quarta-feira, 16 de março de 2022

Winston Fritsch*: Um apelo à ‘nova’ Fiesp

Valor Econômico

Ambiente pavorosamente não competitivo tira os estímulos à busca de ganhos de produtividade e é regressivo e antissocial

Os debates políticos sobre as causas da “estagnação secular” da economia brasileira desde os anos 80 têm, justificadamente, se concentrado em fatores institucionais e macroeconômicos, como a falta de segurança jurídica ou os irmãos siameses do recorrente desequilíbrio fiscal e da alta e instável taxa de juros, ambos frutos de nossa longa crise de governança.

Menos se tem dito dos determinantes microeconômicos, como a falta de competição a que é submetida a grande indústria brasileira - fruto, em particular, de um protecionismo elevado e pouco transparente - e de seus efeitos, como o baixo dinamismo tecnológico.

A indústria paulista que, em particular, se beneficiou enormemente da intervenção brutal do Estado após a Segunda Guerra Mundial, ao ponto de São Paulo chegar a representar 58% da produção industrial em uma federação de 26 Estados em 1970, declina desde então, sendo hoje menos do que 38% do total. Por isso, há vários anos, os industriais desse estado atacam o moinho de vento das “políticas liberais” como se essa, além de uma ficção, fosse a origem de seus problemas estruturais e seculares e não, exatamente o contrário: o atávico mercantilismo brasileiro e a falta de competição.

Por isso, foi confortador saber que o objetivo central da recentemente empossada direção, declaradamente apartidária, da Fiesp seria uma nova política de “re-industrialização”. Mas, para melhor calibrar suas propostas de mudança, seria útil que seus líderes entendessem a causa do fenômeno a que se chama de “desindustrialização” no Brasil.

Realmente, a parcela do produto do setor manufatureiro (“indústria” no Brasil estatístico inclui construção civil e indústria extrativa, que não são as que batem o bumbo da Fiesp) caiu a 11%, o menor desde 1947, ou seja, o nível de antes do grande ciclo de industrialização até os anos 70. Um horror, certo? Errado. Porque essa é a parcela dos valores nominais, isto é, medida a preços correntes, enquanto a comparação relevante da variação histórica do “peso” da indústria deve ser feito a preços constantes, levando em conta como variam no tempo os preços relativos entre setores. Medida a preços correntes o Brasil não é muito diferente da media do resto do mundo industrial. Mas isso é uma ilusão de ótica.

Um importante estudo feito por professores da FEA/USP (www.iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_940.html) mostra que, para o conjunto de uma amostra de 30 países industrializados, enquanto em termos nominais a participação da industria no PIB de fato cai de 26,2% para 17,3% entre 1971 e 2017, a preços constantes ela sobe de 15,75 a 17,3%. A razão disso é a queda contínua dos preços relativos dos manufaturados, causada pelo rápido e contínuo progresso técnico na indústria e pela relocalização e integração internacional de grande parte das indústrias, no ambiente competitivo de uma economia mundial aberta.

O surpreendente é que corrigir esta influência dos preços não traz alteração significativa no caso do Brasil. A preços constantes, a participação da indústria brasileira no PIB cai de 21,4% para 12,6% no mesmo período. Entretanto a desindustrialização brasileira não é uma jabuticaba. Compartilhamos essa anomalia, como mostra o estudo do IEDI, com Argentina, Rússia e Filipinas, países com quem temos em comum ao menos dois grandes inimigos da eficiência do crescimento industrial. Primeiro, um ambiente de grande instabilidade no investimento causados por sucessivos desequilíbrios macroeconômicos. Segundo, e pelo menos tão importante, um processo de industrialização ineficiente atrás de enormes barreiras comerciais desenhado no mundo fechado de meados do século passado.

Assim, do ponto da vista estrito da política industrial, é o nosso ambiente pavorosamente não competitivo, fruto de um protecionismo atávico, que tira os estímulos empresariais à busca de ganhos de produtividade. Esses incentivos perversos, inibidores da ação de empreendedores criativos, é uma tragédia nacional. Especialmente no início de uma era em que o desafio da transição a uma economia neutra em emissões de carbono vai proporcionar inúmeras oportunidades de investimento industrial no Brasil, se formos tecnologicamente criativos e internacionalmente competitivos.

Esperemos, portanto, que a nova “política de reindustrialização” não acabe apenas em um miado de um lobby de ‘fat cats’ que quer apenas, como anunciado, baixar os impostos (o que é bom, se bem feito), o custo da infraestrutura (o que é ótimo, se privatizar o necessário) e apoiar uma política tecnológica ativa (o que, com os devidos cuidados, seria excelente).

Mas seria estimulante ouvir também da nova Fiesp que ela se declara inequivocamente a favor da liberação comercial e integração comercial global, usando sua influência política para atacar as verdadeiras e profundas causas de nossa decadência tecnológica e industrial, desmontando de vez as barreiras do arraigado e obscuro protecionismo brasileiro e seu complemento regressivo de subsídios redundantes.

Principalmente porque o nosso protecionismo é também regressivo e antissocial. Tem efeito concentrador de rendas de monopólio em certas indústrias, garantindo maiores lucros aos empresários e/ou salários a um baronato do proletariado nas empresas mais competitivas que servem o mercado doméstico. E ao contribuir para a redução da desigualdade, a nova Fiesp estaria dando uma grande contribuição à solução de nosso verdadeiro problema.

Em um ano eleitoral, onde sua influência tem maior repercussão política e sendo, como se diz agora, apartidária, mas não apolítica, isso seria profundamente transformador, permitindo seu engajamento na definição da agenda maior e necessária de restauração da governabilidade e restauração do crescimento no Brasil.

*Winston Fritsch é professor, empresário e Conselheiro Emérito do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais). Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda durante o Plano Real.

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