira brasileira vacinada em solo nacional.
Desde junho de 2020, a Pfizer e o Butantan
se esgoelavam para abastecer o Brasil, enquanto o governo dava de ombros para
eles e para os relatórios de embaixadas brasileiras, talvez porque Bolsonaro,
além de não dar o braço para a vacina, não quisesse dar o braço a torcer e
admitir, finalmente, que não era “uma gripezinha”. Assim, o tempo passou,
dezembro chegou sem vacinas, e com aumento de casos e mortes. O governo só
acordou em 2021.
Foi o ciúme de Doria que chacoalhou
Bolsonaro, quando o governador anunciou o início da vacinação para janeiro e
deu aos brasileiros o que ele se recusava a dar: esperança. A partir daí, as
coisas ficaram na mesma em relação a máscaras, isolamento e cloroquina, mas
mudaram radicalmente quanto a vacinas e até os filhos do presidente viraram pró
vacina desde criancinhas. O paizão liberou, só não ao ponto de arregaçar as
mangas – nem para sua dose, nem para combater a pandemia.
O que a CPI busca, com um conselho de juristas instalado
sexta-feira e municiado com uma montanha de documentos e depoimentos, é algo
bem concreto: separar o que é só grotesco do que é criminoso, o que é falação
do que pode ser, objetivamente, tipificado como crime do presidente da
República numa pandemia que caminha para 500 mil mortos em pouco mais de um
ano. Vem pedido de processo por aí.
PS: Marco Maciel foi praticamente uma unanimidade, como homem bom e político com ideais e princípios, desses que fazem muita falta, mais ainda em meio às trevas.
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