Valor Econômico
Ambiente pavorosamente não competitivo tira
os estímulos à busca de ganhos de produtividade e é regressivo e antissocial
Os debates políticos sobre as causas da
“estagnação secular” da economia brasileira desde os anos 80 têm,
justificadamente, se concentrado em fatores institucionais e macroeconômicos,
como a falta de segurança jurídica ou os irmãos siameses do recorrente
desequilíbrio fiscal e da alta e instável taxa de juros, ambos frutos de nossa
longa crise de governança.
Menos se tem dito dos determinantes
microeconômicos, como a falta de competição a que é submetida a grande
indústria brasileira - fruto, em particular, de um protecionismo elevado e
pouco transparente - e de seus efeitos, como o baixo dinamismo tecnológico.
A indústria paulista que, em particular, se beneficiou enormemente da intervenção brutal do Estado após a Segunda Guerra Mundial, ao ponto de São Paulo chegar a representar 58% da produção industrial em uma federação de 26 Estados em 1970, declina desde então, sendo hoje menos do que 38% do total. Por isso, há vários anos, os industriais desse estado atacam o moinho de vento das “políticas liberais” como se essa, além de uma ficção, fosse a origem de seus problemas estruturais e seculares e não, exatamente o contrário: o atávico mercantilismo brasileiro e a falta de competição.
Por isso, foi confortador saber que o
objetivo central da recentemente empossada direção, declaradamente apartidária,
da Fiesp seria uma nova política de “re-industrialização”. Mas, para melhor
calibrar suas propostas de mudança, seria útil que seus líderes entendessem a
causa do fenômeno a que se chama de “desindustrialização” no Brasil.
Realmente, a parcela do produto do setor
manufatureiro (“indústria” no Brasil estatístico inclui construção civil e
indústria extrativa, que não são as que batem o bumbo da Fiesp) caiu a 11%, o
menor desde 1947, ou seja, o nível de antes do grande ciclo de industrialização
até os anos 70. Um horror, certo? Errado. Porque essa é a parcela dos valores
nominais, isto é, medida a preços correntes, enquanto a comparação relevante da
variação histórica do “peso” da indústria deve ser feito a preços constantes, levando
em conta como variam no tempo os preços relativos entre setores. Medida a
preços correntes o Brasil não é muito diferente da media do resto do mundo
industrial. Mas isso é uma ilusão de ótica.
Um importante estudo feito por professores
da FEA/USP (www.iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_940.html) mostra que,
para o conjunto de uma amostra de 30 países industrializados, enquanto em
termos nominais a participação da industria no PIB de fato cai de 26,2% para
17,3% entre 1971 e 2017, a preços constantes ela sobe de 15,75 a 17,3%. A razão
disso é a queda contínua dos preços relativos dos manufaturados, causada pelo
rápido e contínuo progresso técnico na indústria e pela relocalização e
integração internacional de grande parte das indústrias, no ambiente
competitivo de uma economia mundial aberta.
O surpreendente é que corrigir esta
influência dos preços não traz alteração significativa no caso do Brasil. A
preços constantes, a participação da indústria brasileira no PIB cai de 21,4%
para 12,6% no mesmo período. Entretanto a desindustrialização brasileira não é
uma jabuticaba. Compartilhamos essa anomalia, como mostra o estudo do IEDI, com
Argentina, Rússia e Filipinas, países com quem temos em comum ao menos dois
grandes inimigos da eficiência do crescimento industrial. Primeiro, um ambiente
de grande instabilidade no investimento causados por sucessivos desequilíbrios
macroeconômicos. Segundo, e pelo menos tão importante, um processo de
industrialização ineficiente atrás de enormes barreiras comerciais desenhado no
mundo fechado de meados do século passado.
Assim, do ponto da vista estrito da
política industrial, é o nosso ambiente pavorosamente não competitivo, fruto de
um protecionismo atávico, que tira os estímulos empresariais à busca de ganhos
de produtividade. Esses incentivos perversos, inibidores da ação de
empreendedores criativos, é uma tragédia nacional. Especialmente no início de
uma era em que o desafio da transição a uma economia neutra em emissões de
carbono vai proporcionar inúmeras oportunidades de investimento industrial no
Brasil, se formos tecnologicamente criativos e internacionalmente competitivos.
Esperemos, portanto, que a nova “política
de reindustrialização” não acabe apenas em um miado de um lobby de ‘fat cats’
que quer apenas, como anunciado, baixar os impostos (o que é bom, se bem
feito), o custo da infraestrutura (o que é ótimo, se privatizar o necessário) e
apoiar uma política tecnológica ativa (o que, com os devidos cuidados, seria
excelente).
Mas seria estimulante ouvir também da nova
Fiesp que ela se declara inequivocamente a favor da liberação comercial e
integração comercial global, usando sua influência política para atacar as
verdadeiras e profundas causas de nossa decadência tecnológica e industrial,
desmontando de vez as barreiras do arraigado e obscuro protecionismo brasileiro
e seu complemento regressivo de subsídios redundantes.
Principalmente porque o nosso protecionismo
é também regressivo e antissocial. Tem efeito concentrador de rendas de
monopólio em certas indústrias, garantindo maiores lucros aos empresários e/ou
salários a um baronato do proletariado nas empresas mais competitivas que
servem o mercado doméstico. E ao contribuir para a redução da desigualdade, a
nova Fiesp estaria dando uma grande contribuição à solução de nosso verdadeiro
problema.
Em um ano eleitoral, onde sua influência
tem maior repercussão política e sendo, como se diz agora, apartidária, mas não
apolítica, isso seria profundamente transformador, permitindo seu engajamento
na definição da agenda maior e necessária de restauração da governabilidade e
restauração do crescimento no Brasil.
*Winston Fritsch é professor, empresário e Conselheiro Emérito do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais). Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda durante o Plano Real.
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